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Falar sobre sentimentos ajuda a amadurecer e a aprofundar relações
Eye For Ebony/Unsplash
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Mamãe nunca gostou de falar sobre sen­timentos. Qualquer um. “Lydia não está bem. O médico chamou a família para que se despedisse dela.” Foi com essa frase que mamãe me contou que a irmã mais velha dela estava partindo. Mi­nha mãe é a quinta filha de uma família de seis. Até este dia havia apenas ela e Lydia. “Quer conversar sobre isso, mãe?”. “Não”, dito de forma seca e com intensidade.

Eu devia ter entre 10 e 11 anos quando vovó Esther morreu. Lembro-me de acordar com meu pai con­tando a notícia. Na sequência, ele nos deu café da manhã e nos levou para a escola. Não houve espaço para lágrimas ou la­mentações. Mas eu sinto! Então, no meio da primeira aula, desabei. A freira – estu­dei em escola católica – conversou comigo.

Quando soube que a minha (única) avó havia morrido, me mandou de volta para casa. Estava tão emocionada que não con­seguiria passar um pano na cara e retomar os estudos. Fingindo-que-nada-aconteceu.

Ao retornar, vi mamãe sentada na máqui­na de costura, fazendo forros para traves­seiros. Fazia um atrás do outro e não tro­camos uma palavra. Posso ouvir o barulho do pedal da máquina enquanto escrevo este texto.

Ela optou por não ir até o Recife, sua cidade de origem. “Para quê? Ela já não está mais aqui”, ouvi enquanto papai insis­tia para que fosse.

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Fugas e encontros para falar sobre sentimentos

Ao me recordar desse momento, penso: ir para enterrar, porque rituais são importantes, mãe; ir para abra­çar seus irmãos, aconchegar e ser acon­chegada; ir para se despedir de uma parte importante da sua vida; ir para olhar de frente e falar dos seus sentimentos.

Nunca julguei mamãe pelas fugas emo­cionais. Somente ela sabe o preço dessa decisão. Mas sei o que isso causou em nos­sa relação. Distância.

Conversamos apenas sobre superficialidades: o tempo, a pro­moção do leite no mercado, a estripulia do cachorro, o furo na camiseta. Todas as dificuldades, tristezas, alegrias, paixões, sentimentos, ficaram em mim.

As emoções afloram a todo instante. Preciso encontrar formas de esvaziá-las. Escrevo, converso com o namorado, os filhos, a amiga, a terapeu­ta. Mas com minha mãe, não.

Sempre tive receio da música “Como Nossos Pais”, de Belchior. Falar sobre os sentimentos consigo mesma, com os filhos, com alguém em quem confie, ame, é parte essencial de uma relação. É viver. Sem forros de traves­seiro. Sou eu diante do outro. Com toda a minha fragilidade. À flor da pele.

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Conteúdo publicado originalmente na Edição 262 da Vida Simples


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