O etarismo no mercado de trabalho impacta na felicidade coletiva
O colunista Horácio Toco Coutinho faz uma reflexão sobre a felicidade e o envelhecimento a partir de uma prática discrimatória ainda comum em algumas empresas: o etarismo - uma atitude que só traz desvantagens para a saúde da empresa e da sociedade
Quando era jovem e cheio de energia, costumava brincar que o tempo era um aliado. Podia trabalhar horas a fio, abraçar projetos ambiciosos e aceitar desafios quase impossíveis. À medida que os anos passaram, percebi que o tempo, além de ser um aliado, também pode ser um espelho incômodo.
Em certo ponto da minha carreira, fui confrontado com uma realidade que não esperava: meu valor no mercado parecia estar sendo avaliado não apenas pelo meu currículo ou conquistas, mas pelo número de velas no meu bolo de aniversário.
Semanas atrás, desenvolvendo um projeto de bem-estar no trabalho para uma grande empresa esse pensamento veio na minha cabeça novamente.
Tudo corria bem até que após eu sugerir um gestor de projetos bem experiente, um comentário, aparentemente inofensivo, surgiu: “Você não acha que deveríamos colocar alguém mais jovem como a cara do projeto para fazer a gestão? Algo mais… moderno?”.
Essa frase, dita com um sorriso cordial, carregava um peso que me fez questionar a maneira como a sociedade valoriza (ou desvaloriza) aqueles que já têm uma longa trajetória.
Etarismo é um preconceito invisível
O episódio me levou a estudar um termo que, até então, pouco fazia parte do meu vocabulário: etarismo. Esse preconceito baseado na idade é sutil, mas omnipresente, especialmente no mercado de trabalho.
Estudos mostram que, globalmente, trabalhadores acima de 45 anos enfrentam desafios crescentes para se manterem competitivos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já classificou o etarismo como um dos maiores preconceitos globais, e ele afeta tanto jovens quanto idosos.
No Brasil, o cenário não é diferente. Dados do IBGE revelam que o desemprego entre pessoas com mais de 50 anos cresce de forma desproporcional, enquanto vagas para pessoas mais jovens parecem surgir com maior frequência. Mas por que isso acontece?
O mito da produtividade jovem
Vivemos em uma cultura que associa inovação e dinamismo à juventude. O mercado, muitas vezes, negligencia as contribuições dos trabalhadores mais velhos, considerando-os menos adaptáveis às novas tecnologias ou menos dispostos a aprender.
Essa percepção é completamente desalinhada com as evidências científicas.
Estudos mostram que trabalhadores mais velhos tendem a ser mais consistentes, têm maior inteligência emocional e contribuem significativamente para a construção de um ambiente de trabalho harmonioso. Eles tendem a dominar as “queridinhas” soft skills de forma mais equilibrada.
Eles também apresentam índices mais baixos de turnover, uma vez que estão menos propensos a trocar de emprego com frequência.
Como o etarismo afeta a felicidade?
O trabalho não é apenas uma fonte de renda; é também um dos pilares da felicidade e do propósito humano. Quando somos excluídos ou subestimados por causa da idade, não estamos apenas perdendo oportunidades de emprego, mas também minando nossa autoestima, nossos laços sociais e nosso senso de contribuição para o mundo.
Estudos recentes mostram ainda que o desemprego em idade avançada está diretamente relacionado a altos níveis de depressão e ansiedade.
Essa desconexão forçada do mercado de trabalho leva muitos a se sentirem irrelevantes e desvalorizados, afetando negativamente sua percepção de felicidade e bem-estar.
Analisando as raízes do preconceito
Por que, então, o etarismo persiste?
Parte da resposta está em como enxergamos o envelhecimento. Em muitas culturas ocidentais, envelhecer é visto como um declínio inevitável. A mídia reforça a ideia de que juventude é sinônimo de beleza, energia e valor.
No mercado de trabalho, isso se traduz em uma busca constante pelo “novo” e uma negligência dos valores que a experiência e a maturidade trazem.
O que não pensamos, mas deveríamos
Agora, convido você a refletir comigo.
Será que quando desvalorizamos os mais velhos no ambiente profissional, não estamos apenas prejudicando uma geração; mas estamos enfraquecendo o ecossistema de aprendizado nas empresas?
Jovens profissionais perdem a oportunidade de aprender com a experiência de seus colegas mais velhos, enquanto as organizações deixam de aproveitar o equilíbrio entre inovação e sabedoria.
Além disso, o etarismo é um problema que todos, inevitavelmente, enfrentaremos. Se hoje somos jovens e ignoramos a discriminação por idade, amanhã seremos as vítimas desse mesmo preconceito. Afinal, ninguém escapa do envelhecimento.
Mas podemos transformar essa realidade.
Resolver o problema do etarismo no mercado de trabalho exige mudanças culturais e estruturais. Aqui estão algumas reflexões e ações que podem ajudar:
Como evitar o etarismo na sua empresa
1. Eduque para valorizar todas as idades
Empresas e gestores precisam compreender que a diversidade etária é uma força, não uma fraqueza. Programas de conscientização sobre o etarismo e políticas de inclusão podem fazer toda a diferença.
2. Promova a intergeracionalidade
Ambientes de trabalho que promovem interações entre diferentes gerações colhem frutos como inovação, aprendizado mútuo e maior engajamento dos funcionários.
3. Reforme o recrutamento
Processos seletivos devem ser baseados em competências e valores, não em estereótipos de idade. Perguntas sobre faixa etária ou pressões para esconder a idade em currículos não deveriam existir.
4. Desafie nossas próprias crenças
Muitas vezes, o preconceito contra a idade é tão internalizado que nem percebemos. É essencial que cada um de nós questione como vemos e tratamos colegas de diferentes gerações.
O etarismo não é apenas um problema individual; é um reflexo de nós, enquanto sociedade, escolhemos valorizar ou descartar as pessoas.
Se chegamos até aqui, gostaria de deixar uma provocação: o que você está fazendo hoje para garantir que o futuro — o seu e o de todos — seja um lugar mais inclusivo?
Envelhecer não é uma fraqueza. É um privilégio. E cada um de nós tem o poder de mudar essa narrativa.
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