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Desista de complicar: valorize a simplicidade
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Precisei muitas e muitas vezes me desgastar para entender que as coisas não são necessariamente fáceis, mas que são simples


Tenho uma única tatuagem, próxima à base do meu pescoço. É uma flor de lótus, com a palavra simplicidade escrita embaixo. Ela foi feita em uma tarde qualquer de setembro de 2012, como um lembrete muito importante: desista de complicar, seja simples.

A importância da simplicidade já tinha surgido na minha vida em um retiro de meditação há anos. Após quatro dias sozinha em um sítio em Lumiar, recebi uma carta da minha professora de meditação, que dizia o seguinte: “Espero que o retiro tenha sido bom. Confie e acredite que a simplicidade trará a paz que você deseja”.

Confesso que quando li aqueles dizeres fiquei um pouco desapontada. Pensei que leria uma revelação ou conselho que me ajudasse a compreender algo que pudesse mudar completamente a minha existência e a forma de estar no mundo. Mas, quando li sua mensagem não encontrei nada disso.

“Simplicidade. Só isso?” – pensei.

A experiência com o jardim

Voltei para o Rio e depois de dois ou três dias já estava de volta à minha rotina de meditação. Era mais um dia de prática. Fechei os olhos, me conectei com a minha respiração e subi.

Subi alto em um tubo lilás e ao chegar “lá em cima”, me deparei com uma porta.

Por mais que estivesse relaxada e com minha mente menos ativada, a danada não se conteve e murmurou: “Uau, o que deve ter atrás dessa porta?”

Mais uma vez, minha mente parecia ansiar por uma revelação.

Fiquei ali por um tempo, com um certo receio em abrir a tal porta. Sentia como se não tivesse preparada. Como se ainda tivesse que viver, aprender, compreender alguma coisa para ser “digna” de adentrar aquele “portal”.

E a mente que deveria continuar quietinha, se pronunciou mais uma vez: “Mas se a porta já apareceu… Entre. Se ela está aí, é por que você já pode entrar”.

E assim o fiz. Rodei a maçaneta dourada e entrei. Estava em um jardim. Um jardim bonito e florido. 

Caminhei por dentro do jardim olhando em volta, procurando alguém ou mais alguma imagem ou informação. Mas nada. Era só o jardim. Um jardim bonito, mas comum. Flores, algumas borboletinhas e céu azul.

Senti uma brisa gostosa batendo no meu rosto e uma sensação de paz. Mas, nada muito além disso.

Fiquei ali mais um tempo, depois abri os olhos e fui pegar as crianças na escola.

Quem sabe, um dia, eu entenderia, pensei. Claro que entenderia. Estava comprometida com meu caminho de autoconhecimento e mais cedo ou mais tarde, compreenderia o que poderia me levar à leveza e tranquilidade que eu gostaria.

Passaram-se muitos anos desde aquele retiro na serra e aquela meditação do jardim.

Por que buscamos frequentemente o caminho mais difícil

Foi uma busca incessante para tentar encontrar o elixir e segredo de uma vida melhor. E ainda hoje, quando estou cansada ou triste, ainda me vejo achando que preciso continuar buscando e procurando algo.

Minha professora ao longo desses anos, com muita paciência e amor, tentou muitas vezes que eu enxergasse o que já estava ali. Ao final de uma aula, lembro dela ter me dito: “A porta que você tanto busca, a porta que você juga como correta não tem uma revelação bombástica, que a fará se dobrar de joelhos diante de Deus, iluminada por um raio de sabedoria e entendimento, como espera.  Lembra daquele jardim? É isso, minha linda. Um simples jardim, sem ninguém ali para falar algo para você”.

A resposta é essa: Simplicidade, paz e harmonia interior, de si para si mesma! Nada de “alguém” para você! Só isso! Um lugar interior, um lindo, simples e tranquilo jardim! Essa é a fórmula da iluminação. Simplicidade. Tudo é o que é! E temos que lidar com o estado natural das coisas, pessoas e eventos. Se estamos diante de um jardim florido no mundo tridimensional, usufruímos. Se estamos diante de um jardim arrasado e pisoteado, o replantamos para que fique bonito outra vez. Cuidamos sempre do jardim que nos rodeia e está do lado de fora, mas principalmente de nosso jardim interior, que está sempre aqui, dentro da gente. Simples e intocado!

Naquela ocasião, mais uma vez ouvi, mas não alcancei profundamente o que ela queria dizer. 

Por muito tempo, quis compreender as pessoas, a mim mesma e os acontecimentos que me rodeavam. Passei inúmeras dias e noites atordoada querendo entender comportamentos, eventos e buscando explicações ou relações de causa e efeito sem fim. 

Questionava tudo que acontecia buscando uma lógica, uma justificativa, tentando entender as leis do karma e da atração. Por que eu havia atraído aquela pessoa, por que estava vivendo aquela situação? Muitas vezes, me massacrava refletindo sobre o que tinha feito de errado para estar vivendo determinada dor. Outras vezes, me envaidecia e elogiava, por acreditar que tinha mandado bem em minha jornada.

Minha necessidade absurda de compreensão me cansava e me afastava do simples e, portanto, do que era leve. Tudo parecia uma saga, um desafio, uma gincana, uma prova. Ansiava por uma vida com mais paz, mas tudo o que fazia era buscar a razão, o sentido, a explicação.

O jardim e o entendimento daquela meditação de alguns anos parecia simples demais para mim, uma pessoa muito mental, analítica e crítica. O caminho da alegria e da paz certamente deveria ser mais difícil e árduo, eu pensava.

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Precisei muitas e muitas vezes me desgastar para entender que as coisas não são necessariamente fáceis, mas que são simples. E o que simples é um estado de alma e pouco tem a ver com as situações ou com o que acontece em nossas vidas. Se acreditarmos que podemos controlar, viveremos tensos. Se tivermos dificuldade de desapegar, deixaremos de fluir. Se não respeitarmos as diferenças, viveremos brigando. Se vivermos cheios de crença e certezas, nos tornaremos inflexíveis. E nada disso traz simplicidade e leveza. 

A simplicidade não faz morada em mentes complexas. Muitas vezes, uma realidade está ali, estampada na nossa frente, com a clareza da realidade, mas para quem busca complicar, o real não é suficiente. Fantasia-se, ilude-se, defende-se, ataca-se, explica-se e busca-se ter razão. Vive-se com uma dificuldade tremenda de ver e aceitar as pessoas como elas são. Com suas virtudes, falhas e idiossincrasias. Querendo o tempo inteiro mudar, moldar, torcer o outro para atender suas expectativas. Vivendo invariavelmente frustrados, por as pessoas não serem como elas gostariam que fossem. Escondendo suas próprias dificuldades e vivendo seus inúmeros personagens. Como é exaustivo, pesado e inútil viver assim.

Imagine se passássemos a vida querendo entender por que o dia amanheceu chuvoso ou por que aquele passarinho piou pela manhã. Seria impossível. Entretanto, muitas vezes, nos comportamos exatamente dessa forma. Querendo entender tudo e todos. Julgando, criticando e analisando absolutamente tudo a nossa volta. Por que alguém não ligou, por que alguém falou isso e não aquilo, por que o emprego desejado está demorando, por que minha mãe se comportou assado, por que meu filho é assim? 

Nunca vamos saber exatamente o porquê das coisas. Mas, podemos perceber e sentir as coisas. E é disso que trata a simplicidade. De ver as coisas como elas são. De aceitar as situações e pessoas. De aceitar o que sentimos. De não encucar com tudo. De sentir a dor quando está doendo. De sentir alegria quando estamos bem. De perceber situações que já terminaram. De compreender ciclos que estão se iniciando. De ver as coisas como elas são. Sem tentar entortá-las, mascará-las, complica-las.

Não precisa ser tão complicado

Pare de analisar e refletir sobre tudo.

Não pense sobre a sua vida. Sinta a sua vida. 

Como ela está? Como estão as suas relações? Se sentir que está tudo bem, é assim que você está. Por outro lado, se sentir-se triste, é assim que está no momento. Não gaste tanto tempo tentando entender. Menos foco em buscar respostas e mais energia em ação. Em fazer algo para você se sentir melhor, resolver o que está ao seu alcance ou deixar ir o que não tem mais jeito.

Lembre-se do jardim. Se ele estiver florido, perfumado e colorido, agradeça e usufrua. Se ele estiver feio e descuidado, cuide, plante, regue. Parece um conselho bobo e simples demais, né? Pois é. 

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ANA PAULA BORGES (@anapaula_borges1) é fundadora da FlowMind, uma instituição que ensina e promove a meditação como ferramenta de autoconsciência. Ela acredita tanto na simplicidade, que entende a respiração, sim, a singela respiração, como um caminho para ela.

Leia todos os textos da coluna de Ana Paula Borges em Vida Simples

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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