Quebrando o silêncio sobre as emoções dos homens
Na busca de manterem uma imagem de força, os homens não se permitem parecer vulneráveis. Isso os torna fracos e incapazes de lidar com as emoções
Na busca de manterem uma imagem de força, os homens não se permitem parecer vulneráveis. O que não percebem é como isso os torna fracos e incapazes de lidar com as emoções
Um vídeo de um lutador de MMA, Paddy Pimblet, ficou famoso nas redes sociais. Ele tinha acabado de vencer uma luta no UFC de Londres. Ainda dentro do ringue, seu discurso foi memorável. Após lembrar de um garoto que foi vítima de câncer cedo demais, dedicou sua vitória também a um amigo que havia cometido suicídio. Na sequência, ele faz um apelo que vale ser transcrito na íntegra:
“Há um estigma neste mundo de que os homens não podem falar. Escute, se você é um homem, tá carregando um peso nos seus ombros e acha que a única maneira de lidar com isso é se matar, por favor, fale com alguém! Fale com qualquer pessoa! As pessoas vão se importar. Eu sei que eu prefiro que um amigo chore no meu ombro do que ir a seu funeral na semana seguinte. Então, por favor, vamos nos livrar desse estigma e, homens, comecem a falar!” (tradução livre)
Os homens falam muito. Os homens falam em muitos espaços, nas empresas, assembleias, tribunais, escritórios, universidades, bares. Os homens falam muito sobre muitos assuntos, como política, futebol, mulheres, trabalho, bebidas. Mas os homens também falam pouco. Os homens falam pouco sobre o que sentem, sobre suas emoções, desafios, dificuldades, fracassos.
Na busca de manterem uma imagem de força não se permitem parecer vulneráveis. O que não percebem é como isso os torna fracos e incapazes de lidar com as emoções. Na busca de parecerem fortes e racionais e se encaixarem no modelo de masculinidade, não percebem como vão se tornando frágeis diante de suas emoções e incapazes de lidar adequadamente com os desafios da vida. Precisamos sair dessa caixa da masculinidade, desse estigma, e começar a falar.
Aprendizados ao longo da vida
Eu venho aprendendo essa lição ao longo da minha vida. Tenho uma personalidade mais introspectiva, sempre gostei de ficar mais na minha, não me expor muito e observar mais do que falar. Então, abraçar o traço da masculinidade hegemônica de não expressar as emoções pareceu fácil com o passar dos anos.
Eu me achava no controle, suprimindo minhas emoções enquanto passava pelos lugares e pelas pessoas aparentando serenidade. Porém, em algum momento, algo ativava um botão dentro de mim e eu não aguentava e perdia a paciência com alguém, era ríspido, rude, às vezes até gritava.
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Eu achava que poderia ir lidando com isso, me tornando mais habilidoso em suprimir e segurar firme para não extravasar nos momentos mais desafiadores. Até que um término de relacionamento e a graduação da faculdade tiraram meu chão, perdi o aparente controle que tinha da vida, me senti à deriva e sucumbi.
A tristeza tomou conta de mim, me fechei ainda mais, a vida perdia as cores. Entrei em depressão. Nunca pensei em de fato me matar, mas contemplava o possível alívio que ela, a morte, talvez me trouxesse.
Com o fim da faculdade e do relacionamento perdi relações que me serviam de apoio e, se não fosse minha família, não sei como teria conseguido atravessar esse momento. Na verdade, preciso fazer justiça, minha mãe é quem foi fundamental. Meu pai não aceitava e não compreendia um homem na minha idade, com as minhas capacidades, estar nessa situação: “levanta a cabeça e vai à luta”.
Mas, minha mãe, apesar de assustada por nunca ter me visto assim, conseguiu me escutar e romper as minhas resistências para buscar ajuda. Fui pela primeira vez a consultórios psicológico e psiquiátrico, aceitei que precisava de ajuda e comecei a falar. Aos poucos fui emergindo da escuridão e apreciando a vida novamente.
É preciso falar sobre emoções
A depressão não voltou a tomar conta de mim, mas falar das minhas emoções ainda é um exercício constante. Eu comecei a falar das minhas experiências pessoais, emoções, dificuldades e percebi como me sinto aliviado depois… Como passei a sentir mais força e confiança em mim.
Sigo praticando essa fala com a minha atual companheira, com alguns amigos, com homens nas rodas do Brotherhood, e buscando expandir para cada vez mais espaços. Convido você a fazer o mesmo. Vivemos em um mundo vulnerável. Somos vulneráveis. Por mais paradoxal que possa parecer, é quando somos capazes de reconhecer e aceitar nossa vulnerabilidade que nos tornamos fortes.
P.S.: Se você está lidando com a depressão ou tendo pensamentos suicidas, fale, busque ajuda. Pode ligar 188 para o CVV – Centro de Valorização da Vida. Se você conhece alguém nessa situação, ofereça ajuda e escute.
LUIZ EDUARDO ALCANTARA (@lendalcantara), atua na área da justiça, é um dos guardiões do Brotherhood Brasil (@brotherhoodbrasil) e um curioso sobre os papéis dos homens na sociedade.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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