Paciência: conheça hábitos para aplicá-la no dia a dia
Descubra que no meio da correria da vida há tempo para tudo, inclusive para lapidar a paz interior e a paciência.
Estou sentada diante de meu interlocutor. Atrás dele há uma parede tomada por uma estante que vai do piso ao teto. Nas prateleiras se amontoam obras de referência em psicologia e psicanálise, filosofia, religião, arte. A estante e os livros chamam a atenção e quase não percebo o que mais há na sala. Até meus olhos serem pegos por quatro fotos penduradas, uma ao lado da outra, na parede oposta. Retratam uma árvore nas diferentes estações do ano, inverno e verão, outono e primavera. Vejo as imagens, penso na passagem vagarosa do tempo e entendo um pouco mais sua importância no exercício da paciência – o tema desta reportagem, que me levou àquele consultório para conversar com Esdras Vasconcellos, professor de psicologia da USP e da PUC-SP e diretor do Instituto Paulista do Estresse.
A paciência, me diz ele, é uma atitude humanista. Ser paciente é entender e aceitar a si mesmo e aos outros, e uma virtude necessária para a vida equilibrada, serena. A definição é poética, envolvente, mas penso em como ser assim nos dias atuais. Questiono como é possível alcançar esse estado de espírito e comportamento, dentro dos padrões que exigem muito e oferecem tão pouco para o bem-estar individual. Dá para ser paciente com a pressão no trabalho? Com o caos dos centros urbanos? Com fila? Com as outras pessoas?
É preciso treino
Claro que dá…. Desde que fique bem entendido que ser paciente é questão de opção e treino. Opção porque decidimos abrir ou não espaço para o que desperta impaciência. Aquele colega de trabalho que é meio devagar para achar um arquivo no computador, ou que raciocina meio segundo mais lento que você, pode, ou não, ser o motivo da sua impaciência – depende de como você reage à maneira de ele ser.
Há pessoas com estrutura de personalidade não reativa e reativa. Há quem não se abale por pouca coisa e disponha de uma grande reserva de paciência dentro delas. Outras são predispostas à reação automática, na base do toma lá, dá cá. “A atitude da mente reativa deixa as pessoas impacientes”, afirma a psicóloga Bel César. Alguém age de maneira que o incomoda, sua resposta imediata é a defesa, o ataque, a irritação. Em suma, a impaciência. O segredo é saber como lidar com o processo reativo.
Falta de reflexão
Pense um pouco num dia típico. Trânsito, caixa de e-mail lotada, reunião e, na agenda, uma lista enorme de atividades a serem cumpridas num mísero espaço de tempo. Esse modo de vida, que exige fazer muito em pouco tempo, é tanto o trampolim para o desenvolvimento profissional como um salto sem redes que pode levar qualquer um ao vácuo da insatisfação interior, ao tremor do estresse, ao abalo das relações com os outros e consigo.
Cerca de 30 anos atrás, o trabalho era hierarquizado, com funções e tarefas bem definidas. Hoje o trabalho é em equipe, com diversos graus de chefia e prazos cada vez mais rigorosos. “Embora o treinamento empresarial ensine a ser combativo, pouco fala da reflexão”, diz Alexandre Santilli, diretor do Lab SSJ, empresa especializada no desenvolvimento de pessoas para o mundo corporativo.
Aquele momento mágico de olhar a situação de fora e tentar ver todos os seus aspectos para encontrar a melhor solução. A falta desse olhar pode gerar ansiedade, tomadas de decisão meio “tortas”, irritação e impaciência – com o chefe, os colegas e até com a moça que serve o café.
Nas aulas do professor Antônio Sauaia, que leciona a disciplina Modelos de Negociação na Faculdade de Economia e Administração da USP, equipes distintas competem entre si para resolverem problemas cabeludos que enfrentariam no dia a dia. “ Nem sempre os melhores alunos são os mais velhos e experientes. Alguns trazem consigo a ansiedade e acabam não observando os demais da equipe. Já os menos experientes às vezes se dão melhor, porque combinam menor conhecimento com paciência e trabalho em equipe.”
Ritmo próprio
Claro que, se a pressão fosse menor, a vida seria mais fácil. Só que, com esse formato de “mais com menos”, é quase impensável parar para refletir, observar o furacão de fora. Mas não é impossível viver assim. “É preciso desenvolver a noção do tempo de resposta, entender como ele funciona nas pessoas e ter disponibilidade para compreender o que há por trás de cada um”, diz Alexandre Santilli.
Preste atenção, porque o empresário acaba de apresentar um horizonte humanista. A relação com o outro (em qualquer nível) requer uma atitude que demanda paciência: o esforço de nos colocarmos no seu lugar para compreender o que se passa com ele e seu tempo de reação. E essa exigência de paciência também é com você, porque não é fácil desligar a chave geral da correria para viver um momento humanista.
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Autoviolência
Aqui damos mais uma volta no parafuso que sustenta a dobradinha “escolha e treino”, abordada parágrafos atrás. O desenvolvimento da paciência começa com você olhando para o umbigo, mergulhando em si próprio para tentar entender o que o deixa impaciente, o que aquela pessoa (ou situação) tem ou faz que abala a sua tranquilidade. Quem sabe a resposta surpreenda: talvez não seja ela o problema.
Quem sabe é você, com o pavio no toco da vela, que não consegue administrar seu nível de irritação.
“A paciência está ligada ao tempo e ao ritmo de cada um. As pessoas devem prestar atenção, porque em geral passam por muitas coisas sem enxergá-las”, afirma a psicóloga Neusa Sauaia, que atende executivos acostumados a reclamar da impaciência, da pressão e da falta de tempo, entre outras lamúrias. A esses estressados, a terapeuta mostra que impaciência é uma forma de autoviolência, porque eles não se ouvem para saberem o que querem, do que gostam. “Eu os aconselho a criar um mecanismo que lhes permita terem tempo só para si. Como se tirassem férias de cinco minutos ou meia hora todos os dias.”
Tudo tem limite
Nessas “férias” vapt-vupt, cria-se espaço para a observação, para um alargamento do olhar que vai além do que se vê no exterior. O olhar desperta para a contemplação e o auto-entendimento. “Essa compreensão mostra que, se tenho clareza da minha posição na minha vida e na minha verdade, não preciso ser reativo às situações”, explica Bel Cesar. Assim, a pessoa não-reativa estabelece um vínculo constante no exercício do autoconhecimento, criando uma relação de harmonia interna que se dissemina na convivência com os outros.
O treino da paciência requer saber lidar com as adversidades sem precisar engolir sapos. Milton Paulo de Lacerda, psicólogo e autor de livros sobre a paciência, afirma que nesse tipo de situação vale explorar o conceito de assertividade.
“Deve-se ter uma atitude positiva diante dos valores que não queremos que se percam para não fazermos papel de bobo.” Assertividade, define ele, é um misto de firmeza (garra, energia) e de educação, porque para ser firme não é preciso ser estúpido. Concordar com tudo é submissão e covardia. Mas “soltar os cachorros” por qualquer coisa é agressividade inútil.
Paciência de construção
A questão, então, é escolher a melhor resolução – mesmo que seja optar pelo silêncio e a inação. “Há situações sobre as quais não temos como ir contra, como um chefe centralizador e autoritário, e a saída é aceitar sem sofrer”, diz Sigmar Malvezzi, professor do Instituto de Psicologia da USP.
Se houver sofrimento, não é mais paciência e sim submissão. Nesse caso, a solução pode vir da paciência de construção, como define a antropóloga Eliane Gouveia, professora da CADPUC-SP. “Prestar atenção nas oportunidades a médio e longo prazo no trabalho, por exemplo, é ser paciente e construtivo. A pessoa se prepara enquanto aguarda a oportunidade certa para mudar”, afirma.
Se você sabe que não pode transformar o jeito do seu chefe ou de um colega, e não consegue ou não quer mais conviver com isso, prepare o terreno: cave uma transferência, faça um curso que o capacite a ir para outro setor ou empresa. Enfim, exercite o limite da paciência e o aprendizado de entender que existem alternativas.
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Admita sua culpa
Na prática, nem tudo é tão azul como o quadro apresentado pela antropóloga. Filas, trânsito e mau atendimento. Como ser paciente com eles? Treino parece ser uma unanimidade entre os especialistas. “No banco, o que irrita é não saber quanto tempo vai demorar o atendimento”, afirma o psicólogo e pesquisador da Universidade de Brasília, Fabio Iglesias, que passou horas em filas de banco para entender por que as pessoas não reclamam quando alguém passa na frente delas.
A falta de informação, segundo ele, é o que mais incomoda. “O sistema tem que justificar a demora ou pelo menos se desculpar pelo atraso”, diz Iglesias, mesmo sabendo que não é isso o que acontece.
Sobre o trânsito, sejamos honestos: não dá para culpar só o governo pela falta de obras e transporte público de qualidade. Padecemos de uma individualidade teimosa que insiste em nos levar para trabalhar sozinhos no carro, quando poderíamos nos esforçar e sair do pedestal da comodidade para combinar caronas.
Reclamamos, mas não movemos uma palha para melhorar a situação – seja indo de carona, seja cobrando eficiência do poder público. No sufoco diário sobre rodas, a alternativa é aprender a exercitar a paciência nas muitas horas gastas em deslocamentos pela cidade ouvindo boa música, tentando esvaziar a mente ou até escutando um audiolivro.
Entrega ao tempo
Por falar em contabilizar as horas, o tempo é elemento de peso no aprendizado da paciência. Mas não o tempo que corre no relógio. O tempo para a vida acontecer é outro. Trata-se do tempo natural, que rege o funcionamento da Terra, do universo. “Um pé de alface não nasce de um dia para o outro. As pessoas precisam observar mais a natureza e aprender com ela”, diz Neusa Sauaia.
Parece uma visão Poliana demais? Nem tanto, quando lembramos que o estoicismo já pregava, na Grécia antiga, um tipo de dolce far niente baseado no fato de que existem situações na vida que não são de propriedade e tampouco de controle dos reles mortais.
“O homem estóico aceita o que está e o que não está ao seu alcance mudar. O que não pode ser mudado não é trágico, porque faz parte de uma harmonia racional, que é obra da divina providência”, explica Maurício Pagotto Marsola, professor de filosofia da Universidade Federal de São Paulo.
“É preciso ler os sinais que a vida traz. É mais ou menos como ‘entregar para Deus’, como se costuma dizer, mas sem conotação religiosa”, afirma Neusa Sauaia. Alexandre Santilli corrobora: “Se as pessoas fossem mais espiritualizadas, teriam valores mais humanistas. De certo modo, o distanciamento da religião fez o indivíduo perder referências que poderiam ajudá-lo a ter mais discernimento em vários aspectos”.
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Ouvir o outro
Essa espiritualidade não é ir à igreja aos domingos para lapidar a paciência. Aqui, implica buscar mecanismos que nos aproximem mais de nós, afinando a nossa compreensão dos outros e a confiança de que tudo tem seu tempo certo. Como praticar a espiritualidade? Desde ir ao templo de sua preferência (se isso for do agrado), meditar, adotar um estilo de vida baseado na filosofia da ioga ou métodos menos ortodoxos, como caminhar, praticar esportes, fazer artesanato, terapia – ou qualquer outra coisa que estabeleça essa conexão. Não importa o caminho, e sim chegar a um estado de espírito sereno.
O ganho de usar essa nova vestimenta também melhora, e muito, a relação interpessoal. A mente tranquila tem mais espaço para realmente ouvir o outro – uma faceta de amorosidade que vem perdendo valor. Há pouca disposição em ouvir. “A sociedade padece da arrogância egóica e as pessoas só têm ouvidos para a própria voz. Fica difícil ouvir o outro e também o que ele tem a dizer sobre nós”, diz o psiquiatra Lucio Ribeiro Rodrigues. O problema, arremata o psicólogo Esdras Vasconcellos, está em nossa fé cega nas coisas rápidas, na cultura da automação e da velocidade. “Esperar pelo outro completar um pensamento está deixando de ser natural”, diz.
É preciso estar disponível, de fato, para o outro. Entender o que ele precisa. Às vezes ele nem solicita muito. Quer desabafar, contar uma história, jogar conversa fora. Só que as pessoas andam tão impacientes que nem a isso se dispõem. Porém sempre é tempo (ele de novo!) de mudar, experimentar algo diferente: como aprender a ser paciente e perceber a vida acontecendo.
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