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O poder da alegria
Leo Rivas
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As tardes de sábado eram ansiosamente esperadas pela pequena Meiry Ito. De vestidinho rosa, ela e as irmãs, Marilda, Márcia, Miltes, Miriam, Marta e Marly, de mãos dadas com o caçula, Milton, seguiam os passos rápidos do pai rumo ao galpão onde eram projetados filmes para os plantadores de chá e comerciantes de Registro, cidadezinha do interior de São Paulo às margens do Rio Ribeira de Iguape. Feliz, acomodava-se na palha macia destinada às crianças enquanto a mãe distribuía para os filhos os motis, bolinhos de arroz, retirados com cuidado da furoshiki, a trouxa multicolorida de pano usada pelos descendentes de japoneses da região. Era um instante de sublime contentamento. “Não tínhamos nada, nada, nada, mas a alegria daquele momento é inesquecível”, lembra ela, que completou 84 anos em fevereiro.

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Naquele cinema improvisado, a fita de celulóide do filme rompia-se constantemente e só era possível sentar onde as goteiras do teto não pingavam. Mas Meiry experimentava ali uma plenitude: estarem todos juntos na expectativa do filme, comer as delícias preparadas pela mãe e ser invadida pelo sabor do que era especial e único durante toda a semana proporcionavam um prazer indizível para ela. Até hoje, ao lembrar dessa cena, seus olhos brilham e seu rosto se abre num largo sorriso. Por alguns momentos, ela tem novamente 8 anos de idade. 

Quem de nós não tem na memória momentos de infinita alegria na infância? Temos uma predisposição natural para sermos alegres nesse período. Nossas lembranças de momentos felizes são tão abundantes e plenas, nos primeiros anos de vida, que é fácil identificar numerosas imagens que a traduzem: mergulhar na onda para pegar jacaré, pular corda, balançar, brincar de pique, viajar… Com a idade, porém, os bons momentos costumam escassear. E são cada vez mais intercalados por emoções como tristeza, desencanto, amargura. Mas o que será que temos de tão precioso quando crianças que perdemos durante a vida? 

A primeira resposta: vitalidade. “O contrário da alegria não é a tristeza. É a falta de energia vital”, afirma categoricamente o pensador e professor gaúcho Mário Sergio Cortela em suas palestras. É muito importante destacar essa diferença. Quando se está pleno de vigor e disposição, é impossível ficar triste e deprimido por muito tempo. Pode ser até que sejamos atingidos pela melancolia, mas a recuperação é rápida. Porque a alegria está ligada ao prazer de estar vivo. Vida e alegria podem ser interpretados como sinônimos.

Portanto, o contentamento tem uma base biológica, vital, e está muito ligado ao corpo. Alguns estados de depressão estão relacionados à má alimentação e à falta de exercícios, que ativem a energia vital. Então, para reviver a alegria de uma criança, é preciso recobrar o potencial energético que temos na infância, pelo menos em parte (caminhadas, exercícios físicos e principalmente artes marciais, além de sucos energéticos, vitaminas e suplementos são muito bons para começar). 

Ainda dentro do campo da biologia, temos de entender que os estados emocionais positivos, como a alegria, a gratidão e a compaixão, criam um padrão neuronal positivo. Em outras palavras, quanto mais alegre você for, mais fácil será sentir alegria. Isso porque o cérebro, com a repetição dos mesmos estados emocionais, formará um padrão, uma reação que se repetirá até formar uma característica da personalidade. “As características emocionais têm um efeito condicionante na forma como as pessoas olham as experiências cotidianas e reagem a elas. Alguém predisposto ao medo ou à depressão, por exemplo, tem mais chances de encarar situações com um senso de temor, enquanto alguém predisposto à confiança encarará a mesma situação com mais equilíbrio e segurança”, escreveu o monge tibetano Mingyur Rinpoche em A Alegria de Viver (Elsevier), um livro precioso que pode ser baixado gratuitamente. 

Ele tem razão. Conheci Mingyur de perto (ele jantou em casa…), e sua alegria é realmente contagiante: ri com uma cascata de hahahas cristalinos, assim como subitamente fica sério e atento se o assunto exige. Enfim, uma pessoa alegre não é necessariamente um bobo alegre, como alguns podem supor, mas alguém capaz de entrar em contato com suas emoções e expressá-las com gentileza e intensidade.

Mingyur atribui essa capacidade de ser feliz (ele foi capa de revista como o homem mais feliz do mundo) à prática da meditação. Esse monge extraordinário foi tão estudado por cientistas que não tem a menor dificuldade de usar o linguajar deles para falar do assunto. “Emoções como medo, repulsa e aversão aparecem em parte como uma ativação intensificada dos neurônios no lóbulo frontal direito, a região do neocórtex, localizada na parte da frente e do lado direito do cérebro. Enquanto isso, emoções como alegria, amor, compaixão e confiança podem ser mensuradas em termos de uma atividade relativamente maior nos neurônios do lóbulo frontal esquerdo”, explica.

E a meditação (seja ela de origem budista, hinduísta ou cristã) estimula o lobo cerebral esquerdo, ligado à alegria, à paz e à felicidade. E eu acrescentaria a oração (do rosário, principalmente) como uma forma de meditação e contemplação poderosa. Além da conexão que ela proporciona com outros planos espirituais, para quem acredita nisso. 

Portanto, assim como para ser mais alegre é importante recuperar a vitalidade física, também é essencial obter equilíbrio emocional resultante de uma prática contemplativa. “O bem-estar é uma habilidade que pode ser treinada”, disse o Dalai Lama ao cientista Richard Davidson, diretor do Center for Healthy Minds, que estuda a meditação na psique humana. Dá para dizer da mesma maneira que a alegria é uma qualidade que pode ser exercitada e fortalecida. 

É melhor ser alegre que ser triste / a alegria é a melhor coisa que existe / é assim como uma luz no coração.” Assim, dessa forma despretensiosa, o poeta Vinicius de Moraes nos dá uma completa definição possível de alegria: ela é uma luz no coração. Tem algo mais preciso do que isso? Ela ilumina e aquece a alma. Mas Vinicius vai além. O poeta nos deixa entrever algo que costumamos esquecer. Ele sugere que esse sentimento pode decorrer de uma decisão, de uma postura interna: é melhor ser alegre do que ser triste. Ou seja, temos uma escolha. Abrir nosso coração para a alegria, portanto, pode advir de uma opção consciente. É o que vamos ver em seguida. 

Coração novo 

Temos três alternativas básicas na maneira de olhar a vida: ou a consideramos plena, benfazeja e cheia de sentido, ou a vemos como triste e traiçoeira, ou a encaramos como uma mistura agridoce das duas coisas. As três maneiras têm o seu momento justo, mas aquela que nos aproxima mais do jeito de ser de uma criança é olhar para o mundo com um coração novo em folha.

E o que quer dizer isso exatamente? É se colocar em estado de descoberta por tudo o que acontece. Jesus dizia que para entrar no reino dos céus é preciso ser como uma criancinha, isto é, retornar a um estado de pureza, de leveza, de inocência. Você já reparou que quando está alegre é capaz de rir de qualquer bobagem? Então, é preciso redescobrir o encantamento do que nos cerca. E isso depende de uma escolha. 

Para exercitar essa nova possibilidade, é possível começar com algo simples, como, por exemplo, deter sua atenção nos processos da natureza, como deitar no gramado e observar as formiguinhas. Procurar um arco-íris no céu depois da chuva. Contemplar os reflexos das manchas de óleo no asfalto.

Toda vez que disser para si mesmo: “Que incrível! Que coisa fantástica!”, você estará mais próximo do deslumbramento que a alegria provoca no coração. E esse encantamento pode acontecer em qualquer condição. Há pessoas que passam por desafios dificílimos, que têm a vida cheia de obstáculos e que mesmo assim são alegres. Claro, também choram, também ficam tristes quando é o caso, mas na maior parte do tempo conseguem manter um sorriso no rosto.

“Morei na Jamaica. Apesar da realidade dura do povo, sua música é vibrante e cheia de vida. É comum ver alguém rindo à toa na rua. Vemos também isso no Brasil, na Índia, no Senegal, e em outros países mais pobres, enquanto a tristeza e a depressão invadem países mais civilizados e frios”, diz Simone Vilhena, que acompanhou o marido empresário em vários países do mundo. “Não quero afirmar exatamente que o pobre é feliz e o que o rico é triste. Isso não é verdade. Quero dizer apenas que a alegria não depende tanto do mundo externo, mas sim do mundo interno, e da leitura que cada um faz do que acontece.” 

Isso mesmo. O que torna a alegria tão especial é que ela pode florescer em qualquer terreno, mesmo o mais desfavorável. É diferente da felicidade, que depende bastante de circunstâncias benéficas. O publicitário Antonio Soares atesta essa verdade. Depois de um relacionamento amoroso infeliz, e no meio de uma depressão, ele finalmente tomou coragem e convidou uma moça do seu grupo budista para sair.

O que o encantou particularmente foi o sorriso dela, sua leveza. “De repente, ao cruzar a Avenida Paulista, nos demos as mãos. O toque, o calor, a intimidade desse pequeno gesto foram como um raio que atingiu meu coração e que me transportou instantaneamente para outro mundo, onde tudo estava certo, onde eu não precisava de mais nada, e que não hesitaria em chamar de Paraíso. Até hoje guardo a lembrança daquele momento. E sempre que o relembro meu coração se aquece e sorri de alegria.” 

Também é o que acontece com Aurélie Bredin, personagem principal do encantador livro O Sorriso das Mulheres (Record). Afundada em lágrimas diante do bilhete de adeus do namorado, ela sai sem rumo pelas ruas de Paris debaixo da chuva até chegar a uma livraria onde encontra um livro que imediatamente lhe devolve a alegria, e que mudaria toda a sua vida. Romancinhos água com açúcar e envolventes também são capazes de nos devolver a leveza e a esperança mesmo num dia triste

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Alegria x felicidade 

Aqui chegamos a um ponto importante. “A pesquisa me ensinou que felicidade e alegria são experiências diferentes”, nos diz a pesquisadora Brené Brown em A Arte da Imperfeição (Novo Conceito). Brené afirma que, para seus entrevistados, a felicidade está ligada às circunstâncias, enquanto a alegria está relacionada ao espírito e à gratidão de estarmos vivos. “As duas experiências vão e vem. Ninguém é feliz ou alegre o tempo todo. Porém ambas são importantes para nós.”

Mas há uma distância entre os dois sentimentos. Brené cita outra autora, Anne Robertson, que, em seus estudos feitos junto com a Sociedade Bíblica de Massachusetts, estabeleceu essa diferença. Anne diz que makarios, uma das palavras gregas usadas para felicidade, era empregada para descrever a despreocupação dos ricos, cumulados pela prosperidade, saúde e boa fortuna.

Já a palavra chairo, usada para a alegria, significava o “apogeu do ser”. Para os gregos, chairo só poderia ser encontrado no plano divino, ou no exercício da virtude, e na expressão da sabedoria. Era alguma coisa a ser conquistada e que sinalizava o clímax de uma existência. Talvez esse algo inefável pudesse ser traduzido como júbilo, uma forma elevada de alegria, sentimento que surge quando o espírito está ligado a um nível espiritual superior. É um degrau acima da satisfação e do prazer mundanos, e talvez mesmo do contentamento comum

Os filósofos gregos da Antiguidade também afirmavam que o que nos dá essa alegria mais perene é o mundo das virtudes, o universo do ser, uma afirmação bem distante da nossa realidade de consumidores, em que o ter e o ostentar é o que importa. Mas pense bem se eles não têm razão: uma visão mais espiritual e menos ambiciosa da existência, além de mais tranquilidade, simplicidade, generosidade e compaixão certamente nos deixam mais relaxados por mais tempo. E mais felizes. Já a alegria efêmera nascida do ter, se consome rapidamente. Para a pesquisadora americana Brené Brown, algumas condições nos impedem de ser mais alegres. É interessante, e nos ajuda muito saber quais são elas. Vamos ver no próximo bloco. 

Medo, escassez e incerteza 

Você já ouviu a frase “é melhor não ficar alegre agora para não me decepcionar depois”? Ou “não vou ficar muito alegre porque não sei se vai durar”? Bom, elas traduzem o “medo de ser feliz” e impedem a expressão plena do amor, indicam o medo da perda e apenas atrapalham a vida. Não as empregue mais. Pense que é merecedor de eventos felizes e apenas seja grato pela abundância em que ocorrem em sua vida. 

Outro obstáculo, segundo Brené, é a sensação de escassez crônica. Ela é bem explícita nas palavras de Lynne Twist no livro A Alma do Dinheiro: “Para mim e para muitos de nós, nosso primeiro pensamento do dia é ‘não dormi o bastante’. O próximo é ‘não tenho tempo o bastante ” ‘. Verdadeiro ou não, o pensamento de ‘não o bastante’ nos ocorre automaticamente antes que possamos questioná-lo ou examiná-lo. Assim, passamos a maior parte das horas e dos dias de nossa vida ouvindo, explicando, reclamando ou nos preocupando porque ‘não temos o bastante de’.

Não somos magros o bastante, não somos bonitos o bastante, não somos ricos o bastante, enfim a lista é longa e traduz um sentimento crônico de escassez. “Antes mesmo de nos sentarmos na cama, antes mesmo que nossos pés toquem o chão, nos sentimos insuficientes, já ficamos para trás, já nos falta alguma coisa”, diz Lynne. “E, quando vamos para a cama, a cabeça remói uma ladainha de coisas que não conseguimos, ou que não fizemos naquele dia. Vamos dormir oprimidos por esses pensamentos e acordamos em devaneios de carência.” 

Ora, quem pode ser alegre assim? Gratidão e reconhecimento pelo que já temos e uma atitude mental de suficiência ajudam muito a esvaziar essa sensação. A escritora e líder Marianne Williamson escreveu: “Alegria é o que nos acontece quando nos permitimos reconhecer como as coisas são realmente boas”. Outro impedimento é, acredite, o nosso desejo de manter uma imagem construída perante nossos pares. Isso consome uma energia enorme. E nos tira a espontaneidade e a alegria, principalmente quando queremos aparentar ser cool (descolados) e manter um olhar blasé (entediado) para a vida. Desfazermo-nos de modelos copiados da mídia ou de quem admiramos também ajuda. 

O último obstáculo é a nossa eterna ânsia de certezas. Só posso ser alegre se o relacionamento der certo mesmo. Só posso ser feliz se ele provar sua lealdade até o fim. Gente, pelo amor de Deus, a vida é incerta, e ninguém tem garantia de nada. Damos um voto de confiança, não perdemos a alegria, e, se nos enganamos, nos enganamos e pronto. A frustração e a desilusão vêm no pacote. Não dá para evitar. Agora você sabe alguns dos segredos que podem trazer mais alegria à sua vida. Talvez fosse bom ler de novo o texto, ou anotar o que for importante. Espero que essas sugestões possam torná-lo mais relaxado, alegre e feliz, como aconteceu comigo.

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