“Dá para ir mais devagar?”
Costumamos ouvir essa pergunta de pessoas ao nosso redor em diferentes momentos, seja quando estamos caminhando com pressa, pilotando acima da velocidade em uma avenida ou ainda quando nos enchemos de tarefas ao longo das semanas para abarcar uma rotina de trabalho que não é saudável. Certamente, diminuir o ritmo, fazer pausas e encontrar a si mesmo no meio de um turbilhão de emoções é uma tarefa que pode ser complexa em alguns momentos, mas é essa a mensagem que o movimento slow busca amplificar na sociedade.
Ainda em 1986, quando não imaginávamos um mudo hiperconectado, Carlos Petrini protagonizou uma série de intervenções em Roma contra o crescimento de estabelecimentos na área de fast food. Batizado de slow food, a iniciativa propunha uma melhor relação com o alimento que chega até nossa mesa, desde a apreciação do prato até a valorização do preparo, dos produtos e dos produtores.
Logo o conceito extrapolou para diferentes setores e se aglutinou no que ficou conhecido como “slow moviment“, uma abordagem que não se resume a diminuir as tarefas do dia e fazê-las com mais lentidão, mas sim direcionar nossas energias para atividades que nos façam bem e tenham significado. “Desacelerar não diz respeito, necessariamente, a ser devagar. É sentir o que se está fazendo, com convivência afetiva, atenção plena e consciência temporal“, é o que resume o movimento Desacelera SP em seu site.
Um mundo cada vez mais acelerado
Trilhar um caminho que esteja em harmonia com os nossos sonhos e objetivos é um passo importante para que os princípios do movimento slow façam parte do nosso cotidiano. Para a terapeuta e escritora Myriam Filippi, entender essas questões foram difíceis no início, mas fundamentais para a jornada de autoconhecimento que ela se propôs a percorrer. “Eu acho que nunca me enquadrei nesse sistema, sabe? Nesse sistema ‘matrix’. Eu até tentei fazer parte disso, mas eu adoecia muito, o meu físico e também meu emocional“, explica.
A chave virou ao fim da sua graduação em jornalismo, quando produziu o livro-reportagem “Homem, um universo desconhecido?”. Para Myriam, mergulhar em temas relacionados ao autoconhecimento foram essenciais para que ela se compreendesse no mundo e entendesse as suas particularidades. “Eu comecei a perceber que existiam outros caminhos, que existiam outras vertentes”, explica a escritora. A partir daí, a relação entre sua vida pessoal e o movimento slow passaram a ser cada vez mais próximas.
“A gente não aproveita o momento presente e, quando você começa a se reconectar com você e perceber que você está em estado de presença, isso tudo começa a fazer parte de você, esse movimento todo. Você começa a respirar mais devagar, comer mais devagar, você começa a ter tempo, é incrível”, comenta Myriam.
Apesar dos esforços, estar em sintonia com suas emoções é um desafio em um mundo onde as notícias circulam 24h sem intervalo, onde podemos nos comunicar a qualquer momento do dia e as redes sociais ganharam um papel significativo no cotidiano das pessoas, contribuindo para um ritmo ainda mais frenético. Para o psiquiatra Nelio Tombini, “estamos desconectados de quem somos e do que sentimos. E, desta forma, seguiremos a seguir a manada, os grupos, estamos perdendo a capacidade de nos observarmos, nos avaliarmos a nós mesmo e aos outros.”
Jornada de autoconhecimento
Não há fórmulas para a vida, seja na busca pela felicidade, na conquista da pessoa que estamos interessados ou na educação dos filhos. É claro, há diversos livros, pesquisadores, valores e ideias que podemos adotar de acordo com as particularidades, objetivos e interesses, mas receita, um passo a passo, isso não existe. Se o processo de desacelerar e estar em sintonia com o movimento slow fosse simples assim, certamente teríamos mais adeptos.
De 1986 – quando surgiu o slow food – para hoje, muita coisa mudou, os interesses pessoais, as tecnologias de comunicação, a carga horária de trabalho e as decisões políticas. Mas, para Nelio Tombini, um dos pontos principais é estarmos dispostos a viver uma vida com maior sintonia e com o propósito que escolhemos seguir, “muitas pessoas agem impulsivamente sem elaborar no seu imaginário no seu pensamento o que está acontecendo sem cuidar das suas emoções“, comenta.
Por isso, a primeira tarefa que temos é elaborar um plano de como podemos sair do piloto automático que a vida nos colocou a nossa frente. Não é possível que a vida seja uma junção de atividades que se resuma a acordar – ir para o trabalho – pagar contas ao final do mês e assim por diante em um círculo vicioso que parece ser difícil de interromper.
Myriam orienta que é fundamental buscarmos um olhar que para dentro, uma espécie de despertar para as atividades, interesses e atitudes que nos enriquecem espiritualmente. “É olhar para o que não funciona mais para você, para o que te adoece, olhar para o que nutre a sua alma, para o que te faz feliz“, explica.
Nelio mostra que frequentemente estamos com esse olhar mal direcionado, viciados em padrões sociais, estilos de vida das redes virtuais e uma busca superficial por prazer a fim de, momentaneamente, aliviar nossos vazios e ansiedades. “A gente repete padrões como se fôssemos um programa de computador, que quando ligamos a tela aparece sempre a mesma coisa. Então isso é algo que já está impregnado no nosso imaginário”, justifica.
VOCÊ PODE GOSTAR
Poder e potência
Para o psiquiatra, costumamos passar por alguns deslizes na vida ao buscar uma plenitude no poder, no reconhecimento e prestígio social, que, claro, são importantes em certa medida, mas sua efemeridade instiga uma procura constante nesse sentido. Ao invés dessa direção, o médico sugere que busquemos encontrar a nossa potência e fazer dela um motor para o mergulho no autoconhecimento. “Potência é algo que está dentro de nós que nós adquirimos, que conquistamos através da leitura, da cultura, da educação, de amigos, afetos, nós nos fortalecemos internamente e isso é que a gente nunca perde na vida: a potência“, lembra.
Por isso, buscar um ponto de alinhamento entre o corpo físico, mental, energético e espiritual é uma tarefa complexa, mas sem dúvidas enriquecedora para uma vida em desaceleração. Adotar o movimento slow é questionar a si mesmo sobre as coisas a sua volta, se o seu guarda-roupa não está cheio com coisas que não te servem mais ou se a sua lista de compromissos não está extrapolando o próprio limite humano.
Abandonar as expectativas dos outros e focar naquilo que lhe fazia bem foi um dos primeiros passos que a atriz Sandra Bullock tomou após uma crise de burnout. “Estou muito cansada e completamente incapaz de tomar decisões saudáveis e sábias, e tenho consciência disso”, explicou na época em uma entrevista.
Por isso, exercícios de autoconhecimento, momentos de reflexão a sós e atividades terapêuticas são essenciais para que o movimento slow adentre em nossa vida. Em O que fazer quando a vida perde sentido? (Viseu), Myriam Filippi propõe que cada pessoa encontre o caminho que melhor traga conforto e sensação de tarefa cumprida ao fim das atividades que propõe no livro. “Precisamos dizer mais sim para o que nos faz feliz, para o que nos nutre a alma, e dizer mais não para aquilo que nos adoece, nos distanciam de nós mesmos“, explica.
O psiquiatra Nelio Tombini mostra que há algumas atividades simples que podemos adotar ao longo da vida, ter mais intimidade com nossas emoções, através de psicoterapia ou psicanálise, ler livros, assistir filmes e séries que instiguem a reflexão, estar ao lado das pessoas que amamos e sermos verdadeiros com elas. Buscar uma prática esportiva e manter relações afetuosas também são atitudes bem-vindas.
Conheça as vertentes do movimento slow
Ao longo das décadas, o movimento slow se tornou uma prática difundida em diferentes áreas da sociedade. Além do slow food, já citado no texto, também temos o slow fashion, slow travel e até mesmo o slow jornalismo, algo que tentamos fazer por aqui, uma iniciativa que propõe uma produção de conteúdo com maior aprofundamento e respeitando os tempos de pesquisa, estudo, entrevistas e produção do texto. Abaixo, reunimos algumas ideias que podem acrescentar no seu repertório.
1. Slow Content
Como quem prepara um almoço de domingo, sabendo que não é sobre o horário que a comida estará na mesa e sim sobre sua felicidade em prepará-la e a oportunidade de oferecê-la às pessoas que se reúnem ao redor dela. Fazer slow content é fazer no seu tempo e apenas garantir que o que você produz está alinhado com o que você quer realmente ser e oferecer. Importa menos a velocidade e mais a direção.
2. Slow Travel
Há tantos países, lugares, cidades e povoados que, nem se tivéssemos outra vida teríamos tempo de conhecê-las em sua totalidade. E é pensando nesse ritmo frenético que tocamos nossas vidas – e também viagens – que surgiu o movimento slow travel, ou turismo sem pressa, um conceito que surgiu do Movimento Slow, criado para repensar a maneira como nos organizamos no dia a dia.
3. Slow Fashion
A moda faz parte da humanidade há milênios e vem se transformando até aqui com suas cores, estilos e tendências. Mas, em um mundo com tantas pessoas e com uma produção cada vez mais acelerada, o setor é considerado um dos mais poluentes e com menor possibilidade de reciclagem. Ainda assim, é possível que a moda e a sustentabilidade caminhem juntas? É o que o movimento slow fashion propõe.
De acordo com o Slow Medicine Internacional, slow medicine é um movimento criado em 2011, em Turim, na Itália, por Giorgio Bert e Andrea Gardini. O movimento propõe três pilares para a prática médica: medicina medida, respeitosa e equitativa. Uma das propostas do movimento slow medicine é dedicar tempo ao paciente e desenvolver uma conexão com ele, evitando o uso indiscriminado de medicamentos e exames e privilegiando mudanças de hábitos.
5. Slow Living
O termo vem do inglês e pode ser traduzido como “vida lenta’. A ideia principal do slow living é conhecer o seu próprio tempo e aprender a administrá-lo segundo os seus princípios. Isto, sem necessariamente obedecer às pressões externas por decisões rápidas.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login