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Moda e sustentabilidade caminham juntas? Conheça o slow fashion
Kitti Incédi
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Se a primeira coisa que vem a sua cabeça quando pensa em comprar roupas são as grandes lojas de fast fashion (aquelas que trocam de coleção a cada estação), talvez a moda realmente não caminhe no mesmo sentido que a sustentabilidade. A preocupação ecológica de preservação da natureza é necessária e urgente. Por isso, para dar uma resposta positiva à pergunta do título deste texto, precisamos pensar em outras formas de vestir: brechós, pequenas marcas e produtores locais com uma pegada slow fashion.

A questão é que não há apenas um jeito de fazer moda e produzir roupas. Existe uma enorme diversidade no mercado e parte dela se baseia nos princípios ecológicos de produção e consumo. É importante sabermos, então, de qual fornecedor estamos comprando nossas roupas, calçados e nos perguntarmos:

  • De onde veio a calça jeans que uso para o trabalho ou o vestido que comprei para ir ao casamento de uma amiga?
  • Será que a empresa respeita o ciclo de criatividade dos estilistas e apoia ações de preservação ambiental?

Esses questionamentos e muitos outros são feitos pelo slow fashion, um movimento existente no mundo todo que incentiva o consumo consciente e instiga a indústria da moda a reduzir o ritmo de produção e, aos poucos, abandonar o fast fashion como a principal lógica de criação, confecção e distribuição. Se esses termos são um pouco confusos para você, não se preocupe. Vamos explicá-los a seguir.

A moda reflete o nosso comportamento

O slow fashion (moda lenta, na tradução literal) é um termo recente, mas que atingiu uma grande potencialidade com muita rapidez nas universidades e espaços de reflexão sobre o mundo da moda. O conceito se contrapõe ao velho conhecido fast fashion (moda rápida, em inglês) e apareceu pela primeira vez no ano de 2004, pela escritora de moda Angela Murrills na revista inglesa Georgia Straight, a partir da inspiração no movimento “slow food”, surgido na Itália.

Como princípios, o slow fashion promove a valorização dos recursos locais, incentiva a produção de roupas sustentáveis, cooperativas de trabalho, brechós, além de estratégias para prolongarmos o tempo de vida útil das roupas.

Mas nem tudo é tão simples, a moda reflete o comportamento de uma sociedade e mudar a lógica de consumo é uma tarefa difícil, mas nada impossível. “Como esperar que a moda lenta (slow fashion) se sobressaia à moda rápida (fast fashion), se nós mesmos não queremos esperar por novas informações, novos modelos, novos estilos, novos caminhos, novas tendências?” questiona Aline Freire, engenheira têxtil e especialista em Design de Moda.

Aline lembra que vivemos cada vez mais imersos em um ritmo de vida que exige rapidez, agilidade e pouco tempo de processamento. O interesse pelo lucro no capitalismo aliado a novas tecnologias que otimizam a produção geram o encurtamento das temporadas de moda, reduz o intervalo de lançamento entre coleções e promove o minicoleções a cada semana.

“O fato das grandes marcas de fast fashion dominarem o mercado está diretamente relacionado com o fato do estímulo exacerbado ao imediatismo gerado tanto pela indústria cultural como pelo nosso sistema econômico”, explica a professora. O papel do cinema, das redes sociais, das produções audiovisuais, da transmissão ao vivo do lançamento de coleções e o estímulo à compra pela publicidade nos levam a criar desejos por produtos que nem pensávamos em comprar.

Nem tudo é slow fashion

Você já deve ter ouvido falar em pinkwashing, termo usado quando empresas afirmam que são diversas e apoiam a comunidade LGBTQIAP+, mas no fundo há apenas um interesse financeiro em lucrar com a comunidade e as pessoas que apoiam essa pauta. Um movimento semelhante ocorre no meio ambiente, no qual muitas companhias e marcas de moda afirmam serem sustentáveis, mas só atualizam suas embalagens para tons verdes e investem em propaganda publicitária em prol do meio ambiente.

Empresas como Zara e Shein são acusadas de praticarem greenwashing e venderem produtos com um discurso baseado na preservação à natureza. A Shein afirma que seus princípios são baseados em ESG (Meio Ambiente, Social e Governança, na tradução em português), já a Zara informa que suas lojas usam fontes de energia sustentável para reduzir o impacto ambiental, discursos criticados pelos movimentos ambientalistas por mascararem os níveis de poluição provocados pelo fast fashion, além de denúncias de exploração de trabalho.

Aline Freire diz: “todos os dias vejo marcas se autodeclarando ‘slow fashion’ sem ser, consumidores preocupados com atitudes das marcas sem se autoavaliarem, greenwashing escancarados, apenas porque no Brasil, no marketing, o discurso vende mais que a ideia“.

A engenheira têxtil levanta ainda as dificuldades para que as pequenas marcas cresçam e alcancem um público massivo no país, especialmente por haver concorrência desleal, impostos altos e produção estrangeira em massa. “Para desacelerar a moda no Brasil, é preciso desacelerar a busca e acelerar a educação sobre quais são os propósitos do slow fashion e como eles se alinham à realidade”, acrescenta.

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Slow fashion e diversidade de corpos

Pessoas gordas, não binárias, deficientes físicos e outros grupos costumam enfrentar uma grande dificuldade para ter acesso a roupas, modelos e tamanhos que satisfaçam os gostos e interesses dessas pessoas em lojas que funcionam no modelo fast fashion. A indústria tende a padronizar corpos e produzir massivamente modelos que são mais buscados e vendem com maior rapidez, os chamados nichos de mercado são cada vez mais especialidades de pequenas empresas ou cooperativas preocupadas em atender diferentes públicos.

O slow fashion tem então uma tarefa histórica que é tornar a moda acessível e inclusiva para todos públicos, pensada de forma sustentável e aberta à diversidade. “A partir do momento que se tem interesse e, principalmente, tempo para estudar os tipos de corpos, as necessidades de cada nicho e as formas de suprir as expectativas da diversidade, o mercado da slow fashion tende a ser bem mais inclusivo que o fast fashion“, explica Aline Freire.

Ainda assim, esses produtos costumam ser mais caros e boa parte da população – especialmente a mais empobrecida – não consegue comprar de marcas que atuam para esses segmentos, é aí que empresas do fast fashion se apropriam também dessas pautas. “Com isso, acaba que GRANDE parte destes nichos se voltem ao ultra fast fashion da Shein, por exemplo, que tem peças para estes públicos (que, geralmente, não encontram fácil no Brasil)”, lembra a professora.

Chegar em lojas de departamento e enfrentar olhares indesejados ou roupas que não foram feitas para você era uma vivência corriqueira para Maria Clara, estudante e moradora da cidade de Fortaleza. Embora os modelos plus size tenham crescido, a estudante explica que boa parte dos modelos são mais caros, voltados para pessoas mais tradicionais e com muitas poucas opções.

“A Shein tem meu tamanho, lá há roupas estilosas e que geralmente vestem bem. E tinham várias coisas que eu sempre quis ter, mas nunca conseguia”, explica. Ela conta que desde 2019 passou a fazer quase todas as suas compras de roupas online, por já ter passado por incômodos ao chegar em lojas ou simplesmente nunca encontrar roupas no seu tamanho. “Uma coisa que eu não vou achar em nenhuma loja aqui são shorts, calças, mas na Shein elas existem, são bonitas e não são tão caras”, acrescenta.

Ainda assim, apesar das lojas de fast fashion estarem investindo em produções mais inclusivas e baratas, a necessidade de um ritmo slow que respeite os ciclos e abranjam todos os corpos é uma alternativa mais defendida por especialistas e estudiosos do mundo da moda.

Foto de uma mulher branca, gorda, com calça beje e blusa verde. Elas está sorrindo, tem cabelos na altura do peito lisos e há uma obra de arte no fundo. Apesar de morar em Fortaleza, uma das cinco maiores cidades do país, Maria Clara tem dificuldade em encontrar peças no seu tamanho. Foto: Arquivo pessoal

Mude seu pensamento

A escada que leva ao ateliê de Mayra Abuhanian fica logo após a porta. O primeiro contato de qualquer pessoa que chega ao local – uma casa no bairro das Perdizes, em São Paulo –  é subir aqueles degraus que, um por um, nos fazem lembrar de que a vida é feita em passos. Alguns firmes, outros bambos. Com ajuda ou sem.

O convite não é apenas para provar um tênis, mas, sim, para uma experiência única de aceitação dos próprios passos. Ela produz tênis exclusivos, e até mesmo personalizados, para quem busca, à sua maneira, colocar os pés no chão. Tal ritual de produzir e vender tênis artesanalmente, emoldurado pelo mundo da moda sob o conceito slow fashion, para Mayra começou como um resgate de quem ela sempre quis ser, mas, até então, nunca teve coragem.

Além da durabilidade dos produtos slow fashion, eles propõem que o consumidor vivencie a marca. É por isso que, apesar de também possuir loja online, a empresária faz questão de investir no contato direto com seus clientes no próprio ateliê. “Quero que todo mundo saia daqui com os passos empoderados”, diz.

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Mudar a nossa lógica de consumo e passar a ter uma outra visão sobre o mundo da moda e a forma como nos vestimos é essencial para que, aos poucos, o fast fashion passe a perder espaço para valores e princípios aliados à sustentabilidade ambiental e à preservação do meio ambiente. Para que isso se altere coletivamente, é preciso investir em educação e estratégias de conscientização e sensibilização do público.

“Não posso deixar de colocar, em primeiro lugar, a educação! A educação de conscientização”, defende a engenheira têxtil Aline Freire. “Estratégias que vem sendo aplicadas e que, pra mim, são eficazes, são as de educar a sociedade de massa quanto aos processos produtivos da cadeia têxtil e moda, da quantidade de processos e mãos que uma peça passa até chegar no corpo da pessoa, fazendo que entendam o que estão comprando”, acrescenta a professora.

Outras sugestões são as parcerias com a mídia de massa, estratégias de publicidade e trabalho conjunto com influenciadores de moda nas redes sociais.

Divulgar o slow fashion e a sua importância para que a indústria da moda deixe de ser uma das mais poluentes do mundo são fundamentais para massificar a ideia do consumo responsável.

“A partir do momento em que temos mais influenciadores que disseminam os prós e contras da indústria da moda, apresentam soluções criativas e acessíveis de slow fashion, mais teremos pessoas engajadas no movimento”, conclui Freire.

Dicas para um consumo mais consciente

Além de avaliar se a compra é realmente necessária e útil para você no momento (e que não se trata de uma compra apenas por impulso, que pode gerar arrependimentos depois), você pode seguir algumas dicas para tornar seu consumo mais consciente.

Frequente brechós

Procure os brechós da sua cidade, é muito provável que estes lugares tenham roupas que se encaixem no seu estilo e tamanho. Além de ser uma forma de redução no consumo, possibilita com que as peças tenham uma certa circularidade e não sejam descartadas no lixo.

Aprenda técnicas de styling

O styling nada mais é do que formas de usar uma peça de diversas formas diferentes, aumentando a vida útil do produto e as possibilidades de uso que ela pode ter no dia a dia. É saber usar suas roupas de diferentes formas em contextos diversos, o que possibilita um uso prolongado e dinâmico.

Conheça marcas de slow fashion na sua localidade

Faça uma busca no Google ou em redes sociais, busque marcas pequenas e empreendimentos na sua cidade ou região. Alternativas mais sustentáveis, que respeitam a natureza e o ritmo de produção às vezes estão há poucos minutos da nossa casa.

Sempre que possível, compre de pequenas empresas

Mesmo que não seja uma marca de slow fashion, buscar produtos de pequenas empresas é uma alternativa para incentivar o mercado local e fortalecer uma produção que seja menos poluente. Além disso, estar em contato direto com a empresa favorece um diálogo sobre práticas de sustentabilidade que podem ser aplicadas ao longo do processo.

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