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Por que está cada vez mais difícil fazer escolhas?
Diane Picchiottino Foto: Diane Picchiottino um semáforo de pedestres na cor laranja sinaliza que não está permitida a passagem.
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Ter muitas opções alimenta a ilusão de que pode haver uma alternativa perfeita. Adriana Drulla explica esse fenômeno e também fala sobre a paralisia que acontece quando não conseguimos nos decidir.


Quando você precisa escolher um parceiro, uma profissão, um vestido, ou um molho para saladas, é importante ter muitas alternativas. Afinal de contas, quanto mais opções você tiver, maior a chance de escolher algo capaz de te satisfazer de verdade, certo? Errado.

O ponto é que quando temos opções demais, podemos até escolher uma alternativa melhor do que aquela que escolheríamos se tivéssemos poucas opções. Mesmo assim, nos sentimos menos satisfeitos.

Parece contraditório, eu sei. Tanto que Barry Schwartz, um dos meus professores de mestrado na Universidade da Pensilvânia, chamou o fenômeno – e o livro que escreveu para explicá-lo – de Paradoxo da Escolha

E você pode me dizer: “Mas Adriana, é impossível fugir das escolhas! Pelo contrário, se tem algo que a tecnologia faz de forma brilhante é eliminar as barreiras e tornar – praticamente tudo – acessível. Poucos títulos na locadora? Netflix. Poucas pessoas interessantes no seu círculo social? Tinder. Quer mais opções de carreira? LinkedIn”. 

E eu te respondo: “É verdade, estamos afundados em um mar de catálogos e escolher é preciso. Mas também é preciso saber como a nossa mente funciona neste contexto. Enquanto não ter escolhas é aprisionador, ter escolhas demais pode ser receita para a crise. A não ser, é claro, que você entenda como fazê-las”. 

A dificuldade de escolher

A primeira consequência do excesso de alternativas é que ele torna as nossas escolhas excessivamente complexas a ponto de nos recusarmos a escolher. Não literalmente, claro. Não é que fazemos birra e nos retiramos em protesto pelo excesso de opções. É mais sutil do que isso. Funciona assim: queremos achar a opção perfeita. Mas, como temos medo de errar, deixamos para decidir amanhã. Achamos que estamos ganhando tempo para pensar, mas, na prática, estamos paralisados. 

Veja os dados da seguinte pesquisa. Ela foi feita em uma empresa que se comprometeu a coinvestir com os funcionários caso eles optassem por colocar dinheiro para aposentadoria em fundos de investimento. Ou seja, se o funcionário optasse por investir 50 dólares em um fundo, a empresa colocaria outros 50 dólares, de graça. Pois bem, a cada 10 novos fundos que a empresa acrescentou em seu cardápio de opções, a adesão dos funcionários caiu 2%. Sabe por quê? Os funcionários não queriam errar na escolha. Portanto, deixavam para o dia seguinte. Só que, por definição, o dia seguinte nunca chega. Preferimos perder dinheiro a escolher uma opção. 

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O encanto sempre acaba

Portanto, pode ser útil entender que, por melhor que seja a sua escolha, ela nunca será perfeita. Isso vale para qualquer vestido, destino de viagem, relacionamento ou profissão. Vou explicar com um exemplo. Imagine que você não tira férias há anos e está cansado da cidade, do trânsito e da correria. O seu corpo, a sua mente e o seu espírito anseiam por sossego. Então, você compra um pacote para passar os seus 30 dias de férias na montanha. 

Logo que você chega, a mudança de ambiente te encanta. Você pode até fantasiar sobre como seria largar tudo e abrir uma pousada bem longe da civilização. Mas, com o tempo, a instabilidade do wi-fi começa a te irritar profundamente. E também as goteiras em dia de chuva. Além disso, as muriçocas parecem cada dia mais famintas. E, para dizer bem a verdade, você anseia pela programação cultural da cidade. Pois é, o encanto acabou.

E sobre isso a ciência nos diz que mudanças produzem respostas, ou seja, afetos positivos e negativos. Mas à medida que nos acostumamos, as mesmas coisas deixam de produzir efeitos emocionais tão intensos. Ou seja, no início – quando chegamos à montanha – o entusiasmo com o sossego tão esperado sequestra a nossa atenção e as nossas emoções. Com o tempo, os ganhos se tornam parte daquilo que já é conhecido. Ou seja, você se adapta. Então, você ganha espaço mental para focar naquilo que não vai bem – a instabilidade do wi-fi e as muriçocas. E o cérebro se adapta a quase tudo. Isso significa que qualquer encanto chegará ao fim. 

O excesso de opções e a idealização 

Se, por um lado, isso pode te desanimar, por outro, pode te libertar. Afinal, se todos os encantos terminam, o fim do encanto não significa necessariamente que você escolheu errado. Não existem opções capazes de nos encantar indefinidamente. Mas, quando temos opções demais – por exemplo, o catálogo do Tinder ou da Netflix – fantasiamos que, em algum lugar entre essas milhares de alternativas, há de existir uma opção excepcionalmente incrível. Ou então aquela opção imperfeitamente perfeita para você, com a medida certa de defeitos que você adora, ou que pelo menos não te incomodem tanto assim. 

Paradoxalmente, ter muitas opções alimenta a ilusão de que pode haver uma alternativa perfeita. Portanto, quando as pessoas saem do transe apaixonado e se deparam com os custos de suas escolhas, elas se sentem mais insatisfeitas e tem maior propensão ao arrependimento. 

Mais do que isso. Se você idealiza que existem opções ideais e você não as escolheu, isso significa que o problema é você. Ou seja, em vez de interpretar os custos das nossas escolhas como parte inexorável da realidade, achamos que a nossa insatisfação é a prova da nossa incapacidade de escolher. E quando isso se repete vezes suficiente, nos tornamos inseguros, desesperançados e deprimidos. 

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Custos de oportunidade estão em alta

Some a isso o fato de que, quanto mais alternativas você tiver, menos atrativo será aquilo que você escolheu. E a razão chama-se custo de oportunidade. Custo de oportunidade é a soma dos benefícios de todas as alternativas que você não escolheu. Por exemplo, se você vai passar férias na praia, o seu custo de oportunidade é a soma dos benefícios das férias no campo, mais as aventuras da viagem ao Pantanal que você poderia ter feito, e os prazeres da visita adiada aos seus amigos que moram no Rio de Janeiro. E enquanto seria impossível viajar para múltiplos lugares ao mesmo tempo, em termos de sofrimento não somos tão racionais.

Por exemplo, quando você ficar entediado com os programas da praia, você vai lamentar não ter escolhido as aventuras do Pantanal. E se neste mesmo dia chover à noite, você sofrerá porque não foi para o Rio de Janeiro – afinal, lá tem programas culturais para noites chuvosas. Sofremos por não ganhar os benefícios das duas escolhas, quando, na realidade, só poderíamos ter feito uma delas. Quanto mais opções, mais benefícios deixamos de ganhar quando nos comprometemos com uma alternativa. 

Opções demais, persistência de menos

Não topamos mais vidas reais, profissões reais, pessoais reais. Queremos algo sem defeitos, que arranque suspiros indefinidamente. Mas, anote: só o novo é capaz de gerar uma dose tão grande de entusiasmo a ponto de nos faltar espaço mental para considerar os custos. Enquanto você buscar uma alternativa perfeita, você pulará de uma paixão para outra, de um projeto para outro, ou de relacionamento para relacionamento. 

E não teria nada de errado com isso se fôssemos felizes desta forma. A questão é que o que procuramos nas nossas escolhas frequentemente só nos é dado no longo prazo. Por exemplo, a intimidade nas relações nos traz segurança e pertencimento, mas intimidade só se constrói com o tempo. A autoridade profissional nos traz recursos materiais e autoestima, mas autoridade profissional também requer tempo. Precisamos nos comprometer.  

A solução: seja um “satisficer

Mas nem tudo está perdido. Existe uma forma de encarar as nossas escolhas que pode nos trazer resultados mais satisfatórios. A solução vem do trabalho de Herbet Simon, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1978 por seu trabalho em tomada de decisão. E a solução é: seja um “satisficer”. 

Vou explicar. Satisfazer-se é contentar-se com algo que é bom o suficiente. Ou seja, um “satisficer” tem critérios. Ele investiga opções até encontrar um item que atenda a esses critérios e, quando ele encontra, ele para de procurar. O contrário de “satisficer” é ser um “maximizer – pessoas que buscam e se satisfazem apenas com o melhor. “Maximizers” são aqueles que, mesmo quando escolhem, continuam de orelha em pé caso surja algo mais atrativo. 

Pois bem, de acordo com a ciência, porque maximizers buscam a alternativa perfeita, eles têm mais dificuldade e levam mais tempo para escolher. Além disso, eles comparam mais as suas escolhas com alternativas não escolhidas, portanto, inflacionam os custos de oportunidade. Mesmo que terminem com alternativas objetivamente melhores, os maximizers tem menor satisfação subjetiva, ou seja, se arrependem mais das escolhas que fazem. Eles são menos felizes e tem mais ansiedade e depressão. 

Portanto, Schwartz alerta para que fiquemos atento para quais esferas da nossa vida tendemos a maximizar e exercitemos o ato de dar-nos por satisfeitos com uma realidade imperfeita, porém satisfatória.

Pode ser que o fim do encanto não seja tão trágico assim, mas um sinal de que agora você consegue – com mais maturidade e menos dopamina – entender os prós e contras da sua escolha e avaliá-los à luz dos seus valores e dos critérios que realmente importam.

Enquanto estivermos vivendo em um planeta de alternativas imperfeitas e sob o comando de um cérebro imperfeito, talvez valha ser um satisficer


ADRIANA DRULLA (@adrianadrulla) é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

Leia todos os textos da coluna de Adriana Drulla em Vida Simples

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