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Para um 2023 mais feliz, aprenda a direcionar a sua atenção
Olivia Bauso
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A felicidade é um desejo praticamente universal. Desejamos felicidade nos aniversários, nascimentos, casamentos, mudanças de emprego, escola e vizinhança. A cada novo ano, desejamos felicidade para nós e para aqueles com quem nos importamos. Mas, muitas vezes, tão logo findam os rituais de passagem, nos deparamos com o fato de que ser mais feliz não é tão fácil assim. Não é mesmo. 

No texto passado, expliquei que um tanto da felicidade depende de fatores genéticos e um outro tanto depende daquilo que fazemos. Falei que, para ser mais feliz, é importante burlar a programação inata de adaptar a tudo que temos de bom. E terminei prometendo este texto que você lê agora. O objetivo de hoje é trazer ideias práticas para aumentar a sua capacidade de ser feliz com aquilo que já tem.

É evolutivamente adaptativo que a atenção humana se direcione para o novo

Mas antes disso, preciso que você entenda a natureza do problema da adaptação. Acostumamos a tudo porque, no piloto automático, a atenção humana é raramente direcionada para aquilo que já temos de bom. Em termos evolutivos, não foi vantajoso para a nossa espécie sentirmos prazer e alegria por muito tempo. Afinal de contas, estas emoções roubam a nossa atenção, que precisa ser direcionada para outras necessidades, oportunidades ou ameaças. 

Caso não esteja convencido, imagine como teria sido a evolução da espécie humana se ficássemos eternamente encantados com as nossas conquistas. Por exemplo, é certo que a invenção das ferramentas encantou nossos descendentes pré-históricos. Porém, foi porque nos acostumamos a estas ferramentas que passamos a olhar para novas e melhores possibilidades. Quando nos acostumamos à ferramenta de pedra bruta, passamos a usar a pedra polida e depois adquirimos a capacidade de fundir metais. 

Evolutivamente não foi vantajoso manter-se encantado por aquilo que já tínhamos de bom. Ao mesmo tempo, também não foi vantajoso manter-se decepcionado eternamente. Imagine que nossos descendentes pré-históricos passassem por um desastre natural, perdendo suas vilas. É claro que a perda traz o desânimo e a tristeza. Mas, se permanecessem tristes e desanimados por períodos muito longos, seriam incapazes de reconstruir as suas vidas. Portanto, é a capacidade de nos acostumarmos – também ao que nos acontece de ruim – que nos permite reagir. Quando nos acostumamos, a nossa atenção se direciona para além daquilo que já conhecemos. 

Fomos programados para sobreviver, não para sermos felizes

Muito bem, mas se a adaptação é importante para a nossa sobrevivência, é menos vantajosa para a felicidade. No texto passado, eu dei o exemplo de uma pessoa que morava no primeiro andar e que teve a chance de se mudar para a cobertura. Por mais que esta pessoa goste da vista, com o tempo ela vai se adaptar passando a notá-la sem tanta frequência. Logo, a vista deixará de produzir emoções positivas e bem-estar simplesmente porque nos acostumamos.

Mas veja, quando algo deixa de chamar atenção isto não significa que tenha deixado de ser importante. Imagine, por exemplo, que um prédio seja construído bem frente da cobertura, obstruindo a vista. Isto causará decepção, raiva, desapontamento. Ou seja, a adaptação faz com que seja necessário manter a vista apenas para evitar o sofrimento. Para futuras doses de satisfação, são necessárias outras novidades para além daquilo a que já se acostumou. 

Falando sobre este assunto em um post recente, recebi o relato de uma pessoa que, depois de morar em cobertura por muitos anos, mudou-se para uma casa porque necessitava aterrar. Outra disse que morou em casa a vida toda, e agora sente-se mais segura em um apartamento. 

Uma das grandes razões por que é difícil tornar-se mais realizado na vida é porque somos reféns desta herança evolutiva da adaptação. Ou seja, a nossa atenção está sempre se direcionando para aquilo que ainda não temos. E quando conquistamos o que achamos que nos fará feliz, acostumamo-nos outra vez. 

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William James, pai da psicologia moderna, escreveu há mais de um século que existem milhares de situações, circunstâncias e fatores externos ocorrendo simultaneamente a todo tempo. Logo, a realidade e a experiência de cada um de nós dependem daquilo que captura a sua atenção. A atenção humana é limitada e só conseguimos prestar atenção em uma coisa por vez. 

Mas, se a atenção se direciona naturalmente para aquilo que falta, a experiência interna, no piloto automático, será de perpétua insatisfação. A não ser, é claro, que você aprenda a trabalhar com a sua atenção a favor da sua felicidade. Por isso se diz que a felicidade é um trabalho interno. Se você topar o desafio, anote estas seis sugestões:

1. Acrescente variedade na sua vida

Não faça todo dia tudo sempre igual. Lembre-se que o cérebro gosta de novidade e você pode usar isto a favor da sua felicidade. Uma ideia, é escolher uma parte do seu dia, ou uma esfera da sua vida, para aproveitar de formas diferentes. Por exemplo, em uma determinada semana você pode escolher aproveitar o almoço testando novas receitas, ou arrumando uma mesa bonita e diferente a cada dia da semana. Quando estiver se acostumando ao ritual do almoço, você pode escolher aproveitar o banho, por exemplo usando um óleo de massagem e ouvindo uma música que você ama. A ideia também é bastante útil para aproveitar os relacionamentos, por exemplo escolhendo um dia específico da semana para fazerem programas diferentes. Ou então você pode escolher um dia para se reconectar com amigos ou família, convidando pessoas diferentes a cada semana. A ideia aqui é usar a criatividade para adicionar variedade às suas experiências cotidianas e aproveitar aquilo que já tem de bom.

2. Tenha a intenção e o compromisso de saborear aquilo que você já tem

Apreciação não é consequência natural de ter coisas boas. Para apreciar qualquer coisa, é preciso direcionar a sua atenção para aquilo. E como vimos, isto não é intuitivo, mas um exercício intencional. Portanto, marque na agenda um horário para brincar com os filhos, assistir o pôr do sol, meditar, caminhar na natureza, aproveitar os seus relacionamentos, ou então, o seu almoço. Nesta hora, lembre-se que para saborear qualquer coisa, a sua atenção precisa estar naquilo que você deseja aproveitar. Se você já comeu algo na correria, sabe do que estou falando. Fica difícil sentir o sabor quando, naquele momento, não é isto que o seu cérebro está processando. Portanto, não basta marcar na agenda. É preciso evitar as distrações

3. Treine observar e redirecionar a sua atenção

Se você acha difícil direcionar a sua atenção de forma intencional, saiba que isto é um treino. Na literatura, a prática de mindfulness é uma das formas mais eficientes de treino atencional. A prática consiste em estabelecer uma âncora, por exemplo a respiração ou até a chama de uma vela, e firmar a atenção sobre este objeto. Depois de algum tempo, a atenção naturalmente irá se desviar da âncora. O seu trabalho é redirecioná-la para o objeto, tão logo você perceba que a atenção se desviou. Contrário do que se pensa, o sucesso do treino de mindfulness não é conseguir manter-se livre de pensamentos. O sucesso é perceber onde a sua atenção está, e redirecioná-la para onde você deseja. Com o tempo, o redirecionamento da atenção se torna mais fácil – tanto na prática, quanto na vida. Por exemplo, imagine que você está em uma apresentação do seu filho e surge um pensamento ansioso a respeito de um prazo no trabalho. Mindfulness ajuda a reconhecer os pensamentos ansiosos por aquilo que são – apenas pensamentos – e nos dá a chance de redirecionar a nossa atenção para o momento presente de forma inteira. De fato, estar inteiro na apresentação do seu filho contribuirá muito mais para a sua felicidade do que sucumbir ao impulso de abrir o telefone e checar os e-mails pela décima vez. 

4. Procure fazer mais atividades em boa companhia

O número e a qualidade dos relacionamentos é um dos fatores que mais proporcionam felicidade. Bons relacionamentos tornam as pessoas felizes, e pessoas felizes desfrutam de melhores relacionamentos do que as pessoas infelizes. Para além disso, os relacionamentos trazem variedade e novidade para a vida. Por exemplo, a partir dos relacionamentos conhecemos novas pessoas, ampliamos as nossas experiências, conhecemos novos lugares, aumentamos a nossa lista de interesses. Portanto, investir em relacionamentos ajuda a burlar o princípio da adaptação. Uma ideia é, por exemplo, procurar incluir pessoas que você gosta nas atividades que você normalmente faria sozinho. Por exemplo, o exercício feito em dupla ou cozinhar na companhia de alguém tende a ser mais prazeroso do que quando praticado sozinho. Além disso, o seu amigo passará a contar com você para outros programas, adicionando novidade e variedade.

5. Escolha o que é naturalmente interessante para você em quantas esferas da vida isto for possível

Lembre-se que nos acostumamos com quase tudo, portanto escolha caminhos cujas recompensas são mais frequentes. Quando a recompensa é pontual e só chega ao final – do mês, do ano, ou do que for – ela não chega vezes suficientes para sustentar incrementos constantes de felicidade. Pelo contrário, a experiência diária é sofrida. O caminhar baseado em recompensas é como a corrida sobre uma esteira ergométrica – por mais que você canse, e aumente a velocidade, você se adapta às conquistas pontuais. Ou seja, em termos de felicidade, você permanece estacionado. Portanto, na medida do possível, escolha caminhos porque se identifica com eles, e não por razões externas – por exemplo, dinheiro ou status. De fato, pessoas que relatam maior interesse por de dinheiro, fama ou beleza são consistentemente consideradas menos felizes e até menos saudáveis ​​do que aquelas que perseguem objetivos menos materialistas. Nos caminhos intrinsicamente compensadores o próprio caminhar faz parte da recompensa. Ou seja, você terá um número maior de eventos positivos em um caminho que gosta de percorrer. Logo, será mais difícil adaptar-se a ele. E isto não vale apenas para a sua atividade profissional. Vale também para a escolha de relacionamentos, atividade física, prática espiritual e livros para a sua prateleira. 

6. Experiências de flow

Quando atividades intrinsicamente prazerosas oferecem um desafio instigante, mas que é compatível com as suas habilidades, entramos em um estado chamado de flow. Quando você está em flow, a atividade captura a sua atenção completamente, ficamos totalmente imersos naquilo que estamos fazendo. E enquanto a experiência de flow é prazerosa, pode-se dizer que naquele momento não temos a sensação de que estamos sentindo prazer. O estado de flow implica uma absorção tão grande na atividade que perdemos a sensação de que existimos separados daquilo que estamos fazendo. Atividades que levam ao flow podem ser diversas: por exemplo, a escrita, a dança, o esporte, a pintura, a fotografia, tocar um instrumento, dar aula. Em flow, a sua atenção e as suas qualidades pessoais estão a serviço de um único objetivo de forma inteira. E note que flow não é um objetivo forçado, mas o resultado natural de aplicar os seus dons e talentos a serviço daquilo que te interessa e desafia. Na literatura, atividades que trazem o estado de flow são formas potentes de aumentar nossos níveis de felicidade.


ADRIANA DRULLA (@adrianadrulla) é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

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