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É possível ser mais feliz? Veja o que diz a ciência
Ivana Cajina
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O padrão habitual de felicidade varia entre as pessoas, mas é possível aumentar o seu grau de satisfação com a vida, aproximando-o do seu limite máximo. Para isso, pode ser interessante entender quais atividades te ajudam a burlar essa programação inata de se adaptar a tudo que tem de bom


Vamos supor que você more no primeiro andar e tenha a chance de se mudar para a cobertura. Por algum tempo, a linda vista e a novidade de poder apreciar o pôr do sol irá produzir mudanças no seu bem-estar. Você viverá mais grato, mais positivo. Mas, more na cobertura tempo suficiente e logo você voltará ao nível de satisfação que você já tinha quando morava no primeiro andar. A universalidade com que essa dinâmica acontece revela que a adaptação não é fruto de ingratidão ou arrogância. Pelo contrário, ela é apenas uma característica do design humano.

Seres humanos se adaptam a quase tudo. E quando eu digo quase tudo – eu quero dizer quase tudo mesmo. Por exemplo, medindo os níveis de felicidade de populações ao longo dos anos, cientistas verificaram que nos acostumamos algum tempo depois de ganhar na loteria, mas também quando perdemos entes queridos e até depois de ficar paraplégicos.

Temos um padrão habitual de felicidade

O nosso grau de satisfação com a vida flutua mais ou menos como a temperatura de uma geladeira. Se você abrir a geladeira vezes demais durante um dia, a temperatura irá variar como consequência. Porém, deixe-a em repouso tempo suficiente e logo ela marcará aquela temperatura que você definiu no termostato – por exemplo, 4 graus. Da mesma forma, quando um evento acontece e produz mudanças em nossas vidas, somos tomados por uma mudança importante em nossos afetos. Por algum tempo, ficamos mais felizes e gratos, ou mais tristes e ansiosos. Porém, logo você voltará ao seu padrão habitual de satisfação com a vida.

E esse padrão habitual de felicidade varia entre as pessoas. Em um extremo, alguns têm grandes doses de afetos positivos e isso permanece bastante constante ao longo da vida. Essas pessoas se sentem muito bem na maior parte do tempo, coisas boas lhes trazem prazer e alegria em abundância. No outro extremo, estão pessoas que têm a disposição contrária. Elas não se sentem ótimas, ou mesmo bem, na maioria das vezes. Quando elas têm sucesso, elas não pulam de alegria. E a maioria de nós está em algum lugar entre esses dois extremos.

É possível tornar-se mais feliz?

Na verdade, quando falamos sobre a disposição para experienciar emoções positivas, a coisa é um tanto pré-estabelecida. Estudos sugerem que as pessoas que reportam maiores níveis de felicidade tendem a ter maior atividade cerebral no lado esquerdo do córtex pré-frontal do que no lado direito. É dito que estas pessoas ganharam na loteria cortical, ou seja, os seus cérebros são pré-configurados para a felicidade.

De fato, a felicidade é uma das características de personalidade mais herdáveis. Pesquisas com gêmeos idênticos revelam que pelo menos 50% dos nossos níveis médios de felicidade são explicados por fatores genéticos, ou seja, não relacionados às nossas experiências de vida.

É como se a genética estabelecesse um intervalo dentro do qual será estabelecido o seu nível basal de felicidade. Deixe-me usar o exemplo da geladeira para te explicar como isso funciona. Em uma geladeira, o termostato nunca tem apenas uma opção de temperatura. Na verdade, ele costuma contemplar um intervalo, por exemplo entre 0 e 8 graus. Assim também é para a felicidade. Existe um intervalo de possibilidades específico e pré-estabelecido pela genética para cada um de nós.

Por um lado, é impossível programar uma geladeira para 15 graus quando o termostato só contempla o intervalo entre 0 e 8 graus. Então, se você vem acordando com o pé esquerdo há décadas, dificilmente se tornará o tio mais alegre do rolê. Mas, dentro do limite possível, cabe ao freguês escolher o que funciona melhor para a sua geladeira. Afinal, entre 0 e 8 graus, há uma grande diferença. Ou seja, é possível aumentar o seu grau de satisfação com a vida, aproximando-o do seu limite máximo. 

Uma das grandes pesquisadoras no assunto, Sonja Lyubomirsky, sugere que mais ou menos um terço dos nossos níveis de felicidade sejam resultado das nossas atividades intencionais, aquelas que estão sob nosso controle. Portanto, é possível ter uma vida com mais satisfação. Tendo dito isto, mantenha suas expectativas em cheque e desconfie de promessas suntuosas. Lembre-se que há um limite para cada um de nós.

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Dois tipos de felicidade

Há quem diga que essa conversa é inútil uma vez que esse negócio de felicidade não é um objetivo que vale a pena. Na verdade, a felicidade está no banco dos réus há pelo menos 2.500 anos. Foi Aristóteles quem destrinchou o conceito subdividindo a felicidade em dois tipos. O primeiro, a felicidade hedônica, é caracterizada por emoções positivas e pelo prazer. Ou seja, é quando, emocionalmente, você se sente bem – quando tem mais emoções positivas do que negativas, mais conforto do que desconforto.

Mas, lembre-se que ganhos expressivos de felicidade hedônica são por definição temporários, já que nos adaptamos a quase tudo. Portanto, quando vivemos a vida buscando esse tipo de felicidade, podemos desenvolver vícios e compulsões por aquilo que nos trará a próxima dose de prazer ou a fuga da dor. A sobrevalorização do prazer e a incapacidade de tolerar a dor levam a comportamentos de compensação, anestesia e alienação. Ou seja, tenha como objetivo de vida a felicidade hedônica e encontrará a tristeza no longo prazo. 

Portanto, Aristóteles recomendou que busquemos um segundo tipo de felicidade a que chamou de eudaimonia ou vida boa. Este tipo não se caracteriza pela intensidade ou valência de suas emoções, mas pela forma como você vive a sua vida.

Quer dizer, a vida boa não é aquela em que você investe em coisas externas, que te darão uma dose temporária de prazer – como por exemplo a matéria e as emoções efêmeras. A vida boa é aquela em que você pratica, e portanto amplia, as suas virtudes.

Associado a esse tipo de felicidade está, por exemplo, a vida com propósito. Viktor Frankl talvez seja quem melhor falou sobre o assunto propondo que a felicidade (hedônica) é um efeito colateral de uma vida com sentido (a felicidade eudaimônica). Isso porque temos uma sensação de contentamento quando desenvolvemos nossas virtudes e as utilizamos para adicionar valor ao mundo. Sentimos que somos valiosos e pertencentes quando contribuímos para causas ou pessoas com as quais nos importamos.

Claro, os prazeres desta vida não serão tão intensos quanto os prazeres temporários de uma vida hedônica. Aliás, a vida com sentido inclui grandes doses de dedicação para o outro, trabalho duro, e até desprazer. Mas, para muitos, é essa a vida que vale a pena. Talvez apenas o investimento em uma vida com sentido seja capaz de produzir frutos que te sirvam a vida toda. Isso porque as suas habilidades, feitos e virtudes são atributos internos duráveis, que produzirão consequências positivas, e que não podem ser tirados de você.

O caminho do meio

Mas, quando falamos em vida com prazer e vida com sentido, talvez não seja sobre um ou outro, mas sobre um e outro. Vou explicar. Diversas pesquisas demonstram que emoções positivas moderadas ampliam a nossa capacidade atencional e cognitiva. Ou seja, quando somos tomados por emoções negativas, como por exemplo o medo, nos tornamos menos flexíveis, mais parciais e menos capazes de entender o que nos acontece de uma forma mais ampla. Por exemplo, em incêndios, as pessoas costumam se machucar porque querem sair pela mesma porta que entraram. Elas se esquecem que a janela possa ser uma saída.

De forma contrária, as emoções positivas ampliam a nossa perspectiva e nos ajudam a raciocinar. Esta é a base de uma das teorias mais proeminentes em psicologia positiva, chamada “Broaden and Build”. Segundo Barbara Fredrickson, autora da teoria, doses moderadas e habituais de emoções positivas podem aumentar a capacidade que temos para construir recursos e habilidades pessoais. Ou seja, construímos recursos que ampliam a nossa capacidade de enfrentamento e nos ajudam a chegar mais longe. Literalmente inclusive. Me lembrei de um estudo com freiras idosas em que pesquisadores identificaram que aquelas que expressaram mais emoções positivas no início da idade adulta viveram em média 10 anos a mais do que aquelas que expressaram menos essas emoções.

Existe uma gama considerável de pesquisas que suportam a teoria de Fredrickson. Alguns trabalhos demonstram que as emoções positivas nos ajudam a construir recursos físicos (ex.: saúde), recursos sociais (ex.: amizades e redes de apoio), recursos intelectuais (ex.: conhecimento, capacidade de pensar sobre si e sobre o outro, complexidade intelectual, controle executivo) e recursos psicológicos (ex.: resiliência, otimismo, criatividade).

Quer dizer, por mais que o estado emocional positivo seja efêmero, os recursos pessoais que esses estados nos ajudam a construir são duráveis, ​​eles sobrevivem aos estados emocionais transitórios que levaram à sua aquisição.

Uma vida com sentido em que você investe no seu bem-estar

É claro que se o norte da sua bússola apontar apenas para o prazer e alegria, você terá grandes chances de viver uma vida sem sentido, permeada por vícios e frivolidades. Mas, se o seu objetivo for construir uma vida com sentido, certamente terá mais êxito adicionando à essa existência atividades que te ajudem a funcionar no alto das suas possibilidades genéticas para a felicidade.

Investir algum tempo para a experiência de emoções positivas moderadas pode facilitar o desenvolvimento das suas virtudes e ampliar a sua capacidade de adicionar valor para você mesmo, para o outro e para o mundo.

Talvez nem precisemos da ciência para entender esse conceito. Sabemos, intuitivamente, que quando nos sentimos bem, funcionamos melhor. Quando estamos bem, conseguimos entender melhor as necessidades dos outros e as nossas próprias, podemos identificar melhores soluções para nossos problemas, nos tornamos mais criativos, colaboramos melhor. Formamos conexões quando nos divertimos juntos.

Mas, comecei este texto te contando que adaptamos a quase tudo. Quer dizer, com o tempo, as coisas deixam de produzir um efeito emocional positivo em nós. Portanto, para se aproximar da sua possibilidade máxima para a felicidade, pode ser interessante entender quais atividades podem te ajudar a burlar essa programação inata de se adaptar a tudo que tem de bom. E, para isso, não perca o próximo texto.

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ADRIANA DRULLA (@adrianadrulla) é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

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*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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