Não permita que uma dor guie os seus passos
As dores provocadas por um comentário equivocado, decisão ou mesmo uma ação do passado não deveriam guiar nossos passos vida afora
Um aparelho medieval. Foi assim que traduzi para a terapeuta corporal o acessório que usei por quase dois anos, na infância. Tinha cerca de 8 anos e o diagnóstico de joelho em xis.
O médico recomendou um aparato, feito sob medida, usado ao dormir. Os metais iam dos quadris aos pés, onde havia uma bota ortopédica cortada no local dos dedos.
Na altura do joelho, fitas de velcro eram apertadas mais e mais, todos os meses, forçando mecanicamente os joelhos para fora. Por conseguinte, era incômodo e doloroso.
Acordava, quase todas as noites, chorando e implorava para papai tirá-lo. Por fim, um dia, mamãe decretou: chega, ela está sofrendo demais.
“Estes aparelhos tiveram o uso proibido há 40 anos”, me contou Rosa, a terapeuta que está me ajudando a entender meu corpo, meus movimentos e a causa da permanente dor lombar.
Depois de mais de uma hora de conversa, e de ela analisar meu corpo e caminhar, deitei na maca. Os dedos de Rosa passaram a percorrer braços e costas, em uma leitura delicada guiada pelo tato.
Ao final da sessão, foi categórica: “sinto dizer, mas você tem um desalinhamento provocado, com certeza, pelo aparelho ortopédico”. A parte boa é que o trabalho sutil pode, aos poucos, restabelecer o equilíbrio na raiz do problema.
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As dores que colecionamos
Saí de lá pensando no tal aparelho. Lembrei-me da dor que me causava e da vergonha sentida por ter de usá-lo. Sei também que meus pais, naquele tempo, me submeteram àquilo por acreditarem, piamente, que seria bom para mim.
Quantas dores, físicas ou emocionais, causadas por aparelhos ortopédicos, conversas ou situações, colecionamos ao longo da vida?
Nos cursos de escrita que promovo, não raramente, encontro gente desacreditada da própria capacidade de compor um bom texto porque, na meninice, um professor de português lhe metralhou com a temida frase “você não escreve bem”.
Todos nós carregamos histórias passadas, que se transformam em pesos. Na alma. E provocam consequências na nossa jornada.
Pode ser uma dor na lombar ou um medo abissal de escrever. Em resumo, aos meus alunos, costumo aconselhar: “não permita mais que um comentário ou uma ação feita lá atrás ainda guie seus passos”.
A mim mesma, ao sair da sala da terapeuta, prometi não mais suportar dores infligidas. Sendo assim, entrei no quarto da minha infância, tirei os aparelhos das pernas, abracei minha menina e garanti que aquela dor acabava ali.
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Conteúdo publicado originalmente na Edição 265 da Vida Simples
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