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Autocompaixão: a chave para lidar com as dores emocionais
Lina Trochez
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Como lidar com o desespero diante de nossas dores emocionais? Adriana Drulla traz o conceito de autocompaixão e explica como podemos, na prática, mudar nossa visão a respeito do sofrimento para acolher nossas dores.

O meu último texto nesta coluna foi sobre resistência. Mais precisamente, sobre a importância de aceitar aquilo que é difícil, apoiando-se e encorajando-se diante do sofrimento. Eu até sugeri que você chamasse o sofrimento para um café.

E pode ser que você tenha tido vontade de me mandar plantar batatas. Eu também já quis mandar às favas uma pessoa que me fez sugestão similar. Vou resumir a história para você. Eu estava passando por uma situação difícil. Eu sentia que precisava tomar uma atitude para resolver aquilo. Eu costumava ponderar as alternativas, pesando cada uma delas ao longo do dia. Na prática, eu gastava muita energia mental e não escolhia caminho algum.

Foi quando eu parti para um retiro com a Kristin Neff, a maior pesquisadora em autocompaixão.

Autocompaixão é sobre você se apoiar diante do sofrimento. Portanto, é uma habilidade que te ajuda a entrar em contato com a sua dor, entendendo o que ela significa.

Pois bem, na primeira oportunidade que tive, chamei Kristin de canto e lhe fiz uma pergunta: “O que fazer quando você não consegue tomar uma atitude para sair do lugar que te incomoda?”. Kristin sugeriu que eu deixasse de lado o desespero de resolver a situação. Ela me instruiu sentir e me apoiar diante do sofrimento, apenas isso.

Neste momento pensei comigo, “Kristin, veja bem, não faz sentido algum permanecer imóvel. Por que a solução é sentir a dor quando eu já estou sofrendo tanto? Eu vim ao retiro para parar de sofrer”. Eu tentei argumentar com ela que o meu caso era diferente. Ela permaneceu firme nas instruções. “Aff, Kristin”.

Como eu já tinha ido longe demais – literalmente, já que o retiro foi em Washington – resolvi dar uma chance para a autocompaixão. Naquela semana, em vez de gastar a minha energia ponderando as soluções, eu me deixei chorar. Eu senti a dor do que eu estava vivendo. Eu aprendi a me acolher diante desta dor, a validar o que eu sentia.

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Algo surpreendente acontece quando você consegue estar com a dor sem o desespero.

O desespero é aquela sensação que lhe diz que você precisa dar conta do que te aflige, naquele exato momento. O desespero é a urgência em fazer a dor passar.

Se você já teve um machucado, sabe que a dor não passa quando você deseja, mas quando o machucado sara. Não adianta brigar com você mesmo, nem com a dor.

Na verdade, se você se recusar a sentir dor, por exemplo esquecendo o machucado abafado por um curativo, a ferida vai infeccionar, e a dor vai aumentar. Uma hora você vai precisar lidar com o machucado, limpá-lo e cuidar da sua ferida. É um processo dolorido, que fica progressivamente mais fácil até que, eventualmente, cicatriza. As feridas emocionais não são diferentes. Precisamos aceitar a dor sem desespero, para poder entender e cuidar do que machuca.

Saídas claras

Quando Kristin sugeriu que eu me apoiasse diante do sofrimento ela não estava me dizendo para ficar parada. Ela apenas sabia que as saídas ficariam mais claras uma vez que eu conseguisse processar o que eu estava sentindo.

Quando eu me acolhi diante da dor, sem o desespero de fazê-la passar, eu pude me fazer algumas perguntas. Por exemplo:

  • O que é importante para mim e que não está sendo atendido neste momento?
  • Quais são os meus valores e de que forma eu não estou vivendo de acordo com eles?
  • O que é possível, e o que não é possível, modificar?
  • O que esta situação me diz sobre a minha história?

Muitas vezes toleramos situações difíceis simplesmente porque elas nos parecem familiar.

No meu caso, as saídas não eram caminhos fáceis. Em cada escolha havia uma grande renúncia. E, claro, em cada renúncia, uma dor. Mas a dor já não era tão assustadora ao ponto de me paralisar. O caminho ficou mais claro, a dor mais suportável. E eu consegui resolver a minha questão.

Entender as dores e cuidar das nossas feridas é um processo. Mas eu acredito que, do lado de cá, consigo te passar duas ideias e um exercício que podem te auxiliar a se abrir mais para aquilo que você sente. Vem comigo.

A humanidade compartilhada: você não é pior que os seus vizinhos

A humanidade compartilhada é um dos elementos da autocompaixão. Ela consiste no entendimento de que todos nós – sim, todos – sofremos e sentimos dor nesta vida. Todos erramos. Todos perdemos. Todos temos medo da rejeição. Todos nos decepcionamos. Todos deixamos a desejar. Todos temos feridas.

A imperfeição nos iguala. Portanto, se você é imperfeito, significa que é humano. E por humano, leia: igual a todos os mortais, e não diferente ou inferior. Então, sentir dor não significa que você é ruim, ou que a sua vida está completamente fora dos trilhos. Entender a humanidade compartilhada acalma a urgência que sentimos para nos livrar logo deste tal de sofrimento e endireitar a nossa vida. A sua vida não é torta, nem você. As pessoas que você admira também sofrem. Todos precisamos fazer ajustes de tempos em tempos.

Se o sofrimento é um visitante, a humanidade compartilhada é o entendimento de que este cara não bate na sua porta porque você é pior do que seus vizinhos. Todos somos visitados pelo sofrimento. Então, se ele está na sua casa porque tem uma mensagem, convide-o para sentar e escute o que ele tem a dizer.

A intensidade das suas emoções nem sempre reflete a gravidade do seu momento atual

É claro que determinadas situações são extremamente difíceis – por exemplo, a perda de um ente querido. Mas, muitas vezes, a dor que sentimos é desproporcional àquilo que de fato nos acontece. Não é que tenha nada de errado com a sua capacidade de sentir. Vou explicar.

A todo momento nosso cérebro procura entender o que estamos vivendo para nos direcionar da melhor forma. Ou seja, para entender o que te acontece, ele vasculha as informações que ele adquiriu no passado a partir das suas experiências de vida. Com base na sua história, ele faz milhares de suposições simultâneas e pondera as probabilidades de cada uma para entender o que está te acontecendo. Por exemplo, depois de um assalto, o seu cérebro pode interpretar a presença de uma pessoa atrás de você como uma ameaça, e, portanto, produzir o medo para que você fuja.

Ou seja, as emoções são respostas que o seu cérebro dá para as interpretações que ele faz sobre o que está te acontecendo. A função das emoções é te motivar a agir de forma coerente com esta interpretação.

Acontece que as interpretações automáticas que fazemos sobre o mundo nem sempre estão corretas. Por um lado, nosso cérebro tem a tendência a priorizar as informações negativas. Ou seja, eventos adversos têm um impacto mais significativo em nosso estado psicológico do que eventos positivos. Por outro lado, o nosso passado pode nos deixar hipersensíveis às ameaças, por exemplo suscetíveis a interpretar como ameaçador aquilo que não é. Uma pessoa que viveu em um ambiente bastante crítico, pode interpretar situações de exposição social como uma ameaça, por assim dizer. Portanto, é possível que esta pessoa sinta medo, em forma de ansiedade ou até pânico, em situações em que precise expor suas ideias, divulgar o seu trabalho, ou falar em público. A função deste medo intenso é fazer com que esta pessoa evite a exposição, e, portanto, a crítica e desvalorização que viveu no passado.

Mas, imagine que esta pessoa se torne um professor de Harvard e que tenha um público extremamente interessado naquilo que ele escreve. Mesmo não havendo motivo para temer a desvalorização hoje, este professor pode se sentir extremamente nervoso frente ao palco e ao público. Esta é a história é do Chris Germer, uma das maiores referências em mindfulness na prática clínica. Chris superou o medo de falar em público quando aprendeu a apoiar-se diante do desconforto, com autocompaixão.

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Suavizar, acalmar e permitir

Pode ser que as ideias acima tenham te convencido a pelo menos questionar se há mesmo tanta urgência para expulsar a dor. Mas, isso não muda o fato de que é difícil estar com o sofrimento.

Neste sentido, gostaria de dividir com você um exercício pode te ajudar a fazer exatamente isto. Acolher a si mesmo em um momento de angústia. Ele faz parte do Programa de Autocompaixão e Mindfulness, elaborado pela Kristin Neff e Chris Germer, e acontece em cinco etapas.

    • Nomeie o que você sente. Quando reconhecemos aquilo que sentimos, e damos a isso um nome, conseguimos estabelecer uma distância entre nós e as nossas emoções. Como se fossemos, ao mesmo tempo, o ser que sente e o ser que observa aquilo que sente. Pode parecer um papo estranho, mas nomear o que sentimos ajuda acalmar a reação de estresse do nosso corpo. Portanto dê um nome ao seu visitante, por exemplo “eu me sinto ansiosa”, ou então, “estou com raiva”.
    • Perceba como esta emoção impacta o seu corpo. Os nossos pensamentos mudam de forma muito rápida. Portanto, é difícil trabalhar com aquilo que pensamos antes que este pensamento se transforme em outro. Já com o corpo, a coisa é diferente. Portanto, em um momento difícil, escaneie o seu corpo mentalmente e procure desconfortos e pontos de tensão. A ideia é que quando localizamos a emoção no corpo e mudamos a nossa relação com esta sensação, a emoção também começa a mudar.
    • Suavize qualquer desconforto no seu corpo. Fique por um momento de olhos fechados e investigue cada ponto de tensão, ou dor física. Ao perceber um novo ponto, suavize o desconforto por exemplo, soltando os ombros, o maxilar, deixando os músculos relaxarem como se você estivesse entrando em uma banheira morna.
    • Acalme as suas emoções, usando palavras de apoio e conforto. Pode parecer estranho dizer palavras de apoio para si mesmo, mas é simples. Você já faz isto quando acalma um amigo querido ou uma criança. Por exemplo, diga para si mesmo “eu me importo com você e estou aqui”. Ou então apenas “eu estou aqui”. Você também pode colocar uma mão sobre o peito e respirar profundamente sentindo o calor de suas mãos. Imagine uma energia de cuidado fluindo das suas mãos para dentro do seu corpo.
    • Abra espaço para o que você sente. Enquanto você continua suavizando as sensações no corpo e acalmando as emoções, vá abrindo espaço para aquilo que você sente. Deixando que a dor exista em você ao mesmo tempo em que existe o cuidado. Nós, seres humanos, nos sentimos seguros diante da conexão e apoio do outro. O que não sabemos, é que podemos fazer isto por nós mesmos também.

ADRIANA DRULLA (@adrianadrulla) é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

Leia todos os textos da coluna de Adriana Drulla em Vida Simples

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