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5 filosofias de vida que falam sobre o minimalismo (e você nem imaginava)
Couple of Things | Arquivo pessoal
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Neste artigo:

Minimalismo é o movimento consciente e ativo de redução dos bens materiais para melhoria da qualidade de vida. Esta seria minha atual definição do conceito que se transformou em estilo de vida e vem se popularizando neste século.

Por conta de sua ampla propagação, não faltam exemplos estimulantes de pessoas que encontraram virtude no desapego e alertam sobre os danos que o excesso material pode causar. Mas será que para compreender as potencialidades do minimalismo, não há um caminho mais positivo do que negar ou refutar o valor das coisas?

Sou da opinião otimista de que uma mudança de paradigma pode ser mais viável quando, ao invés de deslegitimar os costumes e convenções em prática, se enaltecem os costumes e convenções que se almeja praticar.

Por isso, este mês decidi escrever sobre cinco filosofias de vida que ajudam a compreender o minimalismo por outros pontos de vista, o que me obriga a alterar sutilmente a definição que fiz no começo do texto: minimalismo é o movimento consciente e ativo de valorização dos bens imateriais para melhoria da qualidade de vida.

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Hygge

Hoje não é dia de trabalho e você está em casa. Faz um fim de tarde agradável e calmo. Quase não se escuta nada, com exceção dos pássaros e da leve chuva que começa a cair na copa das árvores. Querendo que este momento dure o maior tempo possível, você pega um pedaço do bolo que acabou de assar e se senta no sofá para apreciar com seu café ou chá. O dia lá fora está mais escuro por conta do nublado e o abajur aceso na mesinha de canto faz o clima ficar ainda mais aconchegante. Pronto… você está praticando o hygge.

Hygge é um conceito dinamarquês sobre a beleza de criar ambientes para viver atos despretensiosos. Em outras palavras, é sobre se permitir viver situações de profunda simplicidade e transformá-las em experiências afetivas, acolhedoras e significativas. Você pode fazer isso sozinho como no exemplo acima, mas também num jantar à luz de velas com a família ou num encontro com as amizades mais íntimas em volta de uma fogueira. Você decide!

A beleza do hygge está no êxito em valorizar o momento presente fazendo algo que nos conforta, com quem nos conforta.

Esse conceito permite que a gente compreenda com mais nitidez o prazer de estar bem através da valorização da intimidade e da contemplação do que nos é essencial – que pode ser bem menos do que se imagina.

Ikigai

Esta filosofia de vida nasceu no arquipélago de Okinawa, no sul do Japão, região conhecida como a Terra dos Imortais, onde há uma das maiores expectativas de vida do planeta.

Basicamente, ikigai é fazer com que seus dias tenham sempre uma motivação que te faça levantar da cama. Mas não pense na realização de um sonho complexo. Motivação não é exclusividade de feitos extraordinários. Então, pense também nas tarefas cotidianas e pequenas conquistas do dia a dia, que apesar de simples são carregadas de significado e valor para você.

Manter a rotina de caminhar no parque mais próximo, fazer o melhor café que você puder, aprender uma tarefa nova, ler um clássico da literatura que você nunca conseguiu, conhecer uma pessoa nova toda semana etc. Tantos podem ser os motivos de fazer nossos dias terem sentido.

Ikigai significa não esquecer de ter uma razão para se estar vivo, porque quando a gente identifica o que gosta de fazer e os motivos que nos enchem de disposição, a gente entende por que vale à pena viver.

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Ubuntu

No fim do apartheid, em 1994, na África do Sul, esta sabedoria de origem zulu contribuiu para a reconstrução de uma identidade sul-africana mais includente e comunitária. Ubuntu significa senso de humanidade, ou seja, a compreensão de que uma pessoa só pode ser o que ela é por pertencer a uma rede formada por outras pessoas.

Trata-se de uma filosofia que fortalece a valorização das teias sociais e da nossa corresponsabilidade em nutri-la e fortificá-la, porque sem humanidade não existimos.

O que mais me encanta nesta sabedoria é a grandeza que se coloca nas pessoas. Ela nos permite compreender que a garantia de uma boa vida depende mais das relações sociais do que das relações materiais – invertendo a lógica da sociedade individualista do consumo.

Wabi sabi

Há séculos atrás, a cerimônia do chá no Japão era uma prestigiada oportunidade para a ostentação de riqueza das classes mais abastadas. Realizada em salas suntuosas, com xícaras e talheres importados da China e muito luxo. Até que um dia, o mestre do chá de um dos chefes guerreiros mais famosos do Japão, começou a questionar se o que atraía as pessoas para estes eventos era o chá em si ou toda parafernália que se encontrava ao entorno. É o começo da sua revolução para fazer esta atividade ser um encontro sobre a contemplação da simplicidade e não do excesso.

Sua cerimônia do chá passou a ser realizada com utensílios artesanais de argila e bambu e em ambientes simples e modestos, e ficou conhecida como “chá wabi” (wabi significa gosto suave). Wabi virou sinônimo de simplicidade e, em tempos atuais, se tornou base para uma filosofia sobre exaltar a essência das experiências e prazeres da vida emancipada de distrações e adições supérfluas. Quanto menos interferência, melhor.

Wabi sabi é uma ideologia filosófica sobre aceitar, respeitar e contemplar a imperfeição das coisas. Significa entender a beleza da genuinidade, das diferenças e da singeleza.

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Yaokwa

Na região noroeste do estado do Mato Grosso vive o povo Enawene Nawe. Para eles, a posse da terra – e de tudo o que nasce dela – não é domínio dos seres humanos. É justamente o contrário. Somos nós que pertencemos à Terra e fazemos cultivo e uso do que ela oferece. A Terra, na verdade, é domínio de seus ancestrais míticos e seres espirituais.

Então, para fazer uso dos recursos naturais, os Enawene Nawe realizam diversos rituais para reverenciar os espíritos e se relacionar com a Terra. E o principal deles é o Yaokwa, um ritual de pesca com duração de sete meses, que inicia nos últimos dias de cheia dos rios e dura todo o período de seca. Nele, um grupo de homens e jovens passam diversas semanas consecutivas pescando numa grande força-tarefa para não mais pescar em larga escala e nem “incomodar” os rios quando estes começam a secar e levarão um tempo para se “regenerar”. É assim que manifestam a consciência de equilíbrio e respeito com o ambiente em que vivem.

Trata-se de um ritual exemplar com uma filosofia de vida de integração das ordens social, ambiental e transcendental. Yaokwa não nos ensina apenas a respeitar o tempo e a sazonalidade das coisas, mas também a entender a abundância e a escassez como fluxo natural da vida. E isso é premissa básica para não exigir e explorar demasiadamente a nós mesmos e o mundo em que vivemos. Afinal, a ideia é perpetuar, e não extinguir.

Além das coisas

O que essas filosofias de vida deixam evidente é que ao dar mais valor às experiências, às relações pessoais e aos sentimentos e sensações – ou seja, aos bens imateriais – proporcionalmente perdem valor os bens materiais. Eles se tornam detalhes secundários ou até irrelevantes na manutenção da nossa satisfação e qualidade de vida.

Assim, adotar uma vida minimalista não significa necessariamente combater a imprescindibilidade de bens materiais, mas compreender a primordialidade do que é imaterial.

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Leo Longo é documentarista minimalista há 8 anos. Vive na estrada para filmar séries ao lado de Diana Boccara, com quem forma o duo Couple of Things. Artista e ativista do minimalismo, escreveu o livro “Mínimo Essencial”. Suas produções estão disponíveis em plataformas como Amazon Prime Video e GloboplayAqui na Vida Simples, o duo escreve sobre como o fazer Arte independente e a vida nômade e minimalista revolucionam sua percepção de mundo.

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