Pare de fugir da solidão
Entenda as crenças negativas sobre a solidão para poder viver em paz consigo mesmo.
Entenda as crenças negativas sobre a solidão para poder viver em paz consigo mesmo.
A solidão é um assunto que rende muitas explicações, teses, poesias e interpretações. O motivo de tanta atenção, talvez seja, principalmente, porque a solidão está presente em todos nós. Nasce com a gente e vai nos acompanhar até o fim da vida. É aquele famoso vazio que sempre sentimos, em alguns momentos mais, em outros menos. Estando só ou acompanhado, na rotina ou na novidade, num estado saudável ou doente… Não importa, ela ininterruptamente nos acompanha.
Saber disso é entender um ponto importante da condição humana, que é o nosso estado de incompletude. E isso não precisa ser visto como algo aterrorizante ou que necessita ser preenchido e, muito menos, que tenha uma conotação negativa. Você já deve ter ouvido “coitadinha, vive só” ou “me dá pena de ver todo mundo em família e ele passeando sozinho” ou “precisa logo arranjar alguém porque senão a vida não faz sentido, é muito triste viver sozinho”. Com relação às conotações machistas/patriarcais, aí a coisa vai além e é de um alto nível de violência: “deve ter algo de errado com ela/ele por ainda estar solteiro (a)”.
Todas essas interpretações, que fazem parte da cultura, acabam moldando o psiquismo. Ou seja, essas crenças entram na cabeça de tal forma que passamos a acreditar que é isso mesmo, que a solidão é um mal, algo terrível, que é motivo para se envergonhar, um inimigo que temos que combater.
Entendendo a solidão
O que as pessoas não entendem é que não há nada de errado com ela. Repito: a solidão faz parte da nossa constituição, não tem como nos livrarmos dela. E por que querer se livrar dela? A partir do momento em que a solidão vai sendo desmistificada, que as significações negativas sobre ela são reinterpretadas, vistas de outra forma, entendidas, em especial, como uma herança do patriarcado, temos a chance de começar a fazer as pazes com ela.
Sentir o vazio é desconfortável, não há nenhuma romantização sobre isso. Porém, quando damos o devido peso à solidão, enxugamos dela todas essas crenças ruins, ela fica num bom tamanho, um tamanho confortável dentro de nós. E senti-la já não tem mais o gosto amargo que tinha antes. Nós somos seres solitários, sim, e não há razão para se envergonhar disso.
O nosso mundo interno abarca muitos sentimentos, emoções, memórias, afetos e lá tem espaço também para a solidão. E quando ficamos em paz com a existência desse vazio – que ‘vivemos com’ e não ‘contra’ e nem fugindo dele -, viver se torna diferente. Por quê? Porque nós ficamos diferentes, o mundo interno se apazigua, porque não há mais julgamentos e ordens internas de ‘tenho que ter alguém para parar de sentir esse vazio terrível’.
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É comum ver quem ganha esse conhecimento sobre a solidão – como algo constitutivo e a desmistificando das conotações negativas – passar a se relacionar de outra forma com as pessoas. Já não aceitam mais amizades ou relacionamentos onde havia maus-tratos, abusos, bullying, desrespeito de qualquer ordem.
Sabemos que, por medo de ficar só e sentir a solidão, muita gente aceita qualquer coisa em sua vida. Por outro lado, quando a solidão é acolhida no nosso interior e não há mais razão para fugir dela, passamos a procurar por relacionamentos de qualidade – e não mais quantidade. E isso não quer dizer que vamos nos tornar pessoas que não têm amigos, esposas, maridos, namorados. Não é isso. Muito pelo contrário, ficamos muito mais abertos para nos relacionarmos, mas, de um outro lugar. Um lugar mais tranquilo, sem a pressão do “não posso ficar só este fim de semana porque isso é errado ou deve ter alguma coisa de errado comigo”.
Em paz com a solidão
Como já foi falado em outras colunas, sem o outro, não somos nada. Precisamos uns dos outros em muitos sentidos. Eu te ajudo agora, você me ajuda em outro momento. Eu aprendo com você, você aprende comigo. Eu estou com você nesse momento difícil da vida e, em outro momento, você está comigo. Você me conta o que sabe, eu te conto o que eu sei. Ou seja, a gente se expande, se enriquece nas relações, aprendemos muito, nos transformamos nessa troca contínua.
Psiquicamente falando, adoecemos se não temos ao nosso lado pessoas com as quais temos vínculos fortes, de muita intimidade. Porém, que esses relacionamentos sejam de qualidade, que tragam calor ao coração. Para isso, a gente precisa estar em dia com a solidão. Precisamos aprender a vê-la e compreendê-la como ela é, como algo que nos constitui. Parar, de uma vez por todas, de vê-la com pesar, como um peso terrível. Viva a solidão, nossa companheira de todas as horas!
Confira todos os textos da coluna de Keila Bis em Vida Simples.
KEILA BIS é psicanalista e jornalista ([email protected]) que adora compartilhar segredos do autoconhecimento para um viver sem neuras. Desmistificar a solidão para viver em paz com ela, é um deles.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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