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Sophie Deram fala sobre o “terrorismo nutricional” na internet
Sophie Deram, autora do livro "Pare de engolir mitos" foi entrevistada pela Vida Simples na Bienal do Livro de 2024, em São Paulo (SP) (Foto: divulgação)
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Diversas regras sobre alimentação são propagadas como verdades absolutas: chocolate dá espinhas, açúcar vicia, precisamos comer a cada três horas e cortar o carboidrato do jantar. Mas em seu livro Pare de engolir mitos, a escritora e nutricionista Sophie Deram desmistifica essas inverdades, mostrando, com bases científicas, que é possível ter uma relação saudável com a comida sem terrorismo nutricional.

Mitos acerca da nutrição não são recentes. Para a especialista, se voltarmos no começo da antiguidade, os humanos já se encantavam por receitas que prometem ser milagrosas ou proibidas. Com a chegada da internet, ficou ainda mais fácil propagar informações falsas sobre alimentação.

Conversamos com Sophie sobre como o terrorismo nutricional é divulgado na web, e de que forma podemos se proteger de dietas baseadas em pseudociência e sensacionalismo.

Por que mitos sobre dietas propagam-se tanto na internet?

A internet não tem regras, e a gente vê que, infelizmente, o que mais funciona são as notícias sensacionalistas, ou as que assustam. Por exemplo, se eu falar “pode consumir açúcar com moderação” ninguém se interessa, mas se eu falo que açúcar mata ou vicia, posso ter um monte de cliques.

Então a internet atrai pelo medo, pelo susto e muito pelo sensacionalismo. Mas o terrorismo nutricional existe muito antes da internet. Encontrei pela primeira vez em 1988, quando eu mudei para Nova York e presenciei uma guerra contra a gordura. Parecia que se você consumisse um pouco de manteiga, você ia ter um infarto na hora. E a gente vê que esse terrorismo alimenta a grande indústria alimentícia, a industria de dieta, a de cirurgias e até a indústria da saúde.

Inclusive, quando você trabalha com ciência, o seu discurso só pode ser moderado, não existe na nutrição isso de oito ou oitenta. Extremistas costumam usar a pseudociência. Os cientistas sempre vão falar dos fatores, informar que a boa saúde depende da idade, do sexo, mas também do estilo de vida. Então, eu acho que a internet provocou uma piora da desinformação, mas a gente tem que lembrar que isso existe desde sempre.

Os conteúdos mais comuns sobre nutrição são sobre comparar calorias. Como você enxerga essa lógica?

O conceito pode ser informacional. Quando compara-se um lanche do McDonald’s com dois pratos de comida cheios, por exemplo, é uma informação que nos leva a concluir o quanto um lanche de fast food pode ser bem energético. Às vezes as pessoas não têm noção disso.

Mas comparar calorias dessa forma não faz sentido porque a caloria não indica a qualidade do alimento. Ela só indica um número de energia que é liberada quando se queima o alimento no laboratório. Mas ninguém queima o alimento quando come, a gente digere. Tem uma parte que vai entrar no nosso corpo e uma parte que vai pela privada.

Então o cálculo de caloria é um dos maiores erros da nutrição. Comparando as calorias, você deixa a pessoa totalmente refém do cálculo, e ela não se escuta mais. Dentro do meu atendimento, trabalhei muito com adolescentes. E não se pode falar para um adolescente não consumir mais McDonald’s ou lanches em geral, porque ele vai perder uma grande parte da vida social. Agora falar para o jovem, “você pode ir naquele fast food com os amigos de vez em quando, mas durante o dia a dia, na rotina, vamos comer mais comida fresca”, pode funcionar muito bem.

Eu acho que o discurso sobre calorias não ajuda a comer melhor, só traz muito controle, cálculo mental para comer. Essas dietas restritas trazem mais preocupação do que tranquilidade. A gente precisa lembrar: comida é informação, e não caloria.

Como a internet pode divulgar informações saudáveis e corretas sem causar terrorismo nutricional?

A internet é um meio excepcional para atingir diretamente uma pessoa. Eu trabalhei muito no laboratório de pesquisa, e quando você é pesquisador e tem uma informação, você vai passar pela mídia, que muitas vezes não está treinada para entender o recado científico. Tem um risco de moderação, e infelizmente uma simplificação da informação que chega ao público.

Vou dar um exemplo que é muito clássico, inclusive está no meu livro. Se eu falar “excesso de açúcar pode aumentar o risco de diabete”, em um discurso simplificado fica “açúcar dá diabete”.

Então a internet chega para permitir você falar diretamente com as pessoas. Por isso que sou uma produtora de conteúdo na internet desde 2012, mais ou menos. Entrei nas redes sociais porque tinha uma blogueira no Instagram muito famosa, que já tinha 500 mil seguidores na época, e falou uma coisa muito tóxica. Ela falou “se você coloca na boca e é gostoso, tem que cuspir”. Eu fiquei pensando “gente, ela tá falando isso para 500 mil pessoas? Então eu vou falar também!”. Eu entrei e expliquei que não é assim que funciona. Foi assim que comecei a falar sobre o tema.

Qual a importância de se consultar com um nutricionista, ao invés de seguir dietas pela internet?

Pela internet, geralmente tudo que é sensacionalista não tem fundamento científico. Então quando você quer trabalhar sobre alguma questão da sua própria saúde, precisa falar com um profissional de saúde. E verifique se ele tem diploma. Não é porque um coach emagreceu que ele vai conseguir emagrecer todo mundo, né? Ele pode ter conseguido um ótimo resultado pessoalmente, mas ele não vira um profissional de saúde capaz de ajudar todo mundo. Então, ter um filtro é a primeira coisa.

Mas a gente não pode negar que tem muitos profissionais promovendo o terrorismo nutricional, trabalhando com pseudociência. Então busque uma indicação, tenha calma quando começar a buscar uma informação. É como você faria para comprar uma coisa importante, você não compraria na hora pela internet sem avaliar. Então busque um profissional com mais prudência. Vale a pena ver o que esse profissional posta na internet, ver se está alinhado com você.

E precisa também ter paciência. Lembre que o seu corpo é seu templo, então não comece a fazer qualquer coisa que no fim irá agredi-lo.

Como identificar bons profissionais de nutrição na internet

Para quem ficou preocupado com a escolha de um profissional de qualidade, no blog da Sophie Deram é possível encontrar um guia prático com dicas que vão te ajudar nessa busca.

O primeiro passo é identificar suas necessidades, seguido por pesquisar as credenciais do nutricionista. Além disso, buscar indicações por meio de médicos e outros profissionais da saúde de sua confiança pode ser uma boa forma de encontrar o seu nutricionista.

Por fim, busque um profissional que esteja respeitando o código de éticas e de conduta do nutricionista, com um atendimento acolhedor e respeitoso. Para saber mais detalhes, confira o guia completo no site da Sophie Deram.

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