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Todos nós possuímos algo que merece ser elogiado
Houcine Ncib
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Patrick Santos convida o leitor de Vida Simples a olhar além da superfície dos conflitos e buscar a bela essência humana que existe no outro. “Até mesmo de um asfalto bruto é possível nascer uma flor. Tudo começa pelo ângulo do qual escolhemos olhar as coisas”, explica. 


Vocês já repararam que existem momentos em que somos arrastados por uma onda mental coletiva que nos apequena, que nos separa de uma natureza mais humana e generosa?

Parece que tudo ao nosso redor se reduz a um grande embate entre os que “são bons” e os que “são maus” cidadãos, entre aqueles que “detêm a verdade” e os que “preconizam a mentira e o ódio”. Em épocas eleitorais então, humm… Fugir dessa visão estreita da vida exige um longo trabalho interno. 

Mas será que somos essa caricatura de seres humanos que a retórica atual quer nos fazer parecer? Será que a única maneira de nos colocarmos neste mundo é escolhendo um lado e ignorando o outro?

Penso que não! Tem algo mais profundo em cada um de nós que não podemos deixar que se apague nunca: a essência humana. Ela também carrega o belo.

E é sobre resgatar essa fagulha divina que nos habita – mas que fomos esquecendo ao longo do tempo por conta de um pensamento mais racional sobre nossa existência – que quero falar com vocês nesta minha coluna de hoje em Vida Simples. Mas, não vou sozinho nessa jornada. Trago comigo hoje um dos seres humanos que ajudaram a levar a um patamar mais alto, a verdadeira alma humana. 

Uma tarde com Khalil Gibran

Na semana passada, ainda atordoado com o nível de hostilidade que tomou conta das redes sociais e dos grupos de WhatsApp em função do processo eleitoral, senti uma necessidade profunda de sutilizar um pouco a vida e buscar outras maneiras de olhar para ela com valores menos beligerantes. Tem momentos em que a única coisa que precisamos fazer é mudar a sintonia.

Passei uma tarde toda com o poeta e filósofo Khalil Gibran (1883 – 1931). Seu livro mais conhecido é o “Profeta” no qual, por meio de imagens, parábolas e melodias de frases, nos envolve numa atmosfera de encantamento irresistível. Posso dizer que é um dos meus livros de cabeceira, mas nesse dia me deixei capturar pelo também belíssimo “As cartas de amor de Khalil Gibran e Mary Haskell“, publicado postumamente. O livro é um compilado de cartas trocadas ao longo de anos com Mary Haskell, o grande amor de sua vida, sobre a experiência humana.

Ao longo de centenas de cartas, Gibran nos mostra o tamanho de sua alma e nos convida a olharmos o outro por uma janela mais generosa.

“Querida Mary, todo mundo possui algo que merece ser elogiado. Elogios significam compreensão. Somos excelentes seres humanos em nosso íntimo, e ninguém é melhor que os outros; aprenda a ver a grandeza de seu próximo, e verá também sua própria grandeza”, nos presenteia Gibran em um dos capítulos sobre amizade.

Fiquei pensando o quanto é importante buscarmos o que há de melhor numa pessoa e dizer isso a ela. Todos nós precisamos desse tipo de estímulo. É uma forma de não nos sentirmos ignorados ou indesejados. Experimente, você também encontrará o melhor de você.

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O positivo primeiro

Às vezes, quando eu recebo algum tipo de elogio por conta de texto ou de um podcast que produzo, me vem à memória o Demétrius, um chefe que eu tive no começo de minha carreira como jornalista na Jovem Pan. Ele me ajudou a enxergar de alguma maneira que até mesmo de um asfalto bruto é possível nascer uma flor. Tudo começa pelo ângulo do qual escolhemos olhar as coisas. Demétrius escolhia o da generosidade. Desconfio que ele já lia Gibran…

Eu era um jovem debutante no universo das reportagens e sempre ao final do dia submetia meus textos a ele. Demétrius, com uma paciência daqueles que já entendiam que a vida é um longo processo em construção, fazia as correções  – e eram tantas – pinçando primeiro alguma observação positiva na minha reportagem para depois, aí sim, canetá-la com sugestões pertinentes. 

É engraçado porque meus textos eram recheados de clichês e frases de efeito sem contexto, numa época em que só pensava ser um Ernest Hemingway. Sempre fui fã do escritor e jornalista americano. Aliás, até hoje continuo mirando um dia alcançar uma escrita com simplicidade e ao mesmo tempo com profundidade de um “O Velho E O Mar”. Acho que precisarei de mais algumas encarnações. 

Mas talvez nessa vida, como nos ensina Gibran, começar trazendo à luz aquilo que temos de mais belo, talvez seja um primeiro passo para uma vida menos binária. Pequenos gestos também mudam o mundo.

O poder do elogio

Dia desses eu e Andreia fomos almoçar em um restaurante que costumamos frequentar aqui perto de casa. Tão logo a atendente chegou à mesa para tirar o pedido, Andreia lhe falou de pronto: “Nossa, que lindo ficou seu cabelo!”. A moça havia feito uma transformação um tanto significativa em seu visual, saindo de um cabelo longo para um mais curto e agora num tom avermelhado.

A atendente retribuiu o elogio com um leve sorriso, mas um sorriso de quem aparentava não estar convencida, tão pouco segura de sua nova condição. Um pequeno silêncio se estabeleceu na mesa enquanto a moça anotava nossos pratos para, logo em seguida, nos “mostrar” o porquê daquele sorriso insosso pós-elogio: “Sinto que ninguém gostou muito do meu novo visual”, desabafou a moça.

Mais um pequeno silêncio se fez notar até que a Andreia, com a capacidade daquelas pessoas que conseguem chegar ao outro primeiro através do coração (isso sempre me encantou nela), só repetiu, mas de uma maneira como se sua fala agora viesse de outro lugar que não a sua mente: “Você está linda, pode acreditar!”. 

Incrível, observador que sempre fui, só deixei meus olhos vagarem pelo salão do restaurante depois que ela tirou o nosso pedido. A atendente visivelmente mudou seu semblante e isso se fazia notar na maneira alegre e prestativa com que se deslocava entre uma mesa e outra atendendo as pessoas. Ela foi tocada por algo que nos conecta a uma camada intrínseca da nossa alma: a verdade.   

O singelo episódio me fez refletir também sobre o efeito multiplicador de ações que nos ajudam a olhar para nossa natureza generosa.

Quem sabe alguém atendido pela mesma garçonete minutos depois não tenha sido capturado também por uma sensação agradável e levado adiante para o seu dia e para outras pessoas. 

Então, quando você se sentir arrastado por essa onda mental coletiva que me referi no início deste texto, lembre-se que não somos tão pequenos quanto querem nos fazer parecer. Se estiver difícil atravessá-la, passe uma tarde com Gibran.


PATRICK SANTOS (@patricksantos.oficial) é jornalista, escritor e apresentador do podcast 45 Do primeiro tempo que semanalmente traz histórias de pessoas que se reinventaram. É autor também do documentário “Pausa”. Depois do sabático em 2018, nunca deixou de se encontrar com Khalil Gibran 

Leia todos os textos da coluna de Patrick Santos na Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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