Precisamos de diagnóstico para receber cuidado?
Em nossa sociedade, a necessidade de patologização das emoções pode esconder os motivos do adoecimento emocional e nos afastar do cuidado um com os outros
Acordei pensando no significado da palavra cura, que para Winnicott perpassa o próprio cuidado, diante da necessidade dele.
Fazemos parte de uma cultura que patologiza sentimentos humanos, que só autoriza que se sofra e só permite cuidado quando há um diagnóstico, um CID para as nossas questões pessoais, de forma que ninguém olhe para as questões estruturais que causam nosso adoecimento.
Sentimentos sem diagnóstico também são válidos
Uma vez que não conseguimos cuidado a partir da não-legitimação do sofrimento, vamos procurar legitimá-lo a todo custo. Mas é importante considerar que as definições de normal e patológico mudam no tempo e na história.
Em última instância, são decisões políticas que refletem o tempo em que são tomadas, também refletem o interesse do grupo que é permitido tomá-las.
Estava no carro ouvindo uma canção destes sertanejos universitários, que dizia que o “Seu sorriso ativou o meu TDAH“. Acho que esse é um ótimo exemplo de como aprendemos a patologizar sentimentos humanos difíceis e também reações justas e esperadas a determinados contextos.
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Devemos debater os motivos que levam ao adoecimento
Numa época de rostos harmonizados e assépticos, sem rugas, pelos ou poros, de corpos crescidos por hormônios, por bisturis e filtros, será que há mesmo interesse de que acessemos nossos contextos, que entendamos as questões da estrutura social em que estamos envoltos?
Será que precisaríamos de antidepressivos se nosso contexto fosse de menos sobrecarga, descaso, desigualdade? Enfim, será que diríamos que “nosso TDAH atacou” se estivéssemos num mundo em que não precisamos de diagnóstico para sentir algo e esse algo ser legitimado como importante ou válido?
Longe de mim questionar o sofrimento, o sentimento e os sintomas. Mas acho importante questionar a patologização rápida e rasa. Bem como a autorização para o acolhimento de uma pessoa somente quando há um laudo.
Que possamos ser cuidadosos uns pelos outros sem que nos agarremos e tornemos nossa dor, identidade.
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