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Este texto é para todos que buscam por mais produtividade
Dillon Shook
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Neste artigo:

A constante busca por mais produtividade está adoecendo as pessoas. No cenário frenético da vida moderna, recorro a um pensamento de Guimarães Rosa para refletir sobre algo que venho notando nesses tempos pós-pandêmicos. As pessoas estão querendo ser produtivas até em seu tempo livre. Esse fenômeno pode sinalizar a razão por trás da avalanche de doenças mentais que tem tomado conta de nossa sociedade.

Levantamentos recentes mostram que nunca tantas pessoas foram afastadas do trabalho por depressão, burnout e ansiedade como nesses últimos três anos. Penso que estamos querendo fazer mais e mais coisas sem nos darmos conta do sentido do que nos move e o que é pior: chegamos ao ponto de agora cultuar até mesmo a produtividade em nosso “tempo livre”.

“Ando com fome de coisas sólidas e com ânsia de viver só o essencial. Pessoalmente chega um momento na vida da gente em que o único dever é lutar ferozmente por introduzir, no tempo de cada dia, o máximo de eternidade…”.

A frase acima, do famoso autor mineiro, foi extraída de uma carta enviada por ele a um amigo numa fase de sua vida em que o tempo lhe pedia outros entendimentos e direções. Um dos grandes nomes da nossa literatura já intuía que a beleza da vida não é alcançada quando não há mais nada a ser incluída nela. A beleza da vida é alcançada quando nos damos conta de que não precisamos retirar mais nada dela.

Mais produtividade: por que queremos tirar proveito em tudo?

Que o sistema capitalista sempre esteve disposto a cultuar a produtividade pessoal não é novidade para ninguém. Com o avanço da tecnologia, que hoje nos permite fazer mais coisas em menos minutos, também aceleramos tudo numa velocidade jamais vista, o que nos dá a impressão de que podemos aproveitar muito mais dos nossos dias.

O problema é que não nos damos conta de que estamos sendo engolidos pelos ponteiros do relógio ao invés de darmos o ritmo a eles. Transformamos a vida numa grande corrida de 100 metros.

Vocês já repararam como estamos tentando tirar o máximo de proveito em tudo? Criação artística, cursos de todas tipos e formas, aulas de pilates, aulas de panificação doméstica, gastronomia e tantas outras coisas… O minuto é espremido ao máximo e a vida se encurta. E pior, a infelicidade continua.

É como aquela clássica cena do hamster, na qual o ratinho corre feito louco dentro de uma roda se esforçando ao máximo sem conseguir sair do mesmo lugar. Estamos assim ultimamente.

Antes de prosseguir, quero deixar claro que não tem nada de ruim em se formar, adquirir habilidades e novos conhecimentos. Eu mesmo adoro buscar novas formações e vivências. O problema, a meu ver, está na lógica que nos move.

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Precisamos de descanso para evitar o adoecimento

Nesses tempos em que tudo está conectado, em que o passear pelas redes sociais nos sequestra por mais e mais tempo, as pessoas se veem impelidas a construir constantemente uma imagem. A tal da busca pela “marca pessoal” visa sempre adquirir uma imagem de sucesso, de se adaptar às exigências do mercado em todos os aspectos da vida.

Dessa maneira, partimos em busca do novo curso na internet para falar em público e gerar impacto, selecionamos as melhores fotos no Instagram do crepúsculo na praia, as horas fitness para exibir uma imagem atrativa e por vai… O problema é que a infelicidade continua. O ratinho permanece tentando acelerar a roda. Tudo em vão!

Durante as entrevistas com convidados em meu podcast, o 45 do primeiro tempo, tem sido cada vez mais recorrente ouvir pessoas que passaram por problemas emocionais em suas vidas. Elas acabaram se dando conta de um fato importante:

O foco na produtividade constante não resulta em uma produtividade efetiva maior e, consequentemente, numa vida melhor.

Todos nós temos limites e precisamos de descansos corporais e mentais.

Ser produtivo até no tempo livre: o perigo de dar “função” ao ócio

Desde que deixei o mundo corporativo há alguns anos para tirar um sabático, uma prática recorrente em meus finais de tarde é dar um passada, sempre que possível, num pequeno parque aqui ao lado de casa. Quando o meu processo criativo está me escapando, quando sinto uma irritação no meu comportamento maior do que normal, sei que hora de me jogar na grama e respirar um pouco, deixando os olhos descansarem com o balanço dos galhos das árvores.

Dia desses, deixei meu lado observador vagar por alguns minutos pelas pessoas ao meu redor pelo parque. Foi interessante observar – e isso também me motivou inclusive a querer escrever esta reflexão – como hoje estamos dando uma espécie de “função ao ócio” até mesmo nos lugares que nos chamam ao relaxamento e à contemplação.

Observei algumas pessoas completamente imersas em seus celulares de maneira que o pescoço criava uma alavanca que não permitia um olhar ao redor. Outras caminhavam com seus fones coloridos com a cara no videochamada ignorando o piar dos pássaros, o desabrochar de uma flor, o degradê do verde. Tive, inclusive, a impressão de que uma delas fazia uma reunião em cujo tom da voz ganhava ênfase à medida que o seu passo acelerava.

Passos, aliás, quase sempre calçados por tênis. Fiquei pensando que desperdício não caminhar descalço, deixar os pés tocarem a grama, a terra, se conectar um pouco com natureza, ainda mais nas grandes cidades em que o verde anda cada vez mais escasso.

Realmente, estamos obcecados em fazer tudo, mesmo quando não precisamos fazer nada…

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