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A paternidade e o fantasma do afeto: sentir não é coisa de homem?
Juliane Liebermann
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Em 2022, o que pode ameaçar um homem? Você pode pensar em câncer de próstata, doenças cardíacas, violência. Meu diagnóstico, porém, é que poucas coisas ameaçam tanto um homem quanto o afeto. 

Isso mesmo, você leu bem. O afeto é uma assustadora ameaça para o homem educado no modelão machista vigente.

Dia desses, caminhava pela rua abraçado ao meu filho. Dezessete anos e um metro e oitenta de altura. Éramos dois homens abraçados. E lembrei de uma história arrasadora: há alguns anos, pai e filho foram espancados em um centro comercial, porque caminhavam abraçados. Confundidos com um casal homoafetivo, outros homens viram nesta conclusão motivos suficientes para agredir dois homens que andavam abraçados. 

A demonstração de afeto ameaça. Sejam eles namorados, amigos ou simplesmente pai e filho.

Assusta o afeto que abraça. Aquele do toque que acalma, do olhar que acolhe, da escuta que envolve. Do cuidado que salva. O afeto da alma, que vem lá de dentro e transborda, derramando sua cachoeira abundante de bênçãos. Um bem maior que afeta esse afeto, a todos. Quem doa e quem recebe. 

E apesar da riqueza contida nesse universo de afagos, ainda assim, somos educados, todos nós, os guris, a não sentir. Porque sentir não é coisa de homem.

Homem engole o choro.

Homem não sofre.

Homem não se arrepia!

Tudo isso é fraqueza, frescura. E nós somos o quê? Fortes! Machos!

Resolvemos tudo na base da cerveja e de um tapa bem dado nas costas enquanto bradamos “deixa de ser mulherzinha!”.

E assim, meus caros, uma geração de homens ameaçados pelo afeto me leva a vislumbrar uma causa provável para os números sufocantes do abandono paterno no Brasil.

Pense comigo: se o afeto e o sentir não nos pertencem, ato contínuo, o cuidar também não nos diz respeito. 

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A questão é que o cuidar é a base da paternidade. O afeto, seu recheio. Não vejo possibilidade de seguir em frente sem estes ingredientes. O bolo “batuma”. O coração azeda.

E assim, temos 20 milhões de mães solo no Brasil. Você ou sua prima, uma amiga ou a vizinha. Um terço das mães no país, conforme dados de 2018 do Data Popular. Porque, afinal, é muito natural um homem sair de fininho após engravidar uma mulher. “Não foi culpa minha” ou o abominável “Ela que não se cuidou” são velhos conhecidos das mulheres brasileiras.

Você sabe, muitos homens vinculam qualquer tema a sua masculinidade. Das piores formas possíveis. O afeto e o cuidar não passariam ilesos.

Por exemplo: enquanto o homem sentir que sua masculinidade está ameaçada por faltar ao futebol para cuidar de seu filho, acreditar que reunião da escola é coisa de mãe e que abraçar e beijar seu filho vai amolecer o moleque, bem, enquanto isso tudo acontecer, sinto muito, a tal da masculinidade seguirá bastante frágil. Ou seja, homens mundo afora seguirão usando desculpas machistas para não assumir seu papel de pai.

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Porque uma coisa não se dissocia da outra: masculinidades, afeto e paternidade estão tatuadas umas às outras. A diferença está em como lidamos com essa engrenagem. Por isso, é urgente abandonar modelos cheirando a mofo para que o homem sinta a vida com todas as tintas que ela tem. Ganha um paladar que desconhecia, sente aromas que ignorava. A vida ganha um novo sabor

E nesta vida em que a masculinidade não está desvinculada do afeto, nem se sente ameaçada por ele, é que um homem consegue exercer plenamente seu papel de pai.

Dessa constatação, nasce um mantra: se você tem um filho, seja pai!

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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