Quem tem medo da compaixão? Aprenda a praticá-la com si mesmo
A compaixão é uma competência e seu cérebro é um músculo, é possível exercitá-la. Na pior das hipóteses, sua dor não desaparecerá, mas será acolhida.
A compaixão é uma competência e seu cérebro é um músculo, é possível exercitá-la. Na pior das hipóteses, sua dor não desaparecerá, mas será acolhida e aliviada.
A comunidade científica tem sido unânime: a compaixão assume um papel protetor na saúde mental e emocional dos indivíduos. Já o medo de ser compassivo pode aumentar a vulnerabilidade ao sofrimento psicossocial e enfraquecer a nossa capacidade de lidar com os desafios.
Pessoas com depressão, ansiedade e outros transtornos emocionais, partilham entre si a dificuldade ou incapacidade em tranquilizar o seu Sistema Nervoso. No entanto, uma forma eficaz de regular nosso Sistema de Ameaça é precisamente… a compassividade.
Entenda: quanto mais medo você tiver de ser compassivo em relação a si, maior será o impacto das emoções difíceis na sua vida. Da mesma forma, o medo em receber compaixão por parte de outras pessoas, torna-se um fator de isolamento, desconexão e vazio existencial.
Afinal, o que é a compaixão?
A compaixão é a capacidade de compreender o estado emocional de outra pessoa e de si mesmo. É através dela que conseguimos dar resposta adequada ao sofrimento, aliviando-o de forma gentil, empática e flexível.
Trago boas e más notícias. A compaixão é, em si, uma competência. Logo, como qualquer outra competência humana (escrever, andar de bicicleta, cozinhar)… aprende-se. A boa notícia é que se é uma competência, você estará sempre a tempo de a adquirir. A má notícia é que você pode fazer parte do grupo de pessoas que não teve modelos compassivos ao longo do seu crescimento.
Quando não temos exemplos de como sermos gentis e amorosos com as dificuldades e imperfeições – nossas e dos outros – podemos temer fazê-lo. Isso mesmo.
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Por que temos medo de ser compassivos?
Eu sei que parece não fazer grande sentido ter medo da compaixão. Se ela é uma competência fundamental para aliviar o sofrimento humano, por que achá-la perigosa?
Em primeiro lugar, aqueles que nunca a vivenciaram irão certamente temê-la. De fato, temos a tendência natural para temer aquilo que não conhecemos. É justamente por essa razão que tantos de nós se mantêm em situações destrutivas, tóxicas ou limitantes. Podem ser contextos desconfortáveis e dolorosos, mas, pelo menos, nos são familiares.
A gente foge da mudança, como as gazelas dos leões. Mesmo que a mudança em causa nos possibilite cuidar melhor do nosso sofrimento.
Veja: pessoas que passaram por experiências emocionais intensas ou traumáticas sem ter experienciado uma resposta compassiva adequada, podem acreditar que não a merecem.
Outro motivo pelo qual as pessoas podem temer a compaixão está ligado ao seu autoconceito. Se você se avalia como uma pessoa inadequada ou insuficiente, pode ter aprendido que a crítica é o único caminho para lidar consigo. De fato, a punição dos erros parece-nos sempre mais eficaz do que o seu acolhimento. Isso pode levar à crença de que não podemos ou não devemos ser compassivos com nossas imperfeições.
Uma outra razão é o próprio julgamento que fazemos da compaixão em si. É comum acreditarmos que ser compassivo é sinônimo de fraqueza ou indolência.
Em contextos mais extremos, em que os indivíduos viveram abuso ou negligência na relação com os seus cuidadores, a compaixão não tem espaço. Quem vivenciou qualquer tipo de violência continuada ao longo da sua infância, dispõe de uma mente em constante modo sobrevivência.
Se você se identifica com essa situação, saiba que na prática isso significa que você vive com o seu Sistema de Alerta sempre ligado. E viver em modo defesa é antagônico ao modo compassivo. Em outras palavras, seu cérebro está usando mecanismos de luta, fuga ou congelamento (presentes em comportamentos de autocrítica, isolamento ou ruminação, por exemplo). E se assim é, você não dispõe da calma e segurança necessárias para se abrir à prática de compaixão com seu desconforto.
Seja qual for a sua história de vida: não desista de se amar
Ainda que a nossa Biografia Emocional condicione muitas das nossas respostas automáticas à dor, todos nascemos naturalmente abertos à compaixão. Faz parte da nossa natureza social e afetiva. Para lhe explicar, vou contar-lhe uma fábula, atribuída a Esopo.
Um dia, um escorpião estava tentando atravessar um rio muito veloz e de águas violentas. Não conseguindo fazê-lo sozinho, pede ajuda a uma rã. A rã diz que não o pode ajudar, pois teme que o escorpião a mate. Prontamente, o escorpião responde que o medo da rã não tem lógica, pois se o fizesse, além de a matar, se afogariam. A rã, acreditando no argumento lógico do escorpião, ajuda-o a fazer a travessia, permitindo que ele suba para suas costas. Contudo, no meio do rio, o escorpião pica a rã. Esta, ao sentir a picada, pergunta-lhe onde está a lógica do seu comportamento. E ele responde “eu sei que não tem lógica, mas essa é a minha natureza”.
Sabe o que o diferencia do escorpião? A sua consciência. Automaticamente, você pode estar “habituado” a se atacar, perseguir ou criticar. Mas, você pode escolher.
É a consciência que lhe permitirá tomar a decisão intencional e menos automáticas de se cuidar com mais gentileza. Mesmo que não tenha tido modelos, procure-os. Mesmo que tema não receber conforto e suporte porque foi isso que aconteceu no seu passado, não se sabote. Você pode não ter escolhido o seu começo, mas se responsabilize por escrever um novo presente e futuro.
Treine sua gentileza. Procure trazer para seu grupo de suporte pessoas que saibam fazê-lo. Pratique. Se a compaixão é uma competência e se seu cérebro é um músculo, predisponha-se a exercitar o afeto com sua dor. Na pior das hipóteses, sua dor não desaparecerá, mas será acolhida e aliviada, num ambiente de respeito, calor e cuidado. Então, vendo bem, na pior das hipóteses ser compassivo, o transformará numa pessoa melhor. Creio que valerá a pena o esforço e risco, certo?
MÁRCIA INÊS COELHO é terapeuta e especialista em inteligência emocional. Ensina pessoas e grupos a gerir suas emoções, a reconstruir a sua autoestima e a conectar-se com uma vida mais livre, leve e autêntica. Compartilha diariamente os seus textos e conteúdos de educação emocional em seu perfil no Instagram (@marciainescoelho).
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