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Valorize o que importa
Ditto Bowo
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“A vida é uma dança cósmica.” Desde que essa visão pintada por Ailton Krenak, pensador e líder indígena, natural do Vale do Rio Doce, Minas Gerais, se apresentou para mim, tenho bailado com ela por todos os cômodos da casa. De dia e de noite. Não nos largamos mais. Espero que aconteça o mesmo com você, que aceitou esse convite para refletir sobre a preciosidade do viver. Quero imaginar que, se alguém está distraído, cansado, amedrontado, perdido ou equivocado sobre o valor da existência, ao ouvir “Ei, a vida é uma dança cósmica”, essa pessoa escute o estrondo de uma nova consciência que acaba de emergir, como se uma imensa porta se abrisse num único e preciso empurrão. 

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O autor de Ideias para Adiar o Fim do Mundo (Companhia das Letras), que lançou em agosto, pela mesma editora, A Vida Não é Útil, há décadas nos alerta sobre o perigoso esvaziamento do sentido da vida na sociedade de consumo. Em meio à bruma que nos engoliu, ele aponta, perdemos de vista o sagrado dessa experiência misteriosa e transcendente que nos atravessa, porque está em tudo. Ao telefone, Ailton, como prefere ser chamado, contou ter ouvido por aqueles dias uma fala do rabino Nilton Bonder, que fazia a seguinte contextualização histórica: “Em todas as épocas, sempre houve povos, pessoas, tanto na experiência pessoal quanto coletiva, que vivem a escolha de celebrar a vida com respeito e reverência.”

Em seguida, o indígena traçou uma ponte com o hoje. “A experiência contemporânea é muito evasiva. Tem uma espécie de convocação para esse mundo perturbado, essa fissura da vida cotidiana como uma coisa sem valor, uma dissipação”, lamenta. Seu povo, que vive na Aldeia Krenak, reserva de 4 mil hectares localizada no médio Rio Doce, sente diariamente o golpe mortífero deflagrado, em 2015, pelo rompimento da barragem de rejeitos de mineração no município de Mariana. Desde então, o Rio Doce, que era vida, virou morte. Desse lugar de luto pelo maior crime ambiental da história brasileira, Ailton nos chacoalha quando lembra que a vida não é utilitária. Ao contrário: é um dom para ser fruído, ser celebrado a cada manhã

A possibilidade de dominar e controlar a vida, segundo interesses oportunistas que levam ao comportamento predatório, não encontra respaldo na cosmovisão dos povos originários. Isso, aliás, seria uma traição à própria vida, que generosamente nos ampara. Para as populações nativas, a força vital não depende da gente, já que sempre nos extrapola, de tão magnânima. “É uma alegria constatar isso, porque acalma o nosso ser”, reflete o indígena.

 

Ailton nos chacoalha quando lembra que a vida não é utilitária. Ao contrário: é um dom para ser fruído, ser celebrado a cada manhã

Estar vivo é bem-aventurança

Ailton traz o ser para a conversa. Algo em mim imediatamente se tranquiliza, talvez por ressonância. Não poderia ser diferente, já que o chamado para escutar o que verdadeiramente importa só pode ser ouvido pela parte em nós que se dedica ao cultivo da vida interior como bússola para honrarmos nossa efêmera passagem pela Terra. 

“Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, para que nossas experiências de vida tenham ressonância no interior do nosso ser, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos”, escreveu o mitólogo Joseph Campbell na obra O Poder do Mito (Palas Athena). A sensação de ser guiado por um propósito maior, que nos preenche e nos conecta à vida que pulsa em nós e nos demais seres que habitam este planeta, com certeza está aí, quem sabe, encolhida. A qualquer momento, ela pode se levantar, junto com a vontade de criar o que faz bem. O que pode ser mais importante do que aproveitar nossos dias para gerar mais vida a partir da nossa vida? 

Por isso, procurei Patrícia Pinna Bernardo, psicóloga junguiana e arteterapeuta. Ela vive entre símbolos e cores e, desse universo palpitante, esclarece que o estado de enlevo, ao qual Campbell se refere, se manifesta quando conseguimos silenciar o externo por meio de práticas de centramento ou expressivas. E que nos ajudam a nos alinhar à nossa essência e, então, criar o que quer que seja significativo em nossas vidas. Mas, para que possamos compartilhar com o mundo nossos dons e talentos genuínos, temos de nos dispor a percorrer uma certa estrada. “Precisamos nos despojar do desejo de hegemonia do ego, de ‘agradar’ aos outros o tempo todo, para podermos viver a nossa vida de forma autêntica, nos colocando a serviço do Todo, deixando o ego a serviço do Self, como nos ensinou o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl G.Jung. Nessa perspectiva, o que é bom para nós só é bom se também o for para todos os envolvidos”, explica Patrícia. 

Para ela, nunca foi tão urgente cultivar a vida interior. E, assim, atingir o núcleo da existência, onde o que é valioso se revela, embora a qualquer tempo isso seja necessário. “Esse olhar para dentro corresponde a se enxergar no espelho da alma, e daí ter a noção do quanto a vida que se está ou estava levando reflete os nossos anseios mais profundos, podendo avaliar se nos traz o sentimento de autorrealização”, diz. Como Jung afirmou: “Numa análise final, só valemos alguma coisa por causa do essencial que personificamos, e se não personificarmos isso, a vida será desperdiçada”. 

“Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, para que nossas experiências de vida tenham ressonância no interior do nosso ser, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos”, escreveu o mitólogo Joseph Campbell.

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Uma vida com as suas digitais

Desperdiçar vida? Jamais, responderia Eliana Rigol, criadora do @MaternityLivre. A gaúcha, que escolheu se lançar no mundo à sua própria maneira, não perde tempo mentindo para si mesma ou vivendo a vida que os outros acham que ela deveria viver. Não será nessa encarnação que ela se perderá da sua alma. Isso foi decretado quando sentiu que deveria abandonar a bem-sucedida carreira de advogada para conhecer outras culturas, sem qualquer garantia de segurança, estabilidade, felicidade. Num bate-papo por vídeo, em que pude sentir os estalos de eletricidade que a serpenteiam, Eliana deixou claro que seu olhar está na soma de experiências que possam expandir o seu ser.

Sua alma cigana a leva aos quatro ventos, costurando na mente inquieta e curiosa mitologia, literatura, filosofia, psicologia, arte, espiritualidade. E, no coração, o sentimento de que esta vida gestada por ela mesma é a única que reflete a sua verdade. Eliana é daquelas que intuem o destino a rumar, os processos a viver, toma providências e segue em seu contínuo desbravar. Morou no Canadá, onde pariu dois filhos, e agora vive com a família em Lisboa. Talvez volte para o Canadá. Não sabe. E tudo bem. “A impermanência é tudo o que há”, se apazigua. Enquanto isso, viaja, fotografa, escreve livros – já publicou dois: Moscas no Labirinto (Pérgamus) e Afeto Revolution (Zouk) – e auxilia mulheres mundo afora a se ouvir e se mover com intuição e coragem. Esse processo se dá por meio da Jornada da Heroína, encontro online de duas horas, baseado na biografia da mulher e com foco no tema que ela deseja clarear. Como define a mentora, trata-se de uma pausa para recuperar saberes ancestrais, enxergar amarras, compreender as próprias forças e agir. Enfim, parir quem se é, valorizar o que importa para seguir. “Ajudo as pessoas e elas me ajudam. Estou entregue ao mistério”, confessa, harmonizada com seus medos. 

Para Eliana, o contrário da vida não é a morte, mas o medo. Ela entende que, por não nos sentirmos seguros na espiral da existência, nos agarramos à necessidade de conforto excessivo. Consequentemente, não só sufocamos em nós a possibilidade de viver uma vida autêntica, como também impingimos sofrimento ao planeta, encarregado de nos saciar a qualquer custo. “Aprendi que abundância é ter o que tu precisa na hora que tu precisa. Abundância não é guardar. Compreender isso foi uma limpeza de lente. Se tu é um doador de vida, amor, alegria, o Universo irá retribuir de um jeito muito rico”, ela acredita. 

Fé na vida é o que pulsa nessa fala. Aliás, não há outra forma de andar que nos fortaleça mais. Claro, cientes de que só devemos levar adiante o que nos cabe, e não uma mochila abarrotada de expectativas alheias. Assim podemos fazer um pacto de honestidade com nós mesmos e admitir se nossas escolhas ressoam em nosso coração ou apenas atendem à nossa vaidade ou carência, projetando imagens para nos sentirmos aceitos, amados e importantes. “Cada um é único no Universo. Somos sagrados. Tudo é sagrado. E quem reconhece isso é o coração, de onde brota a espiritualidade do amor e da verdade”, filosofa Eliana. 

Patrícia Pinna Bernardo faz coro. “Quando somos fiéis à nossa verdade, agindo com o coração, a sensação é de satisfação por estarmos no lugar certo, com as pessoas certas, fazendo a coisa certa.” As duas concordam que a autorização para a autenticidade só pode vir de nós mesmos. Jamais chega de fora. E, nesse percurso, além do medo de atravessar rupturas, finais que geram começos, provavelmente teremos que encarar também a culpa por fazer diferente dos que vieram antes de nós. 

Você pode se perguntar: apesar dos nossos esforços conscientes, quão livres podemos ser numa sociedade domesticada? Antes de tudo, é preciso resistir. Não se adequar a um mundo aos pedaços. E isso só é possível se tivermos maturidade para sustentar nossas condições de florescimento. “Liberdade pressupõe limites. E saber colocar e respeitar limites saudáveis é fundamental para o exercício da nossa liberdade”, ensina Patrícia. 

Claro, cientes de que só devemos levar adiante o que nos cabe, e não uma mochila abarrotada de expectativas alheias. Assim podemos fazer um pacto de honestidade com nós mesmos e admitir se nossas escolhas ressoam em nosso coração ou apenas atendem à nossa vaidade ou carência, projetando imagens para nos sentirmos aceitos, amados e importantes.

Pensar, sentir e fazer

Cercada por vozes tão potentes, fui invadida pela utopia que há tempos não me visitava. Então, conjecturei: e se fôssemos ensinados desde cedo a dedicar nossas melhores energias ao que verdadeiramente importa, desabrochar o nosso ser, “pisando suavemente na Terra”, como propõe Ailton Krenak? Encontrei uma viela que me levou nessa direção ao me deparar com a vida e a obra de um indiano que, na infância, atendeu ao chamado da sua essência, uma convocação para servir ao planeta. Estou falando de Satish Kumar. 

Aos 9 anos de idade, o ativista pela paz e pelo meio ambiente, autor de Solo, Alma, Sociedade: Uma Nova Trindade para o Nosso Tempo e Simplicidade Elegante (ambos pela Palas Athena), deixou a família para viver com monges jainistas, onde se aprofundou na jornada espiritual. Na juventude, ouviu um novo chamado. Foi quando se afastou da vida monástica para seguir os ensinamentos de Gandhi e trabalhar pela reforma agrária por toda a Índia. Nos anos 1960, a defesa da vida fez com que ele atravessasse diversos países a pé em protesto pacífico contra as armas nucleares. 

Em seus escritos, cursos e conferências, o fundador do Schumacher College, centro de educação holística, situado na Inglaterra, defende uma educação calcada no tripé cabeça, coração e mãos. Um jeito de “adubar” pessoas que substitui o pragmatismo utilitarista pelo aprofundamento da experiência humana na Terra. 

“O significado da palavra educação é trazer para fora o que já existe, o potencial de cada aluno. Cada alma tem sua própria inteligência inata. O conhecimento e a sabedoria são intrínsecos à alma. Cada semente, por exemplo, contém sua própria árvore potencial”, ele escreve em Solo, Alma, Sociedade. É por isso que Satish Kumar sugere salas de aula ao ar livre, em campos abertos e florestas. Assim, acredita, fica mais fácil “abrir nossos corações e mentes ao mistério, à magia e à majestade do mundo natural”, do qual somos parte. 

Saber viver, para o indiano, passa por atitudes simples, porém desprezadas pelo estilo de vida nos centros urbanos. Plantar hortas, ser capaz de distinguir um ipê de uma quaresmeira, fazer pão, erguer uma casa, respeitar as pessoas, zelar pelos ecossistemas. “A educação perdeu o senso de integridade, mas deve trabalhar com a cabeça, o coração e as mãos, desenvolvendo o poder de pensar, sentir e fazer”, vislumbra. 

Nesse tipo de escola, encontraríamos espaço, incentivo e acolhimento para descobrirmos quem somos de verdade e nos tornarmos efetivamente essa pessoa. Um ser humano saudável, que sabe cuidar da dádiva que é estar vivo ao lado de uma pluralidade estonteante de vida. Sim, essas escolas são raras. Aparecem aqui e ali como luzinhas de esperança para as novas gerações. Entretanto, podem inspirar um frutífero processo de autoeducação. Adultos buscando por livre vontade equilibrar cabeça, coração e mãos, comprometidos com virem a ser a promessa contida na semente que um dia foram, conforme os desígnios da natureza. Com certeza, essa disposição só pode “elevar a vibração do mundo”, como diz Eliana Rigol. Está aí um belo projeto para dias tão carentes de sentido.

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