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Abra-se para o novo
Alex Geerts foto de um piso de madeira com pés vestidos com meias, um caderno sem pauta, uma abóbora e folhas secas. vida
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O que ainda não existe, mas pode vir a ser, deveria nos intrigar muito mais do que nos ameaçar. Porém, tempos de grande instabilidade na vida vêm para agitar as placas tectônicas do cotidiano. O que estava por um fio vai ou não  desabar?  Com  os  cacos  inventaremos algo novo? Como podemos compor com o momento em vez de resistir a ele? Há muito a ser rearranjado. Queiramos ou não, cenários inesperados nos colocam face a face com a mudança. Se até aqui adiamos esse enfrentamento por comodismo, medo ou distração, agora parece impossível desviar os olhos daquilo que implora para ser diferente. 

Então, vamos pedir ajuda à claridade. Na medula da crise que nos sacode de cima a baixo, quantas coisas passaram a ser vistas sob novas luzes? Hum, isso aqui pode ser revitalizado; aquilo lá, criado do zero. Aliás, o momento pede por isso. “Aqui está um tempo possível para descobertas. Se a gente tiver um tiquinho de coragem e aprender a sustentar o silêncio, talvez dê para escutar algumas notas de uma possível nova melodia”, escreve a psicanalista Maria Homem no livro Lupa  da Alma – Quarentena-Revelação (Todavia). 

Ultimamente, você sentiu um vento fresco arrepiar a nuca? Pode reparar. Existe um impulso coletivo nos encorajando a abrir novas trilhas a partir das circunstâncias que se impuseram como num filme de ficção científica na vida de cada um de nós. Ninguém  queria,  ninguém  jamais  quererá cruzar o inferno, mas, sem romantizar a situação, quem sabe, do outro lado das provações algo de bom possa brotar… Afinal de contas, contrariedades podem apontar possibilidades que a gente nem imaginaria, não fosse a vida nos colocar diante delas, não é mesmo? 

Em  pleno  turbilhão  pandêmico,  quantas pessoas foram tragadas por reflexões inadiáveis e, finalmente, decidiram se continuarem casadas ou se seguiram sozinhas, se permanecerem na cidade ou rumariam para o campo, para a praia ou para as montanhas. Até se deixariam os cabelos livres das tinturas e, portanto, naturalmente banhados pela luz prateada do envelhecer. Como a existência pode ser mais significativa, confortável, gratificante? Justa para nós e para o planeta? Os últimos tempos deram a essa pergunta uma densidade inédita, mostrando que ela tem o poder de uma fagulha na palha seca. 

Aceitação para mudar

Essas histórias dão um comichão para experimentarmos o novo, já que tanta coisa mudou em tão pouco tempo no mundo. Para começar, podemos investigar quais são os padrões que se repetem na nossa biografia. Formas de pensar e agir às quais, muitas vezes, nos apegamos como se não houvesse outra existência possível fora desses moldes. Pode ser um jeito de responder às adversidades, gerenciar as finanças, se relacionar ou se avaliar perante o espelho. Se isso apequena nossos dias em vez de expandi-los, muito provavelmente está barrando a passagem para oportunidades mais pulsantes e alinhadas à bagagem que, certamente, já amealhamos. 

“A gente se apega demais ao conhecido, à pessoa que nos tornamos, ao nosso modo de vida. E, quando resistimos à mudança, à nossa natureza evolutiva, nos fechamos para os convites que a vida traz para que possamos nos reinventar”, analisa Ana Raia, especialista em desenvolvimento humano. Pode ser tentador manter cada coisa no lugar de sempre. Porém, aferrar-se a padrões ultrapassados, que nos atenderam em algum momento, mas que agora não ecoam mais nossos anseios e potenciais genuínos, nos torna “caricaturas do nosso eu passado”, nas palavras da especialista. Então, ruminamos os mesmos problemas e nos viciamos nos trajetos mais curtos e automáticos. 

Para que a rigidez não nos aprisione, precisamos nos reeducar para a mudança.  Afinal,  todo  fechamento  de  ciclo  é passagem para uma nova abertura. “Se mudança é sinônimo de perigo e perda, vamos resistir a ela. Por outro lado, se encontrarmos em nós um repertório em que a mudança expandiu nossa consciência, nos tornou seres humanos melhores ou nos trouxe mais qualidade de vida, vamos fluir com ela”, afirma a especialista. 

Esse enfoque mais positivo, segundo Ana Raia, vem da aceitação das coisas como elas se apresentam, bem como da vulnerabilidade frente aos nossos limites e às variáveis que não controlamos. Se aceitarmos que assim é, e não negamos os fatos, maiores são as chances de nos movermos em  direção  ao  desconhecido  com  mais curiosidade e menos temor. Nesse sentido, a aceitação é uma atitude ativa e propulsora de novos enredos. 

Converse com suas ideias

Uma coisa é certa: o novo pede por espaço, pois mobiliza uma porção de elementos. Nossos embriões ganham corpo ao lado do risco, da dúvida, do erro, do devaneio, da imaginação. Não dá para isolá-los numa bolha apertada, que exclui sentimentos difíceis de serem sustentados, e que, por isso mesmo, são rapidamente varridos. Aliás, quantas vezes desprezamos ideias recém-chegadas antes mesmo de se apresentarem por completo? Melhor fazermos como a poeta polonesa Wislawa Szymborska no poema Uma Ideia: “Me veio uma ideia. / Para um versinho? Para um poema? / Está bem – digo – fique, vamos bater um papo. / Você tem de me contar mais sobre si mesma”. 

Sabe aquele café sem compromisso? Esse é o tom da conversa. O simples flerte com uma nova possibilidade pode ser não só prazeroso como extremamente promissor, justamente porque não o sufocamos de bate-pronto com expectativas e demandas por resultados. Portanto, sempre que se aproximar do novo, certifique-se de que não irá espantá-lo com pisadas afoitas. 

Não se trata de preciosismo, e sim de sabedoria. Afinal, a ansiedade somada à cobrança  por  desempenho  pode  boicotar um lindo projeto que pede espaço e tempo para nascer. “Ao fazer algo novo, não se preocupe com o que sua performance possa dizer sobre o seu lugar no mundo”, aconselha a jornalista Margaret Talbot no artigo “Por que não é tarde para aprender  novas  habilidades”,  publicado na New York Magazine. Segundo ela, devemos buscar o novo em nossas vidas com a curiosidade e a humildade dos iniciantes, mais  interessados  nas  descobertas  dos processos aos quais se lançam do que em provar para si mesmos e para os outros que são geniais naqueles assuntos. 

Conselho semelhante nos dá o ilustrador e escritor Adam J. Kurtz no livro A Vida é o Que Você Faz Dela – Conselhos para Pessoas Criativas (Paralela): “Prepare-se para qualquer resultado e esteja pronto para aprender com a experiência”. Por sinal, como lembra Ana Raia, podemos reaprender a aprender sempre. “O aprendizado contínuo é o nosso estado natural. A limitação maior é acreditarmos que estamos velhos para aprender algo novo”, ela alerta. 

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Em qualquer idade, também devemos nos enxergar como criadores de novos modos de ser e viver, pois essa capacidade não é privilégio dos artistas e dos inventores. Thiago Gringon, coordenador da pós-graduação em Criatividade & Ambiente Complexo na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), que se autodenomina um “professor criativamente mágico”, traz vieses largos para a gente espiar e, principalmente, experimentar. 

Ele observa que, por meio de nossas escolhas, nos colocamos num lugar quadrado e previsível para darmos conta das obrigações e responsabilidades. Natural que seja assim. Porém, da mesma maneira, podemos inventar saídas da caixa rumo a uma realidade  mais  gratificante.  “Entender  a criatividade como um estilo de vida significa criar os meios e o ambiente ao redor a partir do que queremos realizar ou deixar como legado”, define Thiago. 

Lembra-se  daquele  café  descontraído com potenciais projetos? Nessa hora, sugere o professor, sente-se ao sol e vá rabiscando, escrevendo, desenhando, registrando à sua maneira cada detalhe dessa nova realidade que deseja para si. “A ideia é parar um pouco, esvaziar a mente de tensões e preocupações e visualizar não só na cabeça, mas também no plano tangível, a vida fora dos nossos padrões”, ele explica. 

Linearidade não entra nessa pauta. E isso não é um problema, pelo contrário. Empolga ouvir Thiago falar sobre o efeito da imprevisibilidade do cotidiano em seu estado de espírito. “Ela me torna mais atento e as coisas, mais divertidas. Os reveses fazem nossa vida mais intensa e colorida quando aprendemos a lidar com eles de um jeito lúdico”, reconhece. Enquanto mantiver essa percepção, ele diz, estará a salvo de se tornar um robô ou um refém de respostas assertivas, sem margem para incertezas. “Quanto mais criamos, mais criativos nos tornamos, seja nos negócios, no jeito de fazer pão ou de organizar o guarda-roupa.” 

Por trás desse fazer renovado, ele ensina, também está a busca por referências sortidas, na arte, na ciência, na magia, na natureza. Já pensou como pode ser divertido fazer associações nada óbvias entre esses universos e extrair algo novo desse caldeirão? 

Entender  a criatividade como um estilo de vida significa criar os meios e o ambiente ao redor a partir do que queremos realizar ou deixar como legado”, define Thiago. 

Dá para fazer diferente

Solte o bicho curioso que mora em você e vasculhe o que existe além da superfície, dos padrões, das convenções e dos modismos, como sugere Luciano Braga, publicitário, empresário, palestrante e autor dos livros O Poder do Tempo Livre, 333 Páginas para Tirar seu Projeto do Papel e E Se Fosse Diferente?, publicados pela Belas-Letras. 

Ele nos incentiva a entrar em contato com informações e perspectivas totalmente desconhecidas a fim de enriquecermos nosso repertório  de  possibilidades.  Depois,  recomenda darmos vazão ao que chama de insatisfação positiva. “Ver as reclamações como oportunidades de se criar algo. Usar a indignação, a dor, a perda para se mexer.” É assim que Luciano imagina como as coisas podem ser diferentes. Inclusive, para o coletivo. Sócio-fundador do Shoot, estúdio de comunicação para impacto social, ele cria projetos que tornam a cidade e o mundo mais divertidos, criativos e apaixonantes. 

Outro exercício revelador é dialogarmos com o nosso eu futuro. Atenção: Sem ansiedade e cobrança, e sim com interesse e curiosidade. A psicóloga americana Meg Jay orienta esse bate-papo no TED Essential Questions to Ask Your Future Self. “Nós negligenciamos nosso eu futuro por falta de convicção ou imaginação”, ela afirma. Por  isso,  incentiva  seus  pacientes  a  se perguntarem coisas do tipo: daqui a dez anos me vejo saudável, trabalhando com algo que realmente me preenche, ao lado de alguém com quem posso ter um relacionamento pautado por trocas enriquecedoras? Esse tipo de questionário, ela explica, nos faz refletir sobre nossas escolhas atuais e como podemos remodelá-las para que favoreçam o desabrochar do eu que queremos encarnar adiante. “Assim o presente e o futuro podem se encontrar no meio do caminho”, diz Meg. 

Dentre tantas possíveis perguntas, ela revela sua favorita: “Se estou num trabalho, num relacionamento ou numa situação na qual não gostaria de estar daqui a cinco anos, então quanto tempo mais vou gastar com isso?”. É ou não é uma excelente provocação para abrirmos espaço para outras formas de nos perceber e agir?

Luciano Braga, por exemplo, se ligou à sua versão futura, livre de gessos limitantes, e foi ao encontro dela, como ele frisa, com coragem. “Ela é fundamental para impulsionar qualquer ideia; sobretudo algo diferente e inovador”, defende. Quando decidiu fazer tirinhas, sonho que nutria desde a infância, e mostrar ao mundo seu lado cartunista, precisou remexer sua estrutura convencional, inclinada a fazer tudo o que se esperava dele, e ser visto pelas pessoas de uma forma completamente nova. “Eu tinha muito medo. Foi um processo para me desapegar e passar a postar as tirinhas sem tanta  preocupação.  Entendi  que  eu  não precisava agradar a todos nem fazer o que os outros faziam”, confessa

Além da coragem, o olhar das crianças, que tudo filma pela primeira vez, também é precioso e pode nos servir de modelo. Uma amiga, por exemplo, completou 40 anos e se presenteou com uma consultoria de cores. Quis investigar as tonalidades que se afinam à paleta que a natureza lhe deu. Estava cansada de vestir preto, azul-marinho, cinza e bege. Na década que se inaugura, quer brincar com as pinceladas, enxergar-se sob outros prismas. Pode parecer um passatempo supérfluo se comparado a mudanças e criações grandiosas. Mas é desse jeitinho que a vontade de largar velhos paradigmas pode despontar. Despretensiosamente.  Quem  sabe  essa não é a fagulha para descobertas que irão renovar toda uma história?

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