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Como lidar com crises de ansiedade e ter uma vida mais plena
MARIA GABRIELA RODRIGUES (@MARIAGABRIELARO) Por vezes, a ansiedade se parece com uma imensa onda sob a qual parece não haver alternativa a não ser se afogar
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“Mãe, respira. Puxa o ar pelo nariz, segura um pouco, agora solta. De-va-gar.” Minha mãe não percebe quando está entrando em uma crise de ansiedade. A respiração dela sim­plesmente acelera, e ela começa a ficar irri­tada, sem alternativa para a questão.

Quando estou por perto, toco em seus ombros e pro­curo trazer seu fôlego de volta, reconectando­-a com um ritmo mais tranquilo de inspiração e expiração. Citei minha mãe, mas a frase po­deria começar com “Caro você, respire”, pois há um contingente expressivo de pessoas que sofrem do mesmo mal.

O último levantamen­to da Organização Mundial da Saúde (OMS) contou 264 milhões de pessoas afetadas pelo transtorno de ansiedade no planeta. O Brasil? Estamos no topo do ranking: 9,3% da nossa população vive com o distúrbio de ansiedade; três vezes mais do que a média global, que é de 3,5%.

A pandemia do novo coronavírus turbinou o cenário e elevou em 25% os casos de ansie­dade e depressão. Frente a uma doença súbita com risco imediato sobre a vida, era de se es­perar que as pessoas sentissem medo.

Só que não parou aí. Uma guerra começou na Ucrânia, e o noticiário nos bombardeia diariamente com dados sobre a fome, a corrupção, a in­flação.

Não fosse apenas o inóspito ambiente externo, as questões pessoais – vou sobreviver a tanta incerteza? – e a ilusão de que há uma felicidade permitida apenas para poucos feli­zardos, martelada pelas redes sociais, criam a tempestade perfeita para um ser ansioso.

Rotinas que acionam gatilhos para a ansiedade

O Brasil tem outros agravantes. Aqui pre­valece uma insegurança social, política e econômica brutal. Viver nessa latitude-lon­gitude, em tempos de pandemia é um desa­fio e tanto à sanidade. Sem meias-palavras, o Estado deveria oferecer medidas de pro­teção à pessoa.

“Quando falta o amparo, a criminalidade tende a crescer, a violência se espalha e as pessoas ficam inimigas entre si. O próximo não é mais próximo. Ele é uma ameaça, e o medo transborda”, detalha a psi­cóloga e psicanalista Patricia Bader, gestora do núcleo Pró-Creare e coordenadora de psi­cologia da Rede D’Or São Paulo.

De causa indefinida – fatores hereditários, ambientais e uma química no cérebro podem contribuir –, mas com muitos gatilhos. É o que se sabe sobre a ansiedade, essa escalada de antecipações mentais que beira um sequestro emocional.

A notícia de um almoço inesperado para a família ou a mera mudança na roti­na podem assaltar a paz de alguns – como minha mãe. A falta de dinheiro em casa, a desmotivação no trabalho, a quantidade de informações divulgadas por hora nas mí­dias digitais e a desigualdade certamente roubam a serenidade de outros.

O ponto em comum entre todos os preo­cupados crônicos é sentir-se ameaçado e hiper-reagir ao risco. “A pessoa fica à mer­cê de uma preocupação excessiva e cons­tante de que algo ruim vai acontecer, e é incapaz de relaxar”, esclarece o biólogo Ri­cardo Monezi, especialista em medicina do comportamento da Universidade Federal de São Paulo.

Acolha a sua ansiedade Um dos caminhos para lidar melhor com essa angústia é a respiração. Botar reparo no inalar e exalar é de grande valia

Quando a ansiedade é constante, deixa de ser positiva

Essa é a armadilha do modo ansioso: você entra e não consegue sair. Toda ansiedade deve ser castigada, então? De forma alguma. Ela faz parte da natureza humana. E vem no nosso kit de sobrevivên­cia há centenas de milhares de anos.

Pense em uma espécie de aparelhamento interno que nos prepara para lidar com as ameaças da vida. A ansiedade aguça os sentidos e permite agir rápido quando um problema se apresenta. Na verdade, a tare­fa dessa “vigilância” é detectar perigos po­tenciais antes que eles aconteçam e apon­tar soluções preventivas.

“Do ponto de vista biológico, nada melhor. A ansiedade põe uma pressão positiva em nosso sistema de defesa e ele fica mais ajus­tado”, explica Monezi.

Acontece o seguinte: a ansiedade entra pelos órgãos do sentido (algo que você vê, ouve, toca, intui…) e é pro­cessada no córtex pré-frontal, região mais evoluída do cérebro. Ali a informação come­ça ser decodificada. Com base no histórico da pessoa, o cérebro analisa o estímulo e coloca um rótulo – “é ou não fonte de gran­de preocupação”.

Os três hormônios da ansiedade

Se for algo de alta ansie­dade para aquele indivíduo, imediatamente outras estruturas neurológicas entram em ação liberando três hormônios: adrenalina, noradrenalina e cortisol.

“A adrenalina aumenta os batimentos car­díacos e, consequentemente, a frequência respiratória (lembre-se que a ideia é lutar ou fugir). Por isso a respiração encurta”, ex­plica o biólogo. Ao mesmo tempo, aumenta o fluxo de sangue para os músculos e para o cérebro, alimentando todas as estruturas envolvidas no pensamento (afinal, preci­samos encontrar uma solução para o pro­blema que se apresenta, certo?).

No fígado, o metabolismo se inverte e todo açúcar previamente armazenado para uma hora de necessidade é liberado. Precisamos de mais energia. “A noradrenalina vem dar um reforço a esses efeitos”, continua Monezi, “adicionando um ingrediente apimentado: a agressividade. Se o organismo tiver de partir para a luta, é agora. Por isso, há pessoas que explodem de raiva diante de uma ameaça”.

Por último, o cortisol, o terceiro da cascata hormonal, aumenta a pressão. E faz de tudo para a pessoa ficar em alerta, hiperestimulando todos os sentidos (o ba­rulho de uma agulha caindo no chão pode causar um grande desconforto!) e bloque­ando áreas cerebrais que regulam o sono. Entendeu a insônia?

“Um leão por dia”

No início da evolução humana, todo esse aparato avisava que era hora de lutar ou fu­gir porque um predador estava chegando. Sem ele, teríamos sido comidos pelos leões.

Hoje, as mesmas reações fisiológicas são acionadas, mas para lidar com as adversida­des (boas e más) do século 21: uma entre­vista de trabalho, um problema financeiro, uma viagem para lugar desconhecido, um novo encontro.

Tudo isso exige que a gente saia da zona de conforto para desenvolver uma estratégia de superação. Até aqui, mais do que desejável, um mecanismo vital. Ainda que às custas de noites de sono.

O anormal é a ansiedade que se agiganta tor­nando difícil qualquer resposta produtiva. Em vez de nos mover para um next level, como seria de se esperar, a descarga hor­monal em excesso paralisa.

Acolha a sua ansiedade Além das práticas meditativas, escolher uma atividade física de que gostamos nos tira do círculo vicioso de preocupações

Quando o organismo se desregula tentando se regular

No longo prazo, tanto alerta do cortisol desgasta o organismo e reduz nossa capa­cidade de defesa em todos os níveis. Pode dar um branco na hora da prova, pode der­rubar a imunidade (já percebeu como as pessoas muito preocupadas acabam tendo mais infecções de repetição, como gripes, dermatites, psoríase?), pode desencadear um ataque de ira, de pânico.

Coração disparado, suor frio e a sensação de morte iminente caracterizam esse úl­timo quadro. Um medo sem razão que vai crescendo, crescendo, crescendo como um tsunami assustador prestes a inundar você. Quando o pico da ansiedade chega a esse nível, é necessário procurar ajuda profissio­nal.

Mas, na maioria dos outros casos, é pos­sível fazer as pazes com a ansiedade antes desse extremo e aprender recursos que aju­dam a manter o nariz fora d’água se o mar se agitar demais. Ninguém vai se afogar.

O primeiro passo é a autoconsciência, pegar os episódios preocupantes o mais perto do início possível – o ideal seria tão logo ou pouco depois que a passageira imagem ca­tastrófica dispara o ciclo de preocupações”, ensina o psicólogo Daniel Goleman em In­teligência Emocional (ed. Objetiva).

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Dica de respiração para ansiedade

Para cessar a espiral de preocupações é ne­cessário parar por um minuto e recorrer à ferramenta mais eficaz quando se trata de estabilizar a desordem interna: o oxigênio. “A ansiedade deixa tudo numa fervura; quando você respira pausada e profunda­mente, traz frescura. Ventila os pulmões e as ideias”, diz Ricardo Monezi.

A professora de ioga Thais Barbeiro, do Yôga and Meditation Center, em São Pau­lo, ensina a interromper o looping ansio­so com uma respiração extremamente simples e eficaz.

É a chamada respiração quadrada, uma série de quatro movimen­tos com duração de 4 segundos cada um. “Comece inspirando e contando até qua­tro. Com os pulmões cheios, segure o ar contando novamente até quatro. Solte o ar devagar contando até quatro mais uma vez, esvaziando completamente os pulmões. Com os pulmões vazios, faça uma pausa contando até 4 pela última vez.”

Repita o processo: quatro segundos para inspirar, quatro retendo os pulmões cheios, quatro para expirar e quatro sem ar nos pulmões.

Foco no presente ajuda a regular ansiedade

Uma das técnicas que mais ajudam a pou­sar a mente no aqui e agora é a meditação. Mas tudo bem se você não se dá bem com a atenção plena (mindfulness) e a yoga. A caminhada, a dança, o spinning ou qualquer outra atividade física prazerosa ajudam a tirar o foco da mente e dissipar o ciclo vicio­so das preocupações.

Na esfera fisiológica, quando a gente se exercita, ainda estimula a produção de substâncias que ajudam a rela­xar, trazem bem-estar e melhoram o humor, como endorfina e serotonina.

Os preocupados crônicos também preci­sam tomar o que Daniel Goleman chama de uma postura ativa para questionar os pensamentos negativos. Uma das caracte­rísticas das perturbações ansiosas é que parecem imunes à razão.

Pergunte-se, então: quão provável é que o mais temido dos medos aconteça? “A combinação de au­to-observação e saudável ceticismo atuaria como freio na ativação neural por trás da ansiedade”, detalha Goleman. É como se a geração ativa desse questionamento desar­ticulasse o círculo vicioso da preocupação-ansiedade.

Acolha a sua ansiedade Também precisamos reconhecer o nosso tempo interno e deixar o multitask de lado. A pausa é essencial

Quebrando o ciclo dos pensamentos repetitivos

O cérebro precisa responder à sua pergunta em vez de simplesmente agir como de costume. “Quando se deixa uma preocupação repetir-se sempre e sempre, ela adquire poder de persuasão; contestá­-la pensando numa gama de pontos de vista igualmente plausíveis impede o pensamen­to preocupado único de ser ingenuamente tomado como verdadeiro”, complementa o pai da inteligência emocional.

Ainda no quesito informação contra o mal, Patricia defende que nomear o que se sente, do jeito possível, é outro recurso importan­te para deixar a preocupação sair. Em vez de ficar estocando angústias que podem vir à tona com força e desastre, dê espaço para a fala.

“Ao colocar o pensamento para fora, ele é dimensionado e vira algo possível de se lidar”, esclarece. Em jargão psicanalítico, diz-se que “a palavra mata a coisa”. Isso é válido especialmente para pessoas que en­frentam uma ansiedade muito grande fren­te ao câncer.

“É normal que a família silencie esse paciente quando ele diz que tem medo de morrer. O correto seria ouvir as inquie­tações dele. Só assim é possível entender o que se passa com a pessoa para, então, bus­car informações que possam adequar e até melhorar essa percepção.”

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Fazer uma coisa de cada vez: a chave para o fim da ansiedade

“O ansioso não sabe, mas seu sofrimento passa pela ilusão de que não pode perder tempo. Então, ele lota a agenda e sobrepõe tarefas. Está no carro dirigindo e fazendo um call. Está na academia ouvindo uma pa­lestra do TED. Se pudesse, tomaria banho enquanto resolve a lista de supermercado”, ilustra a profissional.

O problema dessa ideia é que ela é uma mentira. A vida é um grande inesperado e precisamos aprender a lidar com ele. “Vamos supor que você tenha dois compromissos importantes na mesma hora. Quando você reconhece a impossibi­lidade de executá-los, porque um é em São Paulo, outro no Japão, digamos, você ganha potência para decidir em qual deles esta­rá presente. Quando você não reconhece o impossível, se reconhece impotente. Afinal, não será capaz de fazer os dois.”

Essa flexibilidade nos leva para a próxima dica: fazer uma coisa de cada vez. Em uma emergência ansiosa, quando os sentimen­tos e os pensamentos ficam caoticamente uns sobre os outros, numa complexidade aparentemente insolúvel, lembre-se do jogo de varetas.

Remova uma a uma das “peças” no seu tempo, com o seu talento. Se esbarrar onde não devia e a pilha desmoronar, paciência. “Ser humano é um exer­cício constante de melhorar a si mesmo”, recorda Patricia. Somos curiosos, criamos hipóteses e essa potência psíquica criativa nos salva. Na dúvida, garantir o suprimen­to de oxigênio e de carinho para consigo mesmo já ajuda a apertar o modo pausa.

Acesse o Vida na Prática, caderno de exercícios sobre esta matéria.


KÁTIA STRINGUETO é jornalista e já precisou tratar crises de ansiedade. Hoje sabe que o desassossego pode voltar, mas usará a delicadeza para cuidar dele.


Conteúdo publicado originalmente na Edição 246 da Vida Simples

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