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A respiração é um portal de acesso para as nossas emoções
(ILUSTRAÇÃO: TIAGO GOUVÊA) A respiração acontece autônoma em nosso corpo e podemos passar a vida sem nos dar conta das sutilezas do inalar e exalar
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Imagine que você vive numa casa junto com um cachorro, porém ignora completamente a presença do animal. Não o alimenta, não nota se ele está alvoroçado ou apático, se precisa repousar um pouco ou correr num extenso gramado.

É desse jeito que a maioria das pes­soas trata a respiração: o movimento contínuo – e pouco prestigiado – do tórax. Esse “vai e volta” que nos acompanha fielmente desde o princípio da vida fora do útero materno até o nosso fô­lego se esgotar ao fim.

Justamente por ter um embalo autônomo, deixamos nossa respiração por sua própria conta e risco. O oxigênio entra, o gás carbônico sai. E assim a vida se mantém num fluxo quase imperceptível.

A respiração é nosso automa­tismo mais antigo e o mais frequente, por isso ela é nossa ação mais inconsciente, apesar de estar sempre ocorrendo”, esclarece o psiquia­tra e psicoterapeuta J. A. Gaiarsa no livro Respiração, Angústia e Renascimento (Ágora).

Mas com que qualidade respiramos se mal percebemos não só como essa função vital se comporta, mas principalmente como ela nos afeta?

Não é preciso ser pneumologista para concluir que uma respiração superficial e curta – espelho da tensão e do estresse vi­venciados diariamente – traz uma série de desconfortos que podem ser evitados se ela estiver mais solta e ampla.

O padrão de respiração ideal

Admito que fui tentada a descobrir qual seria o padrão respiratório ideal para a boa saúde. Uma vez de posse dele, confabulei, po­demos partir para a prática e, assim, melho­rar nossa disposição física, atividade mental, pressão arterial, sistema imunológico, humor etc. Veja o que encontrei.

“De várias manei­ras, em momentos diferentes da história, pulmonautas descobriram a mesma coisa: a quantidade ideal de ar que devemos respirar por minuto é de 5,5 litros.”

“O índice ideal de respiração é de cerca de 5,5 respirações por minuto. São inspirações de 5,5 segundos e expirações de 5,5 segundos. Essa é a respira­ção perfeita”, informa o jornalista americano James Nestor no livro Respire: A Nova Ciência de Uma Arte Perdida (Intrínseca).

Atente-se para sua respiração

Só que há um detalhe: a vida não é perfeita. Portanto, seria equivocado forçar uma respi­ração impecavelmente eficaz. Pelo menos, por longos períodos.

O fato é que a respi­ração é tão acidentada quanto uma mon­tanha-russa que oscila na esteira do que vivemos e sentimos ao longo do dia.

Além do mais, cada pessoa tem seu ritmo res­piratório próprio. Se estivermos inalando pelo nariz e obtendo a quantia de oxigênio necessária para nos deixar confortáveis para realizar nossas atividades, então não há motivo para preocupação.

“Não é ideal que a gente fique conscien­te da respiração o tempo todo. Seria muito cansativo. O melhor é que ela aconteça li­vre, sem a gente ter de pensar nela”, pontua Khalis Chacel, coordenador do Instituto de Renascimento de São Paulo.

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Ganhando consciência sobre a respiração

respiração Mas, se voltamos a nossa atenção ao respirar, podemos expandir toda a nossa força vital, despertando o ímpeto de viver (Ilustração: @TGOUVEA)

Por outro lado, se estivermos atentos ao modo como respiramos, podemos modulá-lo de acordo com as circunstâncias e as necessidades de cada momento.

“Embora não possamos simplesmente decidir quando desacelerar ou acelerar nosso coração ou nossa diges­tão, ou mover o sangue de um órgão para outro, podemos escolher como e quando respirar”, salienta James Nestor.

Sim, nossa respiração é involuntária, já que não precisamos pensar para que nos­sos pulmões funcionem. Porém ela pode ser guiada de acordo com a nossa vonta­de; ou seja, também apresenta um caráter voluntário.

Esse é o ponto-chave que nos faz perceber como o simples ato de respi­rar pode ganhar maior consciência e, consequentemente, direcionamento.

Afinal, podemos reter o ar por mais tempo, pro­longar a expiração, acelerar ou cadenciar esse fluxo, seja para nos acalmar, seja para aumentarmos o foco ou a vitalidade.

Alguns exercícios para a respiração

Um bom jeito de começar a experimen­tar essa orquestração é determinando um tempo específico para a respiração transcorrer.

Por exemplo, inalar em três tempos e expirar em seis. Ou então, ina­lar em três, reter o ar em três, soltar em três e reter em três novamente.

Você pode repetir essas sequências algumas vezes, enquanto estiver confortável. Depois, ob­serve se vê diferença no corpo e na mente.

A respiração acalma o sistema nervoso

Pois o mais precioso é descobrir como inalar e exalar podem ser uma valiosa ferramenta para o bem-estar. “Como a respiração está ligada ao sistema nervoso autônomo, nos­sas emoções vão atuar interferindo em sua qualidade.”

“No entanto, podemos intervir voluntariamente nessa função, reverten­do o que as emoções causam a ela. Essa é a nossa sorte, porque isso nos ajuda a nos resgatar do caos que, às vezes, nos toma”, destaca Andréa Bomfim Perdigão, terapeu­ta eutonista, professora de mindfulness e autora de O Dentro e o Fora – Conversas so­bre Corpo e Felicidade (Patuá).

“O interessante é se dar conta todas as vezes em que a respiração contrai para que daí você possa soltá-la. É como se tivesse uma luzinha no painel. Se ela acendeu, você sabe que algo precisa ser modificado naquele momento”, observa Khalis.

Segundo ele, é comum tensionarmos a respiração por al­gum estresse ou porque atravessamos uma situação emocional difícil e nos esquecer­mos de descontraí-la. Na maioria das vezes, por não estarmos conscientes o suficiente.

O vai e vem da respiração

Em linhas gerais, essa luzinha no painel deve acender nossa atenção sempre que sentirmos algum desconforto físico ou emocional. Peraí, deixa eu checar se estou ofegante ou bloqueado, tenso, confuso, de­sorganizado, perdido.

“Respirar com cons­ciência pode nos ajudar a nos centrar, ter mais clareza, sair da impulsividade e dos pensamentos repetitivos”, afirma Andréa.

Nas horas em que a vida nos estremece, sentimos com contundência como corpo e mente são mesmo uma coisa só, e como a respiração é uma interface hipersensível.

“Toda vez que ela tensiona, o fluxo mental aumenta. Se estamos fixados num proble­ma, pensando em como resolvê-lo, a respi­ração se encurta. Mas, se estivermos cons­cientes dessa contração, podemos respirar mais profundamente e abrir o foco, alte­rando o estado interno”, exemplifica Khalis.

Respiração e meditação: tudo a ver!

respiração Conforme avançamos na prática consciente, temos na respiração um lugar para o qual podemos recorrer em busca de bem-estar

Não é à toa que a respiração é chamada de âncora nas práticas meditativas.

Se es­tivermos à deriva, arrastados por emoções e pensamentos, ao levarmos o foco até ela, temos a chance de nos dar conta do que se passa conosco.

Aí adentraremos um uni­verso infinito e particular. Poderemos co­nhecer nossos padrões de comportamen­to, sair do modo reativo, descobrir onde os sentimentos se alojam no corpo e, ater­rados no aqui e agora, fazer escolhas mais lúcidas.

A mente não está em outro lugar, ela está no corpo e na respiração. Isso é um aterramento no momento presente que leva ao estado de presença, que nos deixa conscientes de si, do viver, do relacionar­-se, do fazer, do sentir”, enumera Andréa.

Pranaya­mas: métodos milenares de respiração

Na milenar tradição do yoga, a respiração tem um papel central. É por isso que o mes­tre B.K.S. Iyengar comparou os pranaya­mas – práticas respiratórias – ao “miolo do yoga”.

Prana, em sânscrito, significa ener­gia; ayama, armazenagem e distribuição dessa energia, que, segundo os textos védicos, permeia o Universo e tudo o que ele abarca.

“Prana é o motor primeiro de toda atividade”, define B.K.S. Iyengar. Então, quando estamos atentos ao respirar e cui­damos para que ele flua, podemos expan­dir nossa força vital; em outras palavras, acordar o ímpeto de viver e realizar nossos intentos.

Afinal, respirar é trocar energia com a atmosfera, com o mundo, com as outras pessoas. E também com a dimensão espiritual.

“Quando você inspira, é o háli­to cósmico espiritual entrando em contato com a respiração individual. A expiração, por sua vez, é a respiração individual entrando em contato com o hálito cósmico exterior para que se unam”, ele sustenta no livro A Árvore do Yoga (Globo).

O som da respiração é a música da vida

No dia a dia do yoga, os pranayamas nos levam a experimentar diferentes dimen­sões da condição energética, como explica Sandro Bosco, professor de yoga e medita­ção e autor de Posturas Restauradoras de Yoga (Matrix) e Meditação para Quem Acha que Não Consegue Meditar (Matrix), entre outros títulos.

“Pranayamas são técnicas de respiração muito detalhadas, cuidadosas e minuciosas para se desenvolver.” Como se trata de uma intervenção no sistema nervo­so, é importante buscar a orientação de um profissional qualificado para praticá-las da maneira correta, desfrutando de seus bene­fícios para a saúde do corpo e da mente.

“Ao observar, sentir a respiração, a tendên­cia é acalmarmos esse processo. Há quem sinta melhor o ar na traqueia, no peito, nas narinas.”

“O importante é saber que podemos regressar a esse guia que está o tempo todo ali e nos familiarizar com seu ritmo”, orien­ta.

E, se prestarmos bem atenção, notare­mos que a respiração tem uma melodia que, no fim das contas, é a música da própria vida.

“Podemos aprender a apreciar o som da respiração, um mantra em si”, ele propõe. Então, convide-se a desfrutar da sua respi­ração também como um abrigo para onde você pode regressar.

Um espaço que acolhe os desafios e alegrias e sustenta o seu ser.

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RAPHAELA DE CAMPOS MELLO é jornalista e está reaprendendo a respirar com a abençoada ajuda do yoga e do mindfulness.


Conteúdo publicado originalmente na Edição 237 da Vida Simples

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