A respiração é um portal de acesso para as nossas emoções
Atentar para a respiração e o circuito do ar no nosso corpo é uma oportunidade de encontrar um abrigo em nós
- O padrão de respiração ideal
- Atente-se para sua respiração
- Ganhando consciência sobre a respiração
- Alguns exercícios para a respiração
- A respiração acalma o sistema nervoso
- O vai e vem da respiração
- Respiração e meditação: tudo a ver!
- Pranayamas: métodos milenares de respiração
- O som da respiração é a música da vida
Imagine que você vive numa casa junto com um cachorro, porém ignora completamente a presença do animal. Não o alimenta, não nota se ele está alvoroçado ou apático, se precisa repousar um pouco ou correr num extenso gramado.
É desse jeito que a maioria das pessoas trata a respiração: o movimento contínuo – e pouco prestigiado – do tórax. Esse “vai e volta” que nos acompanha fielmente desde o princípio da vida fora do útero materno até o nosso fôlego se esgotar ao fim.
Justamente por ter um embalo autônomo, deixamos nossa respiração por sua própria conta e risco. O oxigênio entra, o gás carbônico sai. E assim a vida se mantém num fluxo quase imperceptível.
“A respiração é nosso automatismo mais antigo e o mais frequente, por isso ela é nossa ação mais inconsciente, apesar de estar sempre ocorrendo”, esclarece o psiquiatra e psicoterapeuta J. A. Gaiarsa no livro Respiração, Angústia e Renascimento (Ágora).
Mas com que qualidade respiramos se mal percebemos não só como essa função vital se comporta, mas principalmente como ela nos afeta?
Não é preciso ser pneumologista para concluir que uma respiração superficial e curta – espelho da tensão e do estresse vivenciados diariamente – traz uma série de desconfortos que podem ser evitados se ela estiver mais solta e ampla.
O padrão de respiração ideal
Admito que fui tentada a descobrir qual seria o padrão respiratório ideal para a boa saúde. Uma vez de posse dele, confabulei, podemos partir para a prática e, assim, melhorar nossa disposição física, atividade mental, pressão arterial, sistema imunológico, humor etc. Veja o que encontrei.
“De várias maneiras, em momentos diferentes da história, pulmonautas descobriram a mesma coisa: a quantidade ideal de ar que devemos respirar por minuto é de 5,5 litros.”
“O índice ideal de respiração é de cerca de 5,5 respirações por minuto. São inspirações de 5,5 segundos e expirações de 5,5 segundos. Essa é a respiração perfeita”, informa o jornalista americano James Nestor no livro Respire: A Nova Ciência de Uma Arte Perdida (Intrínseca).
Atente-se para sua respiração
Só que há um detalhe: a vida não é perfeita. Portanto, seria equivocado forçar uma respiração impecavelmente eficaz. Pelo menos, por longos períodos.
O fato é que a respiração é tão acidentada quanto uma montanha-russa que oscila na esteira do que vivemos e sentimos ao longo do dia.
Além do mais, cada pessoa tem seu ritmo respiratório próprio. Se estivermos inalando pelo nariz e obtendo a quantia de oxigênio necessária para nos deixar confortáveis para realizar nossas atividades, então não há motivo para preocupação.
“Não é ideal que a gente fique consciente da respiração o tempo todo. Seria muito cansativo. O melhor é que ela aconteça livre, sem a gente ter de pensar nela”, pontua Khalis Chacel, coordenador do Instituto de Renascimento de São Paulo.
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Ganhando consciência sobre a respiração
Mas, se voltamos a nossa atenção ao respirar, podemos expandir toda a nossa força vital, despertando o ímpeto de viver (Ilustração: @TGOUVEA)
Por outro lado, se estivermos atentos ao modo como respiramos, podemos modulá-lo de acordo com as circunstâncias e as necessidades de cada momento.
“Embora não possamos simplesmente decidir quando desacelerar ou acelerar nosso coração ou nossa digestão, ou mover o sangue de um órgão para outro, podemos escolher como e quando respirar”, salienta James Nestor.
Sim, nossa respiração é involuntária, já que não precisamos pensar para que nossos pulmões funcionem. Porém ela pode ser guiada de acordo com a nossa vontade; ou seja, também apresenta um caráter voluntário.
Esse é o ponto-chave que nos faz perceber como o simples ato de respirar pode ganhar maior consciência e, consequentemente, direcionamento.
Afinal, podemos reter o ar por mais tempo, prolongar a expiração, acelerar ou cadenciar esse fluxo, seja para nos acalmar, seja para aumentarmos o foco ou a vitalidade.
Alguns exercícios para a respiração
Um bom jeito de começar a experimentar essa orquestração é determinando um tempo específico para a respiração transcorrer.
Por exemplo, inalar em três tempos e expirar em seis. Ou então, inalar em três, reter o ar em três, soltar em três e reter em três novamente.
Você pode repetir essas sequências algumas vezes, enquanto estiver confortável. Depois, observe se vê diferença no corpo e na mente.
A respiração acalma o sistema nervoso
Pois o mais precioso é descobrir como inalar e exalar podem ser uma valiosa ferramenta para o bem-estar. “Como a respiração está ligada ao sistema nervoso autônomo, nossas emoções vão atuar interferindo em sua qualidade.”
“No entanto, podemos intervir voluntariamente nessa função, revertendo o que as emoções causam a ela. Essa é a nossa sorte, porque isso nos ajuda a nos resgatar do caos que, às vezes, nos toma”, destaca Andréa Bomfim Perdigão, terapeuta eutonista, professora de mindfulness e autora de O Dentro e o Fora – Conversas sobre Corpo e Felicidade (Patuá).
“O interessante é se dar conta todas as vezes em que a respiração contrai para que daí você possa soltá-la. É como se tivesse uma luzinha no painel. Se ela acendeu, você sabe que algo precisa ser modificado naquele momento”, observa Khalis.
Segundo ele, é comum tensionarmos a respiração por algum estresse ou porque atravessamos uma situação emocional difícil e nos esquecermos de descontraí-la. Na maioria das vezes, por não estarmos conscientes o suficiente.
O vai e vem da respiração
Em linhas gerais, essa luzinha no painel deve acender nossa atenção sempre que sentirmos algum desconforto físico ou emocional. Peraí, deixa eu checar se estou ofegante ou bloqueado, tenso, confuso, desorganizado, perdido.
“Respirar com consciência pode nos ajudar a nos centrar, ter mais clareza, sair da impulsividade e dos pensamentos repetitivos”, afirma Andréa.
Nas horas em que a vida nos estremece, sentimos com contundência como corpo e mente são mesmo uma coisa só, e como a respiração é uma interface hipersensível.
“Toda vez que ela tensiona, o fluxo mental aumenta. Se estamos fixados num problema, pensando em como resolvê-lo, a respiração se encurta. Mas, se estivermos conscientes dessa contração, podemos respirar mais profundamente e abrir o foco, alterando o estado interno”, exemplifica Khalis.
Respiração e meditação: tudo a ver!
Conforme avançamos na prática consciente, temos na respiração um lugar para o qual podemos recorrer em busca de bem-estar
Não é à toa que a respiração é chamada de âncora nas práticas meditativas.
Se estivermos à deriva, arrastados por emoções e pensamentos, ao levarmos o foco até ela, temos a chance de nos dar conta do que se passa conosco.
Aí adentraremos um universo infinito e particular. Poderemos conhecer nossos padrões de comportamento, sair do modo reativo, descobrir onde os sentimentos se alojam no corpo e, aterrados no aqui e agora, fazer escolhas mais lúcidas.
“A mente não está em outro lugar, ela está no corpo e na respiração. Isso é um aterramento no momento presente que leva ao estado de presença, que nos deixa conscientes de si, do viver, do relacionar-se, do fazer, do sentir”, enumera Andréa.
Pranayamas: métodos milenares de respiração
Na milenar tradição do yoga, a respiração tem um papel central. É por isso que o mestre B.K.S. Iyengar comparou os pranayamas – práticas respiratórias – ao “miolo do yoga”.
Prana, em sânscrito, significa energia; ayama, armazenagem e distribuição dessa energia, que, segundo os textos védicos, permeia o Universo e tudo o que ele abarca.
“Prana é o motor primeiro de toda atividade”, define B.K.S. Iyengar. Então, quando estamos atentos ao respirar e cuidamos para que ele flua, podemos expandir nossa força vital; em outras palavras, acordar o ímpeto de viver e realizar nossos intentos.
Afinal, respirar é trocar energia com a atmosfera, com o mundo, com as outras pessoas. E também com a dimensão espiritual.
“Quando você inspira, é o hálito cósmico espiritual entrando em contato com a respiração individual. A expiração, por sua vez, é a respiração individual entrando em contato com o hálito cósmico exterior para que se unam”, ele sustenta no livro A Árvore do Yoga (Globo).
O som da respiração é a música da vida
No dia a dia do yoga, os pranayamas nos levam a experimentar diferentes dimensões da condição energética, como explica Sandro Bosco, professor de yoga e meditação e autor de Posturas Restauradoras de Yoga (Matrix) e Meditação para Quem Acha que Não Consegue Meditar (Matrix), entre outros títulos.
“Pranayamas são técnicas de respiração muito detalhadas, cuidadosas e minuciosas para se desenvolver.” Como se trata de uma intervenção no sistema nervoso, é importante buscar a orientação de um profissional qualificado para praticá-las da maneira correta, desfrutando de seus benefícios para a saúde do corpo e da mente.
“Ao observar, sentir a respiração, a tendência é acalmarmos esse processo. Há quem sinta melhor o ar na traqueia, no peito, nas narinas.”
“O importante é saber que podemos regressar a esse guia que está o tempo todo ali e nos familiarizar com seu ritmo”, orienta.
E, se prestarmos bem atenção, notaremos que a respiração tem uma melodia que, no fim das contas, é a música da própria vida.
“Podemos aprender a apreciar o som da respiração, um mantra em si”, ele propõe. Então, convide-se a desfrutar da sua respiração também como um abrigo para onde você pode regressar.
Um espaço que acolhe os desafios e alegrias e sustenta o seu ser.
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RAPHAELA DE CAMPOS MELLO é jornalista e está reaprendendo a respirar com a abençoada ajuda do yoga e do mindfulness.
Conteúdo publicado originalmente na Edição 237 da Vida Simples
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