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Saiba lidar com a ansiedade
(ILUSTRAÇÃO: ANDRESSA MORAES • @ANDRESSAMORAES_ART) Silenciou, respirou e ouviu! Assim floresceu o jardim que um dia havia sonhado tanto!
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A saúde mental se tornou o assunto do ano em 2019. Não tenho números para provar, mas nunca vi tantos textos, vídeos, reportagens, podcasts e colunas falando sobre esse assunto. Repentinamente, uma questão antes relegada ao silêncio foi jogada no centro das atenções. Milhões de pessoas tomaram consciência da famosa “epidemia” de ansiedade, de depressão e de outros transtornos.

Faço parte desse coro: há alguns meses escrevo sobre saúde mental semanalmente no site de Vida Simples. Isso porque notei a presença de um padrão na cobertura e no tom geral quando o assunto é saúde mental: há muito assunto, mas pouca informação.

Como alguém que faz parte das estatísticas mundiais da tal “epidemia”, senti a necessidade de abrir um canal de conversa para mostrar o que há por trás dessa emergência mundial. Se o planeta está passando por maus bocados mentais, o Brasil se encontra numa posição particularmente frágil. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, somos o país mais ansioso do mundo: 9,3% da população tem algum tipo de transtorno desse tipo.

Na cidade de São Paulo, um quinto dos habitantes (19,9%) já teve algum diagnóstico relacionado à ansiedade. E estou nessa estatística: fui diagnosticado com ansiedade generalizada e depressão. Nasci e moro em São Paulo. Até aqui, nada de novo.

Não estou dizendo algo que já não tenha sido abordado por pessoas famosas como Drauzio Varella, autor de uma série de reportagens sobre o assunto no Fantástico, da TV Globo. E também Amanda Ramalho, criadora e apresentadora do ótimo podcast Esquizofrenoias. A sociedade está em alerta, percebendo que há algo de errado com a maneira pela qual abordamos a saúde mental.

Mas o que poderia haver de errado?

Saiba lidar com a ansiedade - Vida Simples 216 A ansiedade por vezes parece aprisionar nossa vida e nos fazer sentir culpados por não lidarmos facilmente com o problema

Hoje, temos tratamentos à disposição, remédios, terapias. Estrelas da televisão e da música assumem que estão com depressão. Milhares de reportagens falam sobre o assunto, aplicativos nos ensinam a respirar, relaxar…

Nas livrarias, inúmeros títulos explicam como ter uma vida menos tensa. Sob esse olhar, poderíamos dizer que estamos vivendo uma era de ouro na conscientização da sociedade a respeito dos transtornos de saúde mental. De fato, os termos usados para falar desses problemas são relativamente recentes.

O jornalista Scott Stossel fala no livro Meus Tempos de Ansiedade (Companhia das Letras) que foi a partir dos anos 1950 que a palavra “ansiedade” começou a aparecer nos diagnósticos psicológicos.

Isso não quer dizer, no entanto, que ela fosse uma completa desconhecida da humanidade. Desde a Grécia Antiga ela já é vista como um problema médico. Hipócrates (460 a.C.–370 a.C.), precursor da medicina moderna, recomendava até tratamentos.

O tempo passou e apenas no século 20 é que ela ganhou o status que tem hoje, de distúrbio passível de diagnóstico e, claro, de tratamento. Novos termos foram usados para se referir a tipos específicos de ansiedade, como síndrome do estresse pós-traumático, síndrome do pânico e transtorno de ansiedade generalizada.

Arrisco dizer que nunca tivemos tantas informações a respeito do tema. Cientistas estão mapeando o cérebro para entender o que faz disparar os centros que nos colocam em alerta e dão aquela sensação de perigo iminente sentida durante uma crise de ansiedade.

Em tese, não há nada de errado em sentir isso por si só. Afinal, tanto em nós como em diversos animais, esse circuito neurológico pela sobrevivência é ativado.

Ansiedade não é novidade

Desconstruir a ideia de que tudo o que sentimos é de única responsabilidade nossa pode nutrir mais autocompaixão

Se a ansiedade é algo, digamos, natural, se a conhecemos há milênios, por que será que temos a impressão de que vivemos uma epidemia? Os dados parecem corroborar essa impressão. Já falei do Brasil; no mundo, a situação não é diferente: segundo a OMS, os ansiosos correspondem a um quarto da população mundial (25%). No total, são 1,75 bilhão de pessoas ansiosas.

Há quatro anos, quando meu diagnóstico se tornou oficial, eu parecia ser a única pessoa do mundo que precisava de medicação por não controlar os sentimentos. Percebia que muita gente provavelmente experimentava muitos dos mesmos problemas que eu, mas havia um incrível silêncio a respeito.

Conforme avancei no tratamento, fui me  aperfeiçoando em perceber meus companheiros de neuroses. Especialmente quando comecei a me abrir com familiares e amigos, tive acesso a um mundo de angústias, dúvidas e sofrimento velado.

Hesitei um pouco para ser 100% aberto porque sabia dos estigmas relativos à saúde mental. Ser diagnosticado com um desses distúrbios ainda é visto como um sinal de fraqueza psíquica, física e moral. Afinal, sucumbir àquilo que chamamos de vida só pode significar despreparo ou recusa a encarar “as coisas como elas são”.

A abertura me fez bem de maneira geral. Mas, ainda assim, não foi capaz de minimizar o isolamento. Tenho a impressão de que as pessoas têm um certo medo de falar com os ansiosos, os deprimidos, os diagnosticados em geral. Talvez por receio de que faremos algo imprevisível; talvez seja medo de ver em nós um espelho.

Expondo a ansiedade para lidar com ela

Por isso, resolvi ser mais aberto e direto do que antes. Decidi que seria necessário usar minhas habilidades como jornalista para mostrar à sociedade o que está acontecendo por detrás de todo esse sofrimento. Escrevi uma coluna com um título bem simples e direto: “Eu tenho depressão”. Não restaria dúvida a ninguém a meu respeito.

Em primeiro lugar, porque estava exposto ao mundo que eu sou uma pessoa diagnosticada com transtornos de saúde mental. Meus amigos, colegas, ex-chefes, clientes, conhecidos e desconhecidos agora sabiam de tudo.

Fiquei bastante ansioso quando o texto foi ao ar por que era a primeira vez em que eu me expunha tão abertamente. Mas ter problemas de saúde mental deveria ser encarado como algo normal. Se não temos vergonha de falar que quebramos uma perna, que estamos com febre, porque eu deveria me envergonhar?

As dúvidas sobre saúde mental são coletivas

Dezenas de pessoas entraram em contato para compartilhar suas dores, dúvidas e experiências. Consegui quebrar uma parede de silêncio que antes era invisível. Descobri que existem centenas de comunidades de apoio mútuo voltadas a pessoas com ansiedade, depressão e outros transtornos na internet, 100% mantidas e administradas por voluntários, por exemplo.

Por isso, comecei a perceber que o número de perguntas a respeito da saúde mental é infinito. E que talvez os psicólogos e psiquiatras não estejam sendo capazes de explicar às pessoas o que há de errado com elas – e o que é possível de fato fazer. Essa foi uma constatação importante porque me fez notar que há uma narrativa consolidada na sociedade a respeito da saúde mental. E ela explica o porquê de tanto medo, tanto silêncio, tanto isolamento.

Lendo Lost Connections, livro-reportagem do jornalista britânico Johann Hari, comecei a ligar os pontos. Em uma palestra no TED, Hari conta que o projeto surgiu quando ele se fez a pergunta: “Por que cada vez mais gente sente dificuldade para simplesmente sobreviver a um dia?”.

Diagnosticado com ansiedade generalizada e depressão, Hari conta quando seu médico tentou explicar o que havia de errado: “Um desequilíbrio químico no seu cérebro”.

Por que não melhorei com remédios?

Saiba lidar com a ansiedade - Vida Simples 216 Quebrar o silêncio e falar sobre nossas questões com mais naturalidade podem fazer germinar mais acolhimento

Com uma receita em mãos, Hari começou a tomar remédios – assim como eu e milhões fazem todos os dias. No começo, as pílulas foram uma bênção. Ao longo dos anos, no entanto, as sensações ruins continuavam e ele não conseguia entender por quê.

Estava fazendo tudo o que o médico disse. Por que não melhorava? Preciso dizer que essa história é muito comum, embora isso seja pouco discutido.

Nos grupos que acompanho, vejo diversos relatos de pessoas que, no começo, sentem alguns dos benefícios das medicações, mas logo pioram. Ou gente que luta por meses, às vezes anos, para encontrar uma medicação que surta algum tipo de efeito positivo.

Essa foi a motivação de Johann Hari para escrever o livro. O resultado é que ele descobriu que existe muito mais por trás desses tipos de transtornos do que sabemos. No caso da depressão, por exemplo, existem nove fatores capazes de causar a doença. E apenas dois deles são puramente biológicos.

Estou usando depressão como equivalente à ansiedade porque hoje as pesquisas mostram que esses dois fenômenos estão intimamente ligados, embora sejam ainda diagnósticos distintos.

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O que causa ansiedade e depressão?

Hari chegou a uma conclusão importante. E ela mudou minha maneira de enxergar a mim mesmo e ao mundo. A maioria dos fatores que causam depressão e ansiedade estão ligados à maneira como vivemos. Entender isso, explica o jornalista, abre as portas para um novo conjunto de soluções para tratar nossas mentes.

Que fatores são esses? A solidão é um deles, por exemplo. Ela aumenta as chances de uma pessoa desenvolver depressão. Estar em um emprego no qual você sente que não controla nada e não produz nada de significativo é um segundo fator.

A falta de contato com a natureza, acredite, é outro. Vejam, quem está dizendo isso são as pesquisas científicas em diversos lugares do mundo, como Lost Connections mostra. Estamos vivendo em um mundo em que nossas necessidades psicológicas não são atendidas. E é importante perceber isso porque podemos passar a olhar a questão de outra forma.

Ainda tem muita gente acreditando que basta “força de vontade” para lidar com pensamentos obsessivos e com ruminações mentais. “Sai dessa”, dizem. “Para de pensar nisso”, é outro conselho comum. De maneira geral, temos colocado a responsabilidade pelos males nas costas dos indivíduos.

Portanto, as soluções que desenhamos também dependem apenas deles para resolver o problema. Mas pensar que apenas com antidepressivos e frases motivacionais vamos ajudar as pessoas a ser menos ansiosas é um grande engano. Afinal, como Hari mostra, o indivíduo é apenas uma fração do problema.

Vida em comunidade cura ansiedade e depressão

Saiba lidar com a ansiedade - Vida Simples 216 Se pudermos passar por esse caminho com mais apoio e entendimento, floresceremos para um novo jeito de ver a vida

É preciso levar em conta um cenário mais amplo. Médicos cambojanos, por exemplo, têm uma definição muito diferente do que é um antidepressivo. Quando um agricultor de arroz perdeu a perna por ter pisado em uma mina terrestre, ele entrou em depressão, apesar de ter recebido uma prótese que permitia sua locomoção.

O agricultor sentia muita dor e chorava o dia todo. Não conseguia mais fazer seu trabalho e mal saía da cama. Se morasse no Brasil ou nos Estados Unidos, seria levado a um psiquiatra e sairia com uma receita para tomar antidepressivos. No Camboja, no entanto, o “remédio” foi diferente.

Depois de conversar com o paciente e com sua  comunidade, os médicos decidiram pedir a ajuda dos vizinhos para comprar uma vaca para o homem acidentado. A lógica era a de que ele não precisaria enfrentar o trauma dos campos de arroz, onde perdera uma perna, e poderia se dedicar a outra atividade.

Em duas semanas, os sintomas da depressão desapareceram e ele seguiu com sua vida. A vaca era o antidepressivo.

Uma epidemia que só o coletivo vai resolver

Refletindo a respeito das revelações de Hari, percebi que me sentia menos sozinho. Comecei a olhar para o meu entorno e fui compreendendo o diagnóstico de Lost Connections. Escrevo este texto cercado por telas, aparelhos que apitam, carregados com conteúdos infinitos.

Sou freelancer, não tenho certeza de quanto dinheiro terei no fim do mês. Desde a crise financeira de 2008, o mundo vive uma incerteza econômica grave. Esse cenário também afeta o Brasil.

A emergência climática se agrava rapidamente. Na política e na sociedade, a polarização parece ser a regra de (não) convivência. Não temos certeza de nosso futuro, estamos mais isolados, pressionados para sobreviver em condições incertas, em empregos precários.

Faz sentido que as taxas de depressão e ansiedade tenham feição de epidemia. Apesar da comparação da saúde mental com doenças contagiosas ser um tanto perigosa, elas têm algo potencialmente positivo em comum.

Para acabar com epidemias, não adianta apenas ministrar remédios. É preciso um esforço coletivo, envolvendo governos, entidades privadas, a sociedade civil, os indivíduos.

Se vamos chamar a ansiedade de epidemia, que então pensemos em resolvê-la usando as mesma ferramentas. Você, amiga ou amigo ansioso, não está só e não deveria estar. Convoco a todos e todas para tratar desse problema.

O antidepressivo ideal não é uma pílula que se toma no café da manhã. É a força de uma comunidade que faz questão de abraçar aqueles que se veem numa situação difícil.

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Diogo Antonio Rodriguez é jornalista. Desde o ano passado, escreve sobre saúde mental como colunista no site de Vida Simples.


Conteúdo publicado originalmente na edição 216 da revista Vida Simples

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