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Ansiedade e afeto: você conhece a relação entre ambos?
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Uma frase, atribuída ao psicanalista Carl Jung, afirma que “a ansiedade nada mais é do que a tensão entre o agora e o depois”. Mas será que mentes ansiosas estão apenas prisioneiras da antecipação de um futuro incerto?

Sem grandes rodeios posso dizer-lhe já que… não. A ansiedade nem sempre fala sobre o futuro. Na verdade, ela mantém-nos insistentemente presos ao passado! A seguir, explico por que isso acontece.

Antes de tudo: o que é, de fato, a ansiedade?

A ansiedade é um sentimento vago e desagradável de medo e apreensão, caracterizado por uma tensão de antecipação de um potencial perigo.

Por si só, a ansiedade não é um problema para a sua saúde mental. Trata-se de um fenômeno humano universal e que, num nível controlado, faz com que se prepare e esteja ativamente vigilante ao contexto.

Mas, como é que uma ansiedade saudável se torna disfuncional?

Por implicar uma experiência desagradável no corpo e na mente, a ansiedade é frequentemente percebida como algo indesejável e que precisa ser eliminado. De fato, a nossa aversão a esta experiência fisiológica e a crença de que não a deveríamos sentir, é o que mais amplia a nossa dificuldade em regulá-la.

Além disso, a maioria das pessoas possui a expetativa irrealista de que, ao se afastar da causa da ansiedade, ela desaparecerá. Errado.

Ao tentarmos evitar a ansiedade, acabamos por reforçá-la (aliás, como acontece com qualquer outra emoção!). Da mesma forma, suprimir os seus pensamentos ansiosos, torna-os mais fortes e frequentes.

O pior de repetirmos esta estratégia equivocada é que ela nos torna cada vez menos tolerantes a experimentar esta emoção.

E ficamos ansiosos por estarmos ansiosos. E inseguros por estarmos inseguros…

Mas o que o afeto tem a ver com a ansiedade?

Apesar existirem dezenas de cenários propícios à ansiedade, a forma como lidamos com ela está diretamente ligada ao afeto que recebemos no passado, quando vivenciámos contextos emocionalmente desafiadores.

Como assim, Márcia? Eu explico.

Perante uma situação de ameaça, é ativado um sistema de vinculação inato, que nos faz procurar a proximidade das figuras prestadoras de cuidados. E é através do afeto que os cuidadores ensinam a criança a tranquilizar-se perante a variação do seu espectro emocional.

A ausência de respostas afetivas dos pais contribui para que a criança desenvolva uma visão dos outros como indisponíveis, não confiáveis ou até prejudiciais.

Isso significa que a qualidade do cuidado recebido nos primeiros anos de existência impacta o desenvolvimento do cérebro, especialmente, a maturação dos sistemas de regulação emocional.

É também a partir do afeto que toda a criança define muitas das estruturas que contribuirão para a formação da sua autoimagem.

Entenda: quando, desde cedo, uma criança recebe uma resposta afetiva que a capacita a enfrentar os desafios da vida, é mais provável que ela aprenda a normalizar as sensações físicas provocadas pelas emoções. Ao mesmo tempo, receber afeto quando se sente inseguro, capacita-o a lidar de forma proativa e compassiva com os desafios, experimentando confiança em quem se é.

Sentir-se seguro diante das suas emoções desagradáveis (em vez de ameaçado!) não é algo que você sabe fazer de nascença. Na verdade, quando nascemos, a região do cérebro capaz de regular as próprias emoções não está totalmente desenvolvida.

Para aprendermos a lidar com o medo e a insegurança, precisamos de instruções afetivas que nos mostrem que as emoções não são perigosas.

Para além de ninguém nascer preparado para se autorregular, nenhum de nós vem ao mundo com um autoconceito predeterminado. A autopercepção é desenvolvida muito com base nas reações dos outros e no modo como nos fazem sentir acerca de nós mesmos.

Quando os sentimentos de exposição, vulnerabilidade e impotência são vivenciados repetidas vezes sem recursos, começam a ser internalizados. Isso vai definindo que, não só não podemos confiar nos outros, como não podemos confiar em quem somos.

Afeto condicionado promove mentes inseguras

Ainda é comum que o afeto seja uma moeda de troca em função do bom ou do mau comportamento. Só o recebemos (em forma de validação, apreciação, incentivo) se somos bem-comportados, agradáveis, bonzinhos, esforçados.

Quantas vezes, enquanto sentiu raiva, em vez de receber compreensão, alguém exclamou “que exagero!” É também comum, mesmo entre adultos, quando alguém manifesta o seu medo, obter um comentário como “não faz sentido sentir-se assim!”. Ou quando alguém se sente infeliz, é frequente ouvir “na minha vida é muito pior”.

Se não aprendemos a legitimar e regular o que sentimos, é natural que a nossa mente se torne insegura diante da vida. Concorda?

Isso faz com que não estejamos presos à incerteza do futuro, mas presos a uma memória de desamparo do passado. Condicionados ao medo das emoções serem maiores do que nós.

Acontece que as emoções fazem parte da sua potência. Se não aprender a relacionar-se afetivamente com elas, poderá depreender que devem ser aniquiladas. Imagine como fica uma mente que está permanentemente a se autocombater? Ansiosa, claro! É como uma doença autoimune: constantemente a tentar lutar contra aquilo que lhe é inato. Sentir.

Além do mais, uma boa parte da ansiedade que carregamos ao longo do dia pode ser reveladora de outras emoções com as quais não sabemos lidar. O corpo vai ficando agitado, nervoso, intoxicado quando não ventilamos o nosso espaço afetivo. É como se andássemos a varrer o nosso lixo emocional para debaixo do tapete. Até chegar o dia onde não é mais possível ignorar o fedor, no centro da nossa própria casa!

Uma mente não ansiosa constrói-se numa autoestima humanizada

Como vimos, experiências precoces de empatia, aceitação e aprovação são uma fonte de sentimentos de segurança e uma referência futura de autotranquilização.

Para você promover uma mente emocionalmente mais estável, precisa, antes de mais, entender como foi o processo de afeto no seu desenvolvimento.

Se os seus estados emocionais não lhe foram pacientemente explicados, acolhidos e orientados, é provável que tenha crenças negativas sobre o que sente.

Por outro lado, se não foi encorajado a desenvolver a sua autoeficácia, se a sua mente lhe diz para fugir, não terá alternativa…

Para sermos capazes de nos tranquilizarmos quando a nossa mente nos diz que “tudo vai ser ruim!” ou que “não vamos ser capazes”, precisamos aprender:

  • que todas as emoções são válidas, assim como temporárias, sabendo, antes de tudo, que elas são o mensageiro. E de nada adianta querer matar o mensageiro, certo?;
  • a tolerar emoções desconfortáveis enquanto fazemos aquilo que precisa ser feito e que está sob o nosso controle. Isto significa saber agir independentemente do que se está a sentir. Em vez de ativar uma agenda de controle para eliminar a todo o custo a dor emocional.
  • a ser o principal responsável por garantir que a sua mente não usa o medo para se ferir ou autoperseguir. Isto é, não permitir que um erro sirva para nutrir neuroses como ‘”sou insuficiente”, “nunca serei amado” ou “isto não é para mim”.

Assim, uma autoestima sólida e humanizada é aquela que aceita os 3 principais aspetos fundamentais da nossa Humanidade:

  1. somos seres emocionais (emoções são inatas e importantes para nos orientarmos de forma potente na vida);
  2. somos seres demandantes (é natural ter necessidades e elas não significam carência, nem fragilidade);
  3. somos seres imperfeitos (o erro faz parte do acerto e não deve ser visto como uma ameaça, mas como uma oportunidade para se desenvolver).

A sua ansiedade quer ser acolhida, não combatida

Construir o seu autoconceito com base nos pressupostos anteriores faz com que pare de fugir da sua vulnerabilidade. Mais: permite que você seja afetivo quando as suas emoções se tornam turbulentas, ajudando-o a atravessar as suas tempestades internas sem se abandonar.

Entenda, portanto, que o afeto é a principal âncora para as mentes ansiosas que aprenderam a desconfiar de si mesmas e do mundo. Ser afetivo consigo mesmo é parar de querer lutar com a sua mente.

Você não precisa combater os pensamentos ruminantes, nem eliminar as emoções desconfortáveis. Você precisa normalizá-los. Apenas isso. Normalizar o fato de nem sempre se sentir confortável, seguro e pronto. Normalizar o fato da sua mente ter tendência para fantasiar e que você não precisa comprar nenhum dos seus filmes internos.

Educar a sua mente com afeto é compreender que as emoções podem ser desconfortáveis e isso não faz delas erradas ou ruins.

Uma mente amorosa diante dos seus fenômenos internos é uma mente mais estável e ampla, capaz de gerir a ansiedade, sem se perder nela.

Aceite que combater o que está sentindo não vai lhe garantir a segurança que espera. Mesmo que seja isso o que a sua mente lhe diz. Afinal, esse é o papel dela: garantir a sua sobrevivência e não a sua felicidade. É por isso que “alívio” é diferente de “bem-estar”. A sua mente ansiosa pode dizer-lhe, por exemplo, que não comparecer a uma apresentação de trabalho é simplesmente o melhor a se fazer para evitar que ela seja péssima. Mas essa escolha apenas reforçará a sua aversão a situações semelhantes.

Promover o seu bem-estar é aprender a ter uma atitude emocional flexível, mesmo que para isso seja necessário tolerar um certo grau de desconforto. Faz parte.

A esse ponto, creio que você já entendeu, não é? Não é possível aceitar o desconforto sem a presença de afeto.

Mentes tranquilas são mentes que se sentem seguras e amadas, independentemente do que sentem, fazem ou alcançam.

Então, daqui em diante, experimente escolher afeto… em vez de controle.

Leia todos os textos da coluna de Márcia Inês Coelho em Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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