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O pessimismo pode ser bom quando há maturidade
(Foto: CHUTTERSNAP/Unsplash)
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Ser humano é ser dotado do gran­de dom da preocupação. Somos, provavelmente, a única criatura que fica ansiosa com o futuro e que se ar­repende do passado. Aqueles pen­samentos “e se…” e “que bom se­ria…” despendem muita energia.

Tanto li­teralmente — porque o cérebro é um grande consumidor de nutrientes e oxigê­nio — quanto metaforicamente. Não é de espantar que, muitas vezes, a gente se sinta exausto com a rotina e sem vontade de seguir em frente.

No mundo ocidental, tende­mos a pensar que a solução para is­so — o caminho para a calma, diga­mos — é esvaziar a mente. Toda uma indústria surgiu oferecendo isso. Retiros silenciosos, aplicativos de mindfulness, aulas de ioga com can­tos e sinos e até versões de fácil con­sumo do budismo exibem a possibi­lidade de uma vida tranquila.

A questão é que, muitas vezes, apesar de tudo isso, continuamos seguindo ansiosos. Talvez ainda mais: se tais retiros, aulas e aplicati­vos parecem não trazer tranquilida­de, corremos o risco de nos sentir­mos culpados por não sermos “tão bons” nisso. E todo o processo pode acabar sendo uma grande frustração para os envolvidos.

Não sou muito bom em praticar nada disso. Acho entediante medi­tar. Não me conecto bem com a prá­tica do mindfulness. No entanto, há pouco tempo, encontrei um tipo de tranquilidade em um lugar muito inesperado: o pessimismo.

Como assim, pessimismo?

Ao ou­vir essa palavra, você deve estar pensando: o pessimismo não é al­go que devemos banir de nosso jei­to de pensar? Não devemos passar pela vida sorrindo, sendo positivos e otimistas? Não é isso o que os li­vros de autoajuda nos dizem desde que foram inventados?

Sim e não. Depois que o movimento chamado Pensamento Positivo, que prosperou nos EUA nas décadas de 1960 e 1970, ficou conhecido, temos essa ideia de que sorrir fará com que nos sintamos melhor com relação ao mundo.

É verdade que é muito melhor passar o dia sorrindo do que franzindo o cenho. Contudo, logo fica dolorosamente claro que o otimismo ensolarado tem seus limites, porque quando as coisas dão errado (e dão mesmo) ficamos totalmente desapontados, como uma criancinha cujo sorvete acabou de cair no chão.

Em vez disso, precisamos mudar nossa forma de olhar para o mundo. Um caminho é tentarmos buscar respostas em um grupo de filósofos romanos chamados “estoicos”, especialmente Lucius Annaeus Seneca — ou Sêneca, como é mais conhecido.

Ele era um homem rico, feliz e bem-sucedido, mas muito ciente de que as coisas poderiam dar errado a qualquer momento. Ao pensar dessa forma, não se via como alguém especial ou azarado.

Sentia que a vida era assim — para todos. O mundo é, portanto, na maior parte do tempo, imprevisível. Problemas acontecem e, quando as coisas não saem como planejamos, frequentemente é por causa de algo fora de nosso controle.

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“A vida não é um morango”

Isso é algo difícil, para nós, oci­dentais, de aceitar. Especialmente porque vivemos nas sombras do Ilu­minismo, sentimos que temos o po­der de fazer a vida se curvar à nossa vontade.

Deveríamos, como ditam tantas redes sociais, conseguir “cur­tir o momento” e “fazer a diferença no mundo”. Deveríamos ser capa­zes de tornar nossa vida mais feliz e plena. Se não conseguimos fazer is­so, talvez seja porque tomamos a di­reção errada ou não tenhamos ten­tado o bastante.

Essa, por acaso, é a raiz de um péssimo desdém, em muitas sociedades ocidentais, por pessoas sem-teto ou viciadas. Um argumento falacioso de que ter uma vida de­cente é apenas uma questão de for­ça de vontade. De que não é possível que elas tenham se esforçado o sufi­ciente. E tal raciocínio se sustenta até nos vermos na mesma posição e percebermos que isso pode não ser realmente nossa culpa.

Entretanto, o pensamento de Sêneca não era de que devemos de­sistir de curtir a vida ou mudar o mundo — pelo contrário. Para ele, deveríamos entender que sucesso e fracasso são resultados bem alea­tórios. Portanto, temos muito menos con­trole sobre isso do que supomos. E que, em vez de presumirmos que tudo correrá bem, deveríamos nos preparar psicologicamente para as coisas darem errado.

Aprenda a dosar o pessimismo no dia-a-dia

Para isso, Sêneca propôs come­çarmos o dia com o que chamava de premeditatio, ou premeditação, na qual pensamos em tudo o que po­de dar errado: aquela reunião com o chefe, o encontro no bar, a conversa difícil com os pais.

A ideia não é se desesperar, mas entender que, mes­mo tudo dando errado, ainda assim você sobreviverá — pode ser doloro­so, mas do chão não passa.

Sêneca também recomendou testar essa ideia na prática. Embo­ra vivesse bem, de vez em quando dormia no chão da cozinha e co­mia pão amanhecido para provar a si mesmo que sobreviveria assim.

Gosto de pensar nessa atitude como um pessimismo construtivo, al­go diferente do pessimismo triste e cínico que as pessoas amargas fre­quentemente demonstram. É rea­lista que a vida, às vezes, traga reve­ses. Ele entende que, na maior par­te deles, não somos culpados, e sabe que, na maioria dos casos, passare­mos por eles.

Digo “na maioria dos casos” porque haverá um momento que não iremos superar: o da nossa morte. Ela é tão eliminada de cons­ciência que caímos na ilusão de que, de alguma forma, ela não acontece.

Como Marco Aurélio, impera­dor romano e grande seguidor de Sê­neca, escreveu em Meditações: “Não aja como se fosse viver 10 mil anos. A morte paira sobre sua cabeça. En­quanto você viver, enquanto esti­ver em seu poder, seja bom”.

É uma questão de equilíbrio

Para a maioria de nós, a morte virá inespe­radamente. Nosso único trabalho é viver bem até esse momento.
Durante a maior parte da minha vida, muito antes de ter ouvido fa­lar de Sêneca, resisti a esse jeito es­toico e pessimista de pensar.

Sempre fui otimista, pulando de projeto em projeto com uma energia contagian­te. Quando as coisas corriam bem, era ótimo. Os problemas vinham quando eu fracassava. Agora per­cebo que eu não tinha uma manei­ra útil de lidar com esses momentos a não ser, constante­mente, culpar a mim mesmo.

Me levan­tei e recomecei vá­rias vezes, mas isso demandou energia. Há um limite para cair de cara no chão. Com Sêneca, per­cebi que precisava ajustar minha visão de vida ao transfor­mar meu otimismo (“Tem que dar cer­to”) em empolgação (“Ficarei animado se der certo”).

A mudança é sutil, mas constatei que esse jeito de pensar abre espaço pa­ra uma nova ideia que não se encai­xa no otimismo: “Pode não dar cer­to, mas a vida continua”.

Essa pequena mudança trouxe muita tranquilidade para mim. Ain­da fico empolgado com a vida e ani­mado com suas possibilidades, mas também menos ansioso quanto às chances de algo dar errado. E isso, juro, não me impede de sorrir.

Sobre a série Dilemas

Série Dilemas é uma parceria entre a revista Vida Simples e a The School of Life e traz artigos assinados por professores da chamada “Escola da Vida”. A série tem como objetivo nos ajudar a entender nossos medos mais frequentes, angústias cotidianas e dificuldades para lidar com os percalços da vida.

The School of Life explora questões fundamentais da vida em torno de temas como trabalho, amor, sociedade, família, cultura e autoconhecimento. Foi fundada em Londres, em 2008, e chegou por aqui em 2013. Atualmente, há aulas regulares em São Paulo. Para saber mais: theschooloflife.com/saopaulo


David Baker é jornalista, escritor, coach, consultor, professor e um dos fundadores da The School of Life no Brasil. Ele foi, também, um dos criadores da revista Wired no Reino Unido, que trata sobre tecnologia. E escreve regularmente para algumas das mais reconhecidas publicações do mundo.

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Conteúdo publicado originalmente na Edição 196 da Vida Simples

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