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É possível se adaptar a qualquer mudança?
Foto: Suzanne D. Williams/Unsplash
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Recentemente assisti mais uma vez ao filme Feitiço do Tempo, em que o egocêntrico e sarcástico re­pórter Phil Connors, interpretado pelo ator Bill Murray, é destinado a viver e reviver o mesmo dia (o Dia da Marmota) incontáveis vezes, até enfim se adaptar e voltar à sua vida normal.

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Ao longo das repetições, Phil reage às mesmas situações de maneiras di­ferentes, começando de forma sar­cástica e defensiva. Mas o dia vol­ta a repetir, e ele começa a experimentar novas formas de se adaptar à situação, porém ainda reproduzin­do e reforçando seu velho modo de pensar e agir.

Quando percebe que nada faz com que ele volte à sua ro­tina normal, ele comete suicídio, diversas vezes e de diferentes ma­neiras, já que o mesmo dia volta a re­petir. Ou seja, Phil preferiu morrer do que mudar. Mas nem mesmo is­so adiantou. Ele estava condenado a se transformar.

Até que Phill pas­sa a encarar essa situação insupor­tavelmente previsível como oportu­nidade, já que não tinha mais nada a perder. Oportunidade de fazer coi­sas que sempre teve vontade e nun­ca fazia. De se rela­cionar com as pessoas de forma afe­tuosa.

Oportunidade de se arriscar para ajudar o próximo. De se dedi­car a algo até alcançar a excelência, como tocar piano. No entanto, para chegar a esse ponto ele precisou se matar, diversas vezes.

Preencha-se de coragem para se adaptar

Como atravessar essa fronteira, que vive dentro de todos nós de al­guma maneira, para, ao invés de re­sistir e querer perpetuar o status quo, abraçar as segundas, terceiras, quar­tas chances que a vida nos dá de fa­zer diferente, de exercer nossa hu­manidade, de fazer uso de nossa coragem existencial?

Ou seja, criar coragem de existir, de ser quem so­mos, o que, segundo o filósofo ale­mão Nietzsche, é o grande objetivo da vida humana. Mas como assim?

A coragem existencial é um poderoso conceito desenvolvido pe­lo psicólogo, pro­fessor e pesqui­sador Salvatore Maddi, fundador do The Hardiness Institute.

O conceito foi inspi­rado por um pro­fundo estudo so­bre a capacidade de adaptação de um grupo de pes­soas — funcioná­rios de um grande grupo de telecomunicações nos Es­tados Unidos nos anos 70 (a Illinois Bell Telephone, IBT), quando o se­tor vivia mudanças profundas como a alteração do marco regulatório e o avanço tecnológico.

De modo ge­ral, a maioria das pessoas acompa­nhadas pelo estudo teve grandes di­ficuldades de adaptação às mudanças, afetando negativamente suas relações, sua saúde física e emocio­nal, dentre outras consequências.

No entanto, um terço desse grupo reagiu de forma extremamente po­sitiva e construtiva às transforma­ções, prosperando e se reinven­tando apesar das circunstâncias.

Segundo os pesquisadores, o que di­ferenciou esse grupo dos demais foi a coragem existencial, composta de atitudes como o engajamento e pro­tagonismo em relação aos aconteci­mentos ao invés da negação ou pas­sividade.

E acima de tudo, apresentam uma men­talidade desafiadora, que os ajuda a enxergar processos complexos de mudanças — sejam positivas ou ne­gativas — como oportunidades de aprendizado e crescimento pessoal.

A única constante é a mudança

O que temos a aprender com is­so? Primeiro, que a única constan­te é a mudança. Sendo assim, como usá-la para o nosso florescimento ao invés de combatê-la? Basta ob­servarmos o céu — ora azul, ora en­coberto, ora ensolarado, ora chuvo­so. E nenhum desses estados é per­manente.

Tudo passa. Assim como a tristeza, a decepção, a falta de di­nheiro, a dor da separação. Assim como a alegria, o sucesso, as me­lhores conquistas.

Com isso em mente, passei a me auto-observar, e em inúmeras situações me surpreendi com uma curiosa contradição. Ao mesmo tempo em que resisto, me energi­zo com a possibilidade de mudan­ça.

Um exemplo disso é quando es­tou prestes a viajar. De repente, sin­to-me mais apegada à minha casa, minhas coisas, minha rotina pre­visível. Mas, ao mesmo tempo, há um chamado por aventura, que des­perta dentro de mim grande curio­sidade e vontade de partir.

Dentre outras situações cotidianas que re­velam essa contradição — e que tal­vez nos ajudem a compreender por que é tão difícil adotar essa menta­lidade aberta, corajosa e predispos­ta às mudanças.

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O que nos faz resistir à nos adaptar?

Essa é uma boa pergunta. Talvez nossa herança evolucionária, pois praticamente até a Revolução In­dustrial as mudanças eram muito lentas. E, quando aconteciam, vinham de for­ma mais visível: em geral, eram pro­vocadas por acontecimentos dra­máticos ou trágicos, como guerras, epidemias, enchentes e fome.

Mas há motivos para acreditarmos no lado positivo das mudanças. Caso elas não tivessem acontecido, tal­vez ainda estivéssemos vivendo sob regimes escravagistas, ou sub­metidos a trabalhos braçais e sem senso de propósito.

E o fato de ain­da existir muito a ser feito nos traz esperança de que mudanças podem transformar o mundo, começando por cada um de nós.

Abraçar essas modificações exi­ge de cada um de nós confiança em nosso poder de transformação, e também uma boa dose de autocon­fiança, que nos leva à ousadia e cria­tividade, uma das grandes fontes de significado para o ser humano.

Um exercício bem simples que pode ajudar é, ao invés de dizer imedia­tamente “não”, acolher o que chega com curiosidade e construir a partir disso. Dizer “não” é fácil e cômodo. Por outro lado, não saímos do lugar­-comum, como mostra o filme Feiti­ço do Tempo de forma brilhante.

Adaptabilidade: a capacidade de lidar com mudanças

A capacidade de lidar com as mudanças de forma construtiva, encarando-as como oportunida­des de aprendizado e crescimento, é a habilidade emocional chamada adaptabilidade.

Já dizia o pesqui­sador Charles Darwin que não so­brevivem os mais fortes, mas sim os que melhor se adaptam ao meio. Em tempos de Quarta Revolução Industrial fala-se o mesmo.

Aque­le que melhor se adaptar às novas condições de vida e mercado, dian­te dos avanços tec­nológicos sem precedentes, é que en­contrará seu espaço criativo e portan­to de pertencimen­to, outra das buscas fundamentais do ser humano

Na The School of Life, ministro um workshop so­bre adaptabilidade em que explora­mos essa habilida­de de inúmeras ma­neiras, provocando uma quebra desse estigma asso­ciado ao potencial ameaçador das mudanças.

Se não podemos parar o mundo, podemos trabalhar em nós a forma de nos relacionarmos com as mudanças, passando a encarar as transformações de forma menos misteriosa e como fonte de cresci­mento.

E assim, de repente, nos da­remos conta de que a vida que não se transforma não vale a pena ser vi­vida. E você, o que faria diferente se o dia de hoje se repetisse amanhã?

Sobre a série Dilemas

A Série Dilemas é uma parceria entre a revista Vida Simples e a The School of Life e traz artigos assinados por professores da chamada “Escola da Vida”. A série tem como objetivo nos ajudar a entender nossos medos mais frequentes, angústias cotidianas e dificuldades para lidar com os percalços da vida.

A The School of Life explora questões fundamentais da vida em torno de temas como trabalho, amor, sociedade, família, cultura e autoconhecimento. Foi fundada em Londres, em 2008, e chegou por aqui em 2013. Atualmente, há aulas regulares em São Paulo. Para saber mais: theschooloflife.com/saopaulo


Mônica Barroso é professora, facilitadora, coach e curadora de programas da The School of Life Brasil, onde realiza seu propósito de apoiar pessoas, grupos e organizações em sua aventura de se modificar, transformar, sempre. Mônica dá, entre outras aulas, a de adaptabilidade.


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Conteúdo publicado originalmente na Edição 198 da Vida Simples

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