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Quer mudar de carreira? Não basta só garra, é preciso conectar os pontos
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Sua vida profissional já deu muitas voltas? Ter garra é fundamental. Mas, além disso, conectar pontos de uma jornada única possibilita a construção de uma história original, inspiradora e profundamente valiosa.


Os famosos commencement speeches (os discursos de iniciação) das universidades pelo mundo tem como função inspirar graduandos para a jornada que se inicia após uma trajetória acadêmica. Esses discursos, tradicionais nos Estados Unidos, são proferidos por figuras ilustres e muitos se tornam famosos. Quem discursou para nossa turma na Universidade da Pennsylvania foi Angela Duckworth, uma das maiores pesquisadoras em psicologia, e querida professora da nossa turma de mestrado.

Contarei sobre o discurso ao longo do texto. Por ora, saiba que Angela Duckworth construiu uma carreira notável estudando a excelência humana. Mais precisamente, ela busca entender o que faz com que alguns de nós atinjam a excelência em diferentes áreas de atuação.

Antes de continuar, gostaria de deixar claro que nomear uma característica como unicamente responsável pelo sucesso humano seria simplificar demais a nossa complexidade. Por isso, saiba que as pesquisas de Angela não buscam dar a única receita para o sucesso. Em vez disso, o trabalho da pesquisadora mostra que, entre outras tantas qualidades, uma parece ser bastante comum entre as pessoas excelentes — tanto que Angela a considera quase indispensável. Duckworth deu a esta qualidade o nome “grit”, traduzida como garra para o português.

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O que é garra?

Angela explica que garra é a mistura de paixão com persistência a longo prazo. Ou seja, garra não é talento, nem sorte.

Garra também não é a intensidade que você quer algo em determinado momento. Em vez disso, a garra é sobre se comprometer com um objetivo maior. Um objetivo de longo prazo que, por ser tão importante, passa a organizar e dar sentido às suas escolhas e atividades cotidianas.

Garra é sobre permanecer fiel a esse objetivo mesmo quando você falhar. Mesmo quando você errar. Mesmo quando o seu progresso for lento ou interrompido por qualquer razão. E para construir excelência, segundo Angela, a garra é mais importante do que talento, sorte ou inteligência.

Quando o longo prazo e a paixão estão em áreas distintas

O trabalho de Angela é um incentivo para as pessoas persistirem e se desenvolverem naquilo que amam. Afinal de contas, se você acreditar que o sucesso depende de um talento pré-existente, e que você não foi contemplado, facilmente desistirá dos seus sonhos em favor do combo sofá e Netflix.

A coisa muda de figura quando você entende que a excelência pode ser alcançada por quem tem paixão e persistência no longo prazo. Neste caso, a excelência se torna uma meta alcançável.

A não ser, é claro, que você acredite que não tem mais tanto prazo assim. Ou então, quando sente que o seu longo prazo já foi gasto em um lugar pelo qual você não é apaixonado. Eu, por exemplo, tive bastante medo quando decidi trocar uma trajetória de dez anos no mercado financeiro para me dedicar à psicologia. Afinal de contas, já tinha investido muito tempo na carreira anterior e, certamente, levaria outra grande quantidade de tempo para chegar a uma posição similar na nova atividade.

Garra é o resultado da combinação entre paixão e persistência a longo prazo. Porém, quando focamos excessivamente no fator longo prazo, podemos facilmente desistir de nossos sonhos e da nossa paixão.

De fato, talvez a mudança profissional seja uma das decisões mais difíceis da vida adulta, e uma das mais complexas. Quando exercemos uma atividade profissional por bastante tempo, ela se torna parte da nossa identidade.

Tememos não ter tempo o suficiente para recomeçar, ou ter investido tempo demais para desistir. Além disso, os seres humanos não gostam de caminhos incertos. Estamos programados para procurar previsibilidade. E quando falamos de trajetórias profissionais, uma nova rota não traz apenas a incerteza do sucesso profissional, mas também o questionamento sobre a sua capacidade de se manter financeiramente.

Ligando os pontos

De qualquer forma, eu fui com medo mesmo. Mas, ainda hoje, às vezes me pergunto sobre onde eu estaria se tivesse escolhido a minha profissão atual desde a primeira faculdade. Mas não são todas as pessoas que pensam assim.

Por exemplo, Brené Brown demorou doze anos para se formar na faculdade. Durante esse período, ela rodou a Europa, experimentou a vida e desenvolveu o alcoolismo. Foi aos 30 anos que Brené se formou como bacharel em assistência social. Mas, mesmo assim, Brené contou em uma entrevista recente que não mudaria seu percurso se pudesse. Afinal de contas, os erros ao longo do caminho a ensinaram mais sobre a complexidade humana – seu tópico de interesse – do que seria possível aprender lendo a bibliografia recomendada em uma trajetória acadêmica perfeitamente linear. De fato, Brené ficou mundialmente famosa aos 45 anos pela profundidade com que estudava – e vivia – a vulnerabilidade.

Quem também não se arrependeu de uma trajetória pouco usual foi Steve Jobs. Em seu discurso para formandos da Universidade de Stanford, em 2005, Jobs contou que desistiu de se formar na faculdade. Foi, por isso, inclusive, que acabou fazendo uma aula de caligrafia. Embora não tivesse qualquer uso prático no momento, foi esta aula que o inspirou – 10 anos depois – a incorporar belas fontes à interface do computador que desenvolvia com um amigo na garagem de seus pais, o Macintosh. Ou seja, não fosse a desistência da faculdade não haveria a aula de caligrafia. Não havendo a aula de caligrafia, o Mac — e a Apple – teriam outra história.

Óbvio, você pode pensar. Afinal de contas, você também não mudaria a sua trajetória se esse caminho lhe tivesse rendido inúmeros prêmios, dinheiro, e sabe-se lá o que mais. Fato. Mas a questão é que não tem como saber se a trajetória te levará a um bom destino enquanto você ainda estiver caminhando.

Para Jobs, é impossível conectar os pontos — ou seja, as aulas de caligrafia ao Mac, ou a peregrinação de Brené às vantagens como pesquisadora — olhando para a frente.

Você só pode conectar os pontos olhando para trás. Até lá, aconselhou Jobs aos alunos de Stanford, “é preciso confiar que os pontos se conectarão de alguma forma no futuro. Você tem que confiar em algo – seu instinto, destino, vida, carma, o que for.”

As curvas podem nos levar por caminhos atípicos, acidentais, aleatórios, e por vezes até sofridos e indesejados. Mas quando utilizamos as lições que aprendemos nestes lugares a serviço daquilo que nos brilha os olhos, ganhamos criatividade e profundidade – e isso nos diferencia da multidão. Conectando pontos de uma jornada pouco usual é possível construir uma história original, inspiradora e profundamente valiosa.

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A paixão

Comecei o texto prometendo-lhe contar sobre o discurso de Angela. De alguma forma, eu esperava que ela trouxesse a definição de garra — e para refrescar a sua memória, repito que trata-se da combinação entre paixão e persistência a serviço de um objetivo de longo prazo. Mas, para a minha surpresa, Angela nos comparou a paramécios.

E se você não sabe o que são paramécios, você não está sozinho. Nem mesmo o processador de texto que estou usando reconheceu esta palavra. Pois bem, paramécios são protozoários unicelulares que não tem cérebro, cognição, tampouco capacidade para concluir qualquer atividade acadêmica.

Mesmo assim, Angela nos contou que poderíamos aprender com a lógica que essas criaturas seguem para se movimentar: a tentativa e erro. Ou seja, paramécios seguem determinada direção enquanto o ambiente lhes é favorável. No momento em que isso deixa de ser verdade, eles mudam de rota, às vezes fazendo uma curva sutil, às vezes fazendo uma rotação de 180 graus.

Em seu discurso, Angela nos disse que persistir faz sentido, desde que o caminho lhe traga brilho aos olhos e felicidade ao coração. Quando esse não é o caso, leve consigo a sabedoria que o caminho lhe trouxe, e não hesite mudar de direção.

É a paixão que permite que as pessoas se entreguem para o que fazem de corpo e alma, dia após dia, ano após ano, década após década. A persistência a longo prazo é consequência de uma trajetória apaixonada.

Também sobre isso, Jobs disse aos formandos de Stanford, “a única maneira de estar verdadeiramente satisfeito é acreditar que você faz um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um ótimo trabalho é amar o que você faz”.

Portanto, se você não se identifica com o que faz, e uma mudança de 180 graus não é possível, lembre-se que paramécios também fazem pequenas rotações.

Na prática, isso pode tomar a forma de um novo projeto, por exemplo, ou a integração de partes daquilo que você ama na atividade que você já exerce. Mas, se você já puxou o freio de mão e mudou radicalmente a rota, não se intimide pelo fator “longo prazo”.

Entregue-se para a curiosidade e explore seus interesses autênticos, todos os dias. Nas palavras de Jobs, confie no seu instinto, destino, vida, carma, o que for. Porque, em algum momento no futuro, os pontos irão se conectar.

Leia todos os textos da coluna de Adriana Drulla em Vida Simples


ADRIANA DRULLA (@adrianadrulla) é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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