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Você é guiado pelos seus valores ou pela sua insegurança?
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O motivo que você usa para justificar sua luta vale mesmo a pena? Descubra se a insegurança vem guiando suas metas sem você se dar conta disso.

A chegada de um novo ano costuma ser acompanhada por resoluções e promessas de mudanças. São nossos objetivos que nos movem, que nos fazem progredir e mudar aquilo que não funciona mais. Seres humanos precisam de metas. Mas será que escolhemos bem nossos objetivos?

Metas podem nos fazer bem, mas também podem nos escravizar. Objetivos podem nos aprisionar em uma eterna busca por aquilo que nunca irá chegar. Simplesmente porque buscamos o que precisamos em lugares errados. Um dos meus grandes aprendizados no estudo da psicologia foi que, antes de correr atrás das metas, é importante entender o que nos motiva a escolhê-las em primeiro lugar.

Muitas vezes nosso cérebro nos predispõe a escolher metas pelas razões erradas. Não é tudo o que desejamos que vale a pena.

A escolha embasada no sistema de alarme

Paul Gilbert, meu professor e criador da Terapia Focada em Compaixão, chama de “Threat-Based Drive” (motivação baseada em ameaça, em tradução livre) quando o que nos impulsiona em busca dos nossos objetivos é o sistema de alarme.

A explicação é simples. Primeiro, você se sente inferior em determinada área da sua vida. Como uma das maiores necessidades humanas é sentir-se valioso socialmente, este sentimento de inadequação é, para o cérebro, uma ameaça. Portanto, é acionado o sistema de alarme que é responsável por emoções como vergonha, raiva de si mesmo, sensação de incompetência, medo, inferioridade, e até nojo.

Você passa a se monitorar o tempo inteiro e fica menos tolerante com relação aquilo que lhe incomoda. Se é a forma física que não está legal, você passa a se pesar ou a se olhar no espelho frequentemente. Se são as suas conquistas profissionais que incomodam, você fica obcecado com ideia de que é malsucedido.

Você passa a enxergar seus erros e defeitos como provas de incompetência. Passa a se avaliar compulsivamente. Compara-se com os outros e se sente inferior.

Então, para reestabelecer o seu valor social, você olha para o mundo – e para os que julga bem-sucedidos – para entender onde você precisa melhorar. Você estabelece um objetivo. Uma conquista capaz de lhe tornar valioso como fulano. Vamos dizer que você chegue à conclusão de que a solução seja empreender no mercado de moda. Não, você nunca se interessou pelo ramo, mas fulano tem uma história de sucesso que segue por estas linhas. Ou então decide fazer musculação, algo que sempre odiou, mas deixou um conhecido com um corpo escultural. Você procura as receitas alheias para chegar lá porque sente que não tem valor pelo que você é.

Você quer chegar aonde você fantasia que estarão a sua segurança e amor-próprio. Você acha que uma vez que conquistar este objetivo, terá orgulho de si e a sensação de ser bom o suficiente.

Chegando lá

Quando o que o move em direção a um objetivo é a insegurança, qualquer falha no caminho poderá ser interpretada como prova de que você é incapaz. Por isso, eventualmente você pode desistir e nunca, de fato, chegar lá. Mas nem sempre é assim. Às vezes você consegue alcançar ou progredir em direção ao seu objetivo. Nestas horas, a sensação de alegria é enorme, mas inversamente proporcional ao tempo que ela dura. Este é um efeito colateral da dopamina, o hormônio que nosso cérebro libera quando conquistamos algo. Entretanto, logo o cérebro se acostuma com a conquista e você percebe que o lugar que chegou não era aquele que fantasiava. Você chegou lá, mas curiosamente ainda se sente vazio.

Lá não tem a sua alma, tampouco a sua cara. Aliás, a esta altura, é até possível que você não saiba mais qual é a sua cara.

Eu, por exemplo, tive uma crise dessas quando me deparei com uma escolha profissional que não tinha nada a ver comigo. É que anos antes disso eu estabeleci um objetivo: ser muito bem-sucedida em uma carreira extremamente difícil e admirada pelos meus pares na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Minha meta era o mercado financeiro. Na verdade, aquela era a meta do momento. Tornou-se minha porque eu estava insegura sobre a minha capacidade de escolha. Segui a receita alheia, que assegurava o sucesso profissional. Me dediquei por anos e incontáveis noites sem dormir.

O caminho que trilhei foi permeado por conquistas – e dopamina. A cada promoção, ou nova conquista, sentia-me muito bem a meu respeito. Olhava para o mundo e percebia que tinha chegado em um lugar importante. Tempos depois, percebia que meu trabalho não me preenchia. Anos mais tarde, e depois de muita resistência interna, resolvi recomeçar do zero. Foram quase dez anos para aprender a lidar com meu sistema de alarme e trilhar um caminho profissional motivado por outro sistema.

PARA LER DEPOIS: Como a manter viva a esperança do Ano Novo todos os meses

Por que nos sentimos inferiores?

Somos seres sociais e queremos ter valor na comunidade em que estamos inseridos. Sentir que somos valiosos para o outro é uma necessidade humana básica e universal. Portanto, a nossa natureza nos predispõe a compararmo-nos com os outros e a querer conquistar o que é socialmente desejável para nós. Acontece que essa tarefa tem sido cada vez mais difícil. Em um mundo extremamente competitivo, a normalidade não é vista com bons olhos. Na sociedade competitiva são valorizados aqueles que conseguem conquistar o que é difícil demais para quase todos nós.

O inalcançável vem se tornando cada vez mais normal. Seja porque algumas pessoas editam as suas vidas, emoções e corpos para parecerem o que não são. Seja porque outras têm de fato alcançado com mais frequência metas dificílimas porque fazem disso um objetivo de vida. Acontece que nosso tempo nesta terra é limitado. Construímos na vida aquilo para que dedicamos o nosso tempo. Não precisamos perseguir o desejo social como se fossemos desprovidos de bom senso.

Em vez de cair nessa cilada e dedicar toda a sua energia para metas que não condizem com o que você quer de fato nesta vida, você pode acolher-se com amor e compaixão.

Dois caminhos

É comum sermos assombrados por pensamentos de insegurança, incapacidade e insuficiência. No entanto, quando você se dá conta destes pensamentos, você tem dois caminhos como opção. O primeiro, que já vimos, é partir para a ação para tentar sentir-se valioso. Você tenta se transformar porque no fundo você se sente péssimo.

Quantas vezes nos violentamos para nos tornarmos melhores? É autoviolência perseguir uma carreira que não o faz feliz. Também é autoviolência ficar sem comer por meses, injetar substâncias que fazem mal à sua saúde, ou fazer inúmeras cirurgias para parecer quem você não é. Chamamos de autocuidado o mais puro abandono. E eu chamo de abandono porque por baixo de tudo isso que tentamos consertar, dentro da sua pele, existe um ser humano. Um ser humano que precisa sentir-se importante e valorizado pelo que ele é.

Por outro lado, em vez de acreditar nos pensamentos de inferioridade, você pode optar pelo segundo caminho. Veja que estes pensamentos só existem porque a valorização e o pertencimento são necessidades humanas universais – assim como a água e a comida. Precisamos ser amados e aceitos. Só que o amor tem pouco a ver com o que você conquista, amor é sobre quem você é. Portanto, a valorização que você procura não está condicionada a metas, muito menos a transformar-se em outra pessoa.

É necessário acolher a pessoa que se sente inferior – você mesmo – com amor e compaixão. Quando nos acolhemos ou somos acolhidos não acionamos o sistema de alarme, mas sim o sistema afiliativo. Esse outro é responsável pela sensação de segurança e envolve emoções como confiança, bondade, altruísmo, empatia, tranquilidade, gentileza. Esse sistema acalma e equilibra o sistema de alarme.

Metas baseadas na segurança

O segundo caminho consiste em acolher a si mesmo quando o sentimento de inferioridade surgir, lembrando que o desconforto não significa que o pensamento seja verdade. Quando nos acolhemos e nos damos compaixão, acionamos o sistema afiliativo e nos sentimos seguros. Neste sistema, o que nos motiva não é a sensação de incapacidade, mas a vontade de progredir naquilo que importa.

As suas escolhas são baseadas nos seus valores, e não na sua insegurança. Sentindo-se bom o suficiente, os erros e escorregões não serão interpretados como provas de sua incompetência, mas como parte do aprendizado. De fato, esta é uma das explicações para o achado empírico de que pessoas autocompassivas têm melhor performance acadêmica. Elas também têm mais saúde, melhor funcionamento do sistema imune, mais resiliência e inteligência emocional.

Aceitando-me como sou, deixarei de progredir?

Amar-se significa querer o melhor para si. E isso não tem nada a ver com acomodar-se aos vícios e àquilo que lhe faz mal.

Quando nos amamos de fato, queremos nos tornar melhores no que realmente importa. Levamos a sério nossos valores e escolhemos metas autênticas, capazes de nos fazer felizes. Mas não fazemos isso nos chicoteando. Motivamos a nós mesmos com gentileza.

Um exemplo para pensar

Por fim, se você ainda não se convenceu, pense no seguinte cenário.

Imagine que você está escolhendo uma escola para seu filho querido de 5 anos.

Você entra na primeira escola e encontra professores extremamente rígidos. No pátio, eles chamam os alunos de incompetentes, elencam tudo o que eles não sabem e comparam uns aos outros. Fazem os alunos sentirem-se inferiores e inadequados.

Na segunda escola, você encontra professores amorosos. Que são realistas quanto à capacidade de cada aluno, mas os motivam dizendo que são capazes, lembrando de tudo aquilo que já conquistaram.

Qual destas escolas você acha que seu filho se desenvolveria melhor? E por que você acha que com você seria diferente?

Leia todos os textos de Adriana Drulla.


ADRIANA DRULLA é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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