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O que está por trás da procrastinação
Devn | Unsplash
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Neste artigo:

Se você é um perfeccionista de verdade, vai querer se livrar da procrastinação cortando o mal pela raiz. Mas, como explica Adriana Drulla, não adianta só arrancar a raiz se a semente permanecer implantada em você. Chegou a hora de entender o que está por trás da sua procrastinação.

Correu mundo afora a notícia de que um arquiteto havia projetado o mosteiro mais lindo do mundo. O homem era persa, mas governantes de todos os reinos disputavam para executar o projeto em suas terras. Ele recebeu ofertas suntuosas. E então se trancou em seu escritório para estudar as propostas. Três dias depois – diz a lenda – o homem saiu da clausura e anunciou o destino do projeto: a lata de lixo. Chocante, eu sei. Inicialmente pode parecer um tanto estúpido, inclusive. Por que alguém em sã consciência jogaria fora o trabalho de sua vida, o projeto mais belo jamais visto? E por que eu estaria te contando esta história?

Realidade e fantasia

A lenda está nas páginas de “Four Thousand Weeks“, livro de Oliver Burkeman. Se você me lê por aqui, sabe que ando citando o livro ultimamente – é genial. Pois bem, voltando para a lenda, Burkeman explica que estudar as propostas fez com que o protagonista percebesse que o projeto nunca se realizaria conforme seus planos. Tirar o templo do papel inevitavelmente significaria fazer compromissos, perder o controle.

A lenda do arquiteto é valiosa porque o protagonista fez – de forma literal – aquilo que fazemos de maneira simbólica quando recusamos aceitar que realidade e fantasia são coisas distintas. Mais precisamente, quando não aceitamos que a realidade, comparada à fantasia, deixa a desejar.

O que o arquiteto fez – que nós também fazemos – foi jogar fora os planos. Por exemplo, se há o desejo de emagrecer 10 quilos, mas isso parece impossível, recusamos a mudar nossos hábitos. Em tese até poderíamos perder 4 quilos, mas como 4 não são 10, desistimos.

A linha da morte

Eu também vivo o drama do arquiteto. Enquanto eu não escrevo este texto, posso imaginá-lo perfeito. Mas, na hora que ele sair da minha cabeça para o papel, terei que encarar a realidade. Pode ser que não consiga explicar algo como gostaria, ou que não tenha espaço para dizer tudo – isso sempre acontece. Ainda é possível que você discorde do conteúdo, questione a minha habilidade e até o meu espaço por aqui. Portanto, é muito mais agradável entreter a ilusão – o texto indefectível – do que confrontar a realidade – que é este texto mesmo.

Mas se você está aqui agora isso é prova de que eu, diferentemente do arquiteto, não desisti. Consegui produzir algo concreto. A duras penas, é fato. É que eu costumo cair em outra armadilha feita para nós, os perfeccionistas. [Que fique claro que me considero uma perfeccionista em recuperação, embora meu marido provavelmente discorde.]

Voltando para o assunto da armadilha, ela chama-se procrastinação. Veja que a diferença entre nós – procrastinadores – e o arquiteto, é apenas uma questão temporal. O arquiteto desistiu do seu projeto para sempre; enquanto os procrastinadores desistem apenas hoje. Mas o problema é que este hoje se atualiza a cada dia até que… Pois é, o prazo se esgota.

Certamente, foi um perfeccionista quem batizou a palavra prazo em inglês: escreve-se deadline. Traduzida literalmente para o português, deadline significaria linha morta, ou talvez, linha da morte.

Depois de atravessá-la, não há mais esperanças para mudar o que já foi. [Fosse eu o tal arquiteto, entregue à reflexão sem prazo, possivelmente ainda estaria trancada no escritório paralisada pelo medo de tomar a decisão errada.]

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Ciclo da procrastinação

De certa forma, a recusa – definitiva ou temporária – de tornar algo real nos permite nutrir as esperanças e decorar nossos sonhos com plumas e paetês. E isso pode parecer agradável, ou menos ruim do que encarar a realidade e os seus limites. Mas, na prática, a procrastinação dói. Primeiro porque ao procrastinar você direciona o seu tempo para coisas menos importantes – no meu caso, resolvo pendências domésticas, faço encaixes na agenda, respondo ao e-mail.

E, então, você percebe que está dando um tiro no pé – afinal de contas, você procrastina porque preza pela qualidade, enquanto é exatamente isso que você sacrifica quando faz um trabalho corrido. Mais do que isso, procrastinar é sofrido porque você está cansado de saber que não funciona. Mas… procrastina assim mesmo. Até que a linha da morte se aproxima e você trabalha noite adentro. A entrega é seguida de um alívio temporário. O ciclo se repete.

Se você também repete esse ciclo, saiba que não é por falta de sabedoria. É uma herança evolutiva mesmo.

Vou explicar.

É da natureza animal paralisar-se diante do medo. E nós, perfeccionistas, sentimos um medo danado – que preferimos chamar de “cautela”, “receio” e, às vezes, de “capricho” ou “excelência” (o famoso orgulho perfeccionista).

Na prática, funciona assim: primeiro acreditamos que o projeto precisa ser perfeito. Depois nos damos conta – como o arquiteto – que não conseguiremos realizá-lo conforme a nossa expectativa. Percebemos que não temos recursos suficientes – seja tempo, talento, informações ou ajuda. Então, postergamos a execução do projeto. Pesquisamos indefinidamente, lemos outras coisas, revisamos os planos, assistimos a Netflix, montamos a árvore de Natal, trocamos o tema do artigo. Tudo, menos executar o projeto. E isso faz com que percamos um dos mais preciosos recursos na execução de qualquer trabalho – o tempo.

A linha da morte – também chamada de prazo – aproxima-se sem ternura. Quanto mais você posterga, mais a ansiedade aumenta.

Encontre as sementes

Se você é um perfeccionista de verdade, vai querer se livrar da procrastinação cortando o mal pela raiz.

Muito bem, eis a raiz: a sua expectativa.

É fato que a realidade sempre atravessará os seus planos. Você sempre terá muitas coisas competindo pelo seu tempo. Você nunca será infalível. Para desempenhar múltiplos papéis, você terá que fazer compromissos e concessões. Terá que admitir a imperfeição em todos eles. Muitas vezes, precisará da ajuda de pessoas bem menos detalhistas que você.

Aceite, não vai ser como você gostaria. Nunca. Independente do dia que você começar. Portanto, melhor começar já.

Pois é, eu sei que é mais fácil falar do que fazer. É que quando tentamos arrancar a raiz do perfeccionismo, é como se as expectativas irreais brotassem novamente. É como se arrancássemos a raiz, mas esquecêssemos, sob o solo, as sementes. E se você topar remover as sementes terá que cavar para encontrá-las. E isso trará a constatação de que a tentativa de se provar genial o tempo inteiro é apenas uma defesa. É uma tentativa de consertar o sentimento – e o medo – de não ser bom o suficiente.

O perfeccionismo é uma resposta desenvolvida por aqueles que crescem em lares e/ou sociedades exigentes. Provavelmente, lares chefiados por outros perfeccionistas que também são filhos da mesma espécie. O perfeccionismo é, de certa forma, resultado de uma falha intergeracional – e social – de transmitir a crença de que somos valiosos por aquilo que já somos.

É uma defesa que aprendemos quando sentimos que não conseguimos agradar quem importa. Como não conseguimos, seguimos tentando melhorar para ter valor (eis aqui a semente).

Para todo mal, a cura

Veja, se o ser humano precisasse ser perfeito para ter valor, não haveria uma pessoa valiosa na face da Terra. Somos todos falhos. Portanto, a saída não é chicotear-se quando posterga tarefas. Nem se criticar por isso, amargurando todos os seus defeitos. O problema não é você.

A sua paralisia acontece porque você está com medo. Você teme errar ao executar o projeto. Você receia produzir provas de que não é bom o suficiente. Mas este é um medo antigo, que provavelmente te acompanha há muito mais tempo do que qualquer trabalho. Portanto, eles não estão relacionados.

E é lógico concluir que, se a semente da procrastinação – e do perfeccionismo – é o medo, reagir a ele sendo mais duro e intolerante consigo, fará com que você se sinta ainda menos capaz. Reforçará a ideia de que você é insuficiente.

Atacando-se você aumenta o medo – portanto, a procrastinação. Você aduba – em vez de remover – as sementes.

Também é coerente inferir que a solução para o medo é o seu contrário: a segurança.

Na natureza, transmitimos segurança aos mamíferos – seja um cachorro, criança ou adulto – com apoio e carinho. Acolhemos o medo com um abraço e um gesto de cuidado. A segurança vem quando usamos um tom de voz suave. Palavras de suporte. Quando relembramos ao amigo que anseia sobre o futuro de que ele teve sim sucessos passados – e que superou tombos também.

Inspiramos segurança quando comunicamos a quem tem medo que acreditamos em sua capacidade.

Não é isso que você faria por uma pessoa querida?

Pois bem, saiba que também é possível fazer isso por você.

Chama-se autocompaixão. Pratique sem moderação.

Leia todos os textos da coluna de Adriana Drulla em Vida Simples


ADRIANA DRULLA (@adrianadrulla) é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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