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Um conto sobre a morte e uma importante lição sobre a vida
alice alinari
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Recentemente estive com uma querida amiga com quem trabalhei nos longínquos anos 90 e isso me fez lembrar um conto sobre a morte. Adriana e eu dividimos a redação de um jornal numa pequena cidade do interior. Algum tempo depois eu me mudei para São Paulo e ela foi morar no exterior. Nunca perdemos o contato, mas ficamos um longo tempo sem nos vermos presencialmente.

Nesse reencontro, Adriana me contou que estava atravessando um momento muito difícil em sua vida. Havia perdido a mãe há cerca de um mês, vítima de um câncer, e não estava conseguindo lidar muito bem com a nova realidade.

A culpa e os desafios da finitude

Seu semblante não escondia sua dor e trazia também, em algum nível, uma certa inconformidade com a morte, o que se fazia notar na maneira como ela mesmo definiu seu período recente: “foi uma luta, mas fui vencida…”.

Sensibilizado pelo seu relato, me coloquei simplesmente a ouvi-la. Adriana carregava consigo uma certa culpa, parecia estar convencida de que as coisas poderiam ter tido um desfecho diferente com sua mãe caso estivesse mais atenta aos sinais que ela vinha apresentando já há algum tempo, como uma ligeira falta de ar, o que poderia, segundo ela, indicar algo mais grave. “Demoramos meses para levá-la ao médico…”, lamentou.

Adriana também se cobrava muito ao dar espaço a um diálogo interno em sua mente que lhe dizia que a escolha do tipo de tratamento ao câncer de sua mãe teria sido a opção errada feita pela família.

Ao ouvir minha amiga naquela tarde me lembrei de um conto escocês sobre a morte que, em alguma medida, nos oferece um conforto quando nos deparamos com a finitude da vida, ou melhor, nos faz olhar para ela como algo da própria natureza humana, ainda que não elimine totalmente nossa dor.

E é essa singela história que quero compartilhar com vocês nesta minha coluna em Vida Simples, afinal, todos nós em maior ou menor grau, enfrentamos os desafios da finitude.

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Um conto com uma importante lição sobre a morte

Conta-se que um menino chamado Jack, que morava à beira-mar com sua mãe, adorava passear pela praia. Certa manhã, enquanto caminhava, ele foi abordado pela Morte que, então, lhe disse:

“Estou procurando pela sua mãe. Você poderia me dizer como posso chegar a sua casa?”

Jack, horrorizado com a perspectiva de perder a mãe e, fazendo o que se esperaria que qualquer bom filho fizesse, em vez disso pulou na Morte e agarrou-a com toda sua força, fazendo-a diminuir de tamanho até que coubesse numa casca de avelã. Então, ele colocou a pequena noz com a Morte no bolso e foi tomar café da manhã com sua mãe.

Quando ele chegou em casa, percebeu como poderia facilmente ter perdido a pessoa que mais amava e logo foi tomado por uma sensação de urgência em valorizar cada momento com ela.

Jack encheu sua mãe de carinho e apreço e se ofereceu para fazer um café da manhã com ovos. Só que surgiu um problema: os ovos não estavam quebrando.

Jack usou toda a sua força para bater um ovo após o outro, mas nenhum deles quebrou. Sua mãe sugeriu então que eles fritassem algumas cenouras.

Novamente não importava o quanto tentasse, Jack não conseguia cortar as cenouras.

Ele então decidiu ir ao açougueiro comprar algumas salsichas, que o musculoso açougueiro certamente poderia cortar com seu cutelo.

No entanto, o açougueiro tenta, tenta, tenta… e nada de conseguir cortar as salsichas.

“Algo estranho está acontecendo, Jack”, diz o açougueiro. “É como se… como se nada pudesse morrer….”

É então nesse momento que Jack percebe o que fez…

Não podemos conter o fluxo da vida

Ao aprisionar a Morte, Jack interrompeu o processo de vida em si, e paralisou a sociedade. Ele corre para casa para contar toda a história à sua mãe. Enquanto ela é tocada por seu desejo de protegê-la, lhe diz:

“Foi muito corajoso o que você fez Jack, mas estava errado…”

“A morte é dolorosa filho, mas o mundo precisa da Morte. A morte é o que mantém o mundo vivo. Eu gostaria que minha hora não tivesse chegado tão cedo. Mas, se for a minha hora, é a minha hora… Precisamos aceitar”.

Os dois choram juntos, e Jack entendeu então que deveria liberar a Morte que está dentro da avelã em seu bolso para que vida continue aceitando, assim, a ordem natural e o destino.

Viver é mais do que permanecer vivo

A história de Jack e sua mãe é muito interessante porque ela nos coloca diante de duas perspectivas sobre a questão da morte.

Por um lado, existe a atitude de que a Morte deve ser vencida a todo custo; que o maior valor é a sobrevivência e a segurança, tanto para nós mesmos quanto para aqueles que amamos; que a ordem natural é cruel e injusta e deve ser controlada e buscada a todo momento, exigindo todo sacrifício possível. Aliás, lembram a loucura que foi esse controle na pandemia, uma certa obsessão por segurança, uma fobia da morte?

Por outro lado, há a perspectiva de que uma ênfase exagerada na luta contra a Morte — que, afinal, é uma parte inevitável da vida — acaba por sacrificar as próprias coisas que vivemos.

Com isso, penso que viver, é muito mais do que simplesmente permanecer vivo.

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