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“Ser” ou “fazer”: eis a questão
Judeus Samson | Unsplash
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Neste artigo:

Vivemos em uma sociedade viciada em “fazer”. É quase impossível ficarmos parados, sem fazer nada.

Nem que seja pensar: recordar ou remoer sobre o passado, controlar o que está à nossa volta, se preocupar ou fantasiar sobre o futuro.

E, assim, o ciclo de “pensar-fazer-controlar” se perpetua, como um moinho que gira produzindo uma ansiedade de base.

Podemos nos identificar com o que temos e com nossas conquistas, que são o resultado do que já fizemos na vida. Mas será que somos só isso?

Enquanto existir o sentimento sutil de insatisfação e de inquietude, de que “algo está faltando”, de que algo “deveria ser”, não chegamos à plenitude da vida.

Do “pensar-fazer-controlar” para o “ser”

O equívoco é a mente nos usar em vez de usarmos a mente. É achar que somos o que pensamos, fazemos e acumulamos na nossa trajetória. Que somos o conjunto dos condicionamentos que sofremos.

Felizmente, existe algo mais do que ficar preso ao “mini-eu” que vive em algum lugar atrás dos nossos olhos, e está ocupado em pensar, fazer, controlar e ter.

Esse algo mais é o “ser”, que “é” a partir da “consciência” da essência que inclui o pensamento, mas não é o pensamento.

A consciência é a essência, o ser absoluto. Já o pensamento, focado no fazer e na busca de segurança, representa o ego.

Quando passamos a nos identificar com a consciência, tudo se alinha: a alma, o pensamento, as emoções, as sensações e o corpo.

Ao integrarmos tudo, desde o corpo até a consciência, surge a presença: o “ser” que é aqui e agora.

E se somos capazes de submeter o “fazer” ao “ser”, nos equilibramos e o nosso repertório se amplia. Ficamos mais flexíveis, nos concentramos sem esforço e ficamos calmos.

Não precisamos parar de pensar. Basta deixar de pensar que somos o que pensamos.

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O “ser” que se permite “sentir”

Um dos maiores medos da humanidade é “sentir”.

Enquanto estivermos amarrados nas defesas do ego, estamos procurando sofrer menos. Para isso, tentamos sentir menos, ainda que fiquemos comprimidos numa caixinha. O único detalhe é que essa estratégia nos impede de sentir o que é bom na vida também.

É preciso um salto de coragem para se abrir para os sentimentos. Para muitos, inclusive eu, até alguns anos atrás, esse é um território totalmente desconhecido.

A partir do “ser” que também sente, pensa e faz, podemos viver com mais liberdade.

Não somos a voz que fala sem parar na nossa cabeça. Essa voz é um burburinho, um ruído do pensamento, como as ondas do mar. Somos o oceano.

A maioria de nós foi formatada pra funcionar a partir do “eu menor”, esse controlador que opera a partir do pensamento e não é muito chegado nas emoções.

É comum que o controlador esteja no cargo de “presidente” da mente. Mas, na realidade, a posição natural dele seria servir o “ser”. É como se tivesse ocorrido um golpe de estado no qual o “fazer” assumiu o poder, que era naturalmente lugar do “ser”.

Assim, o lema passa a ser “penso, logo existo”, em vez de “sou, logo existo”.

Quando deixamos de nos identificar com o pensamento e colocamos a consciência e o “ser” no comando, tudo volta ao seu devido lugar.

Passamos a observar melhor os nossos pensamentos pra usá-los a nosso favor. Desse modo, tiramos mais proveito dos pensamentos válidos e úteis, e caímos menos em suas armadilhas.

O pensamento traduz o que acontece para informar o “ser”, mas é o “ser” então que decide o que fazer.

Junto com o pensamento, passamos a usar o discernimento, a sabedoria e a inteligência inerentes à consciência para tomar decisões.

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E onde entra o coração?

Tudo muito bem, mas você pode estar se perguntando: e o coração, onde entra nessa história?

Quando somos consciência, o caminho natural que se desdobra é o encontro com o coração e seus atributos naturais, como o amor e a compaixão, que passam a ser as grandes referência no lugar do julgamento.

Ao sintonizarmos com o coração por meio da consciência, podemos inclusive encontrar o verdadeiro amor que não tem “se” nem “porque”, que simplesmente brota, flui, acontece, sem nosso controle e sem condicionantes.

Esse é o “sistema operacional” natural que temos dentro de nós, mas que foi desvirtuado pelos condicionamentos da nossa “civilização”.

Colocar no comando a consciência, o ser e o coração gera, sem esforço, o contentamento, a satisfação e a criatividade.

Só que o mapa não é a estrada

Por mais sensato que soe, tudo que escrevi até agora é só o mapa.

Desde 2018, quando me deparei com esses conceitos e com a prática da meditação não-dual, percebi grandes mudanças no meu bem-estar e uma grande expansão.

O mapa continua me guiando, mas são muitos os percalços da estrada. Quando parece que estava dominando o esquema, vem uma rasteira para me tirar do prumo.

Convém não esmorecer, porque o próprio caminho já é válido por si. Eis que é um processo paradoxal, porque se estamos tentando fazer algo para atingir algo, já nos perdemos dele.

Considero ser capaz de mudar rapidamente entre os modos “fazer” e “ser” uma das grandes habilidades pessoais do mundo atual. Melhor ainda, sim, poder estar no “ser” que também faz. Em vez de se basear no esforço e na pressa do fazer, o “ser” que faz busca precisão e timing. Entende que é para a bola andar mais do que os jogadores.

Recentemente me deixei embolar pelos fazeres de empreendedor (ironicamente como CEO de uma empresa de bem-estar mental com conteúdos específicos de meditação não-dual), me desconectei do ser, e lá se foi a sintonia fina nas relações pessoais. Muitos casamentos e amizades, aliás, se despedaçam por esse motivo.

Mas, escorregar não é cair, e mesmo cair não quer dizer que não se possa levantar.

Que a cada momento, com consciência e com o coração na frente, sem medo de sentir, você e eu possamos tirar as lições que nos ajudam a evoluir.

Leia todos os textos da coluna de Diogo Lara em Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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