O tempo das coisas: nem tudo deveria ser para ontem
Com a ansiedade e a urgência de conquistar objetivos, lá se vai a consciência de como é belo vivenciar os processos com atenção e respeito.
Tempo é dinheiro, diz o ditado. Então – na lógica da eficiência e da produtividade – se dá pra ser otimizado, não se pode perder tempo. Mas será que esse raciocínio faz sentido sempre? Ser prático e funcional pode eliminar etapas muito relevantes que fazem nossas experiências e processos acabarem ficando sem nenhum valor. As conquistas também.
Era uma casa inacabada
Dias atrás, passei na frente de uma casa de esquina que estava em construção. Era um destes belos projetos arquitetônicos alternativos que mesclam muitíssimo bem diferentes técnicas e materiais como concreto, madeira, vidro, imensas janelas e vãos livres. Um olhar atento me mostrava uma obra já bem adiantada, caminhando para seu fim. Provavelmente, só faltavam mesmo detalhes de acabamento. Mas algo – que eu não consegui identificar – deixava aquele simpático sobrado com a cara de um parque de obras a pleno vapor. Como podia algo tão pronto parecer tão inacabado?
Três dias depois, me encontrei caminhando pela mesma rua e, pra minha surpresa, aquela residência me pareceu concluída. Pronta pra ser ocupada. A sensação era até mesmo de que alguém já estivesse morando ali há algum tempo. Tentando entender como minha percepção sobre aquela casa havia mudado tão bruscamente, parei e comecei a buscar uma resposta. E como quem procura, acha, eu a encontrei.
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O jardim que nasceu pronto
Recordei que em meu primeiro momento ali, dias antes, a casa estava cercada por uma terra batida, crua, exposta, com o tom avermelhado de solo virgem e fértil sedento por vida. E dias depois, o que eu via era um belíssimo projeto paisagístico consumado.
A grama esmeralda de um verde fosforescente indescritível, floreiras com alamandas amarelas já floridas, antúrios maduros esbanjando seu vermelho petróleo e até palmeiras adultas com 4 ou 5 metros de altura em absoluto vigor. Tudo isso onde antes não havia nada. Quem passasse ali pela primeira vez teria certeza de que aquela casa tinha anos de vida.
Por mais que tudo fosse esplêndido e agradável, me senti profundamente incomodado. Só me vinha uma coisa à cabeça: por que aquelas pessoas se recusaram a vivenciar o avanço manso e o florescimento gradual daquele jardim? Por que ter tudo pronto num estalo de dedos?
Tudo em seu tempo
As coisas estão sempre nos dizendo algo, mas só podemos ouvi-las se as escutarmos. Esse caso banal e corriqueiro da minha rotina me pôs a refletir se venho vivendo sem paciência para respeitar o processo natural das coisas. Se tenho impelido força demais pra que tudo se realize artificialmente. Se ando querendo tudo pra ontem.
Claro que não posso ser um alienado e ignorar o quanto o progresso permite que a gente encurte as distâncias para atingir objetivos. Em nossos dias, as conquistas podem ser instantâneas. Mas uma coisa é adotar isso como regra cabal da vida contemporânea e outra – bem diferente – é entender que feitos e acontecimentos são constituídos de tempo. Às vezes muito.
Filosofia de padaria e o tempo das coisas
Você já fez um pão? Posso dizer que sou padeiro amador. A panificação me ensinou que pra comer croissant ou panettone, tenho que dedicar 24 horas para produzi-los, e pra comer minha massa de pizza, 48 horas. Mas no mundo do encurtamento das distâncias, você pode comê-los daqui 10 minutinhos, sem sujar as mãos. Ou comprar uma árvore adulta ao invés de vê-la crescer.
Ou seja, ao panificar aprendi que pães são feitos de tempo. E o valor das coisas é medido pela quantidade de tempo que dedicamos a elas. Com toda atenção e paciência que precisam. Seja pão ou árvore. É por isso que filhos são preciosos, carreiras longevas são inestimáveis e relações duradouras não tem preço. Porque exigem nossa dedicação constante e duradoura. Porque é preciso regar, nutrir, suster e cuidar.
Cultivando um jardim com valor
Aquele jardim que se fez da noite pro dia custou muito caro. Mas pra mim, é como se não tivesse valor algum.
Com raízes tão curtas, é um jardim frágil e efêmero. Sem lastro e sem profundidade. Se um vento o levar, é só ir ali comprar outro. Igualzinho. Negligenciar o tempo e o respeito aos processos tornam as coisas fugazes.
Na busca por resultados e soluções, faz muita diferença ter prazer em contemplar a evolução das coisas do agora e notar o desenvolvimento dos nossos intentos. Isso não só propicia envolvimento e elo com os processos, mas também nos permite conhecer a história por trás das nossas conquistas.
E você, anda tendo paciência com os jardins que cultiva na sua vida?
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Leo Longo é documentarista independente há 9 anos. Vive na estrada para filmar séries ao lado de Diana Boccara, com quem forma o duo Couple of Things. Artista e ativista do minimalismo, escreveu o livro “Mínimo Essencial”. Suas produções estão disponíveis em plataformas como Amazon Prime Video e Globoplay. Aqui na Vida Simples, o duo escreve sobre como o fazer Arte independente e a vida nômade e minimalista revolucionam sua percepção de mundo.
Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião da Vida Simples
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