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Homens precisam lutar por uma cultura do respeito
Taylor Hernandez
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É urgente que transformemos essa cultura do estupro em uma cultura de respeito. Não é fácil, mas nós homens precisamos quebrar o silêncio sobre o assédio e a violência sexual contra as mulheres.


Recentemente, veio à tona um caso de médico anestesista do Rio de Janeiro que é suspeito de ter praticado mais de trinta estupros contra mulheres, especialmente enquanto atuava durante as sessões de parto. Outro caso é o de um juiz do trabalho em São Paulo e professor em cursinhos jurídicos que está sendo investigado por ter assediado sexualmente mais de 80 mulheres.

Isso sem falar que, no ano de 2021, o Brasil registrou um estupro a cada dez minutos. Pelas estatísticas, 110 crianças e jovens com menos de 13 anos foram vítimas de violência sexual. Uma pesquisa de 2019 revelou que 97% das mulheres entrevistadas disseram já ter sido vítimas de assédio em meios de transporte.

Esses casos e números chocam. Aposto que você, assim como eu, se sente mal, com raiva, tristeza e indignação ao ter consciência de que isso ocorre. Talvez tenha vontade de fazer algo para que situações assim não sigam ocorrendo.

Punição insuficiente

Uma das atitudes que a nossa sociedade adota diante desses casos é punir os responsáveis. A punição é uma forma de mostrar aos homens que esses comportamentos não são aceitáveis. Muitas vezes, a expectativa de impunidade incentiva a continuidade dessas práticas, então a divulgação dos nomes e a possibilidade de uma sanção penal podem vir a inibir futuros atos similares.

No entanto, apesar de hoje ser necessária, a punição está longe de ser suficiente. Os inúmeros casos revelam a existência de comportamentos sociais habituais sutis ou grosseiros que de alguma maneira silenciam, relativizam ou até estimulam a violência sexual contra a mulher e contra crianças. Esses hábitos fazem parte principalmente da forma como nós homens somos socializados. Isso vai criando uma cultura. 

Cultura enraizada

Gosto de pensar cultura no seu significado mais ligado ao plantio, pensando no ato de cultivar a terra, semear e frutificar aquilo que plantamos. Nesse caso das violências sexuais não estamos cultivando de forma benéfica. Num terreno de base patriarcal e machista, estamos semeando objetificação da mulher, pornografia e violência. A nossa colheita não poderia ser diferente do que muitas chamam de cultura do estupro.

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Acredito que essa cultura só vai mudar se, além de punirmos eventuais agressores, nós também atuarmos para nos conscientizarmos e conscientizarmos aqueles que estão à nossa volta.

Um passo pode ser nos lembrando que o estupro não ocorre apenas em locais escuros, ermos, ou em áreas degradadas das cidades, onde eu achava que ele exclusivamente ocorria. Eu por muito tempo pensei que o assédio e o estupro eram coisas que apenas homens sem instrução ou sem condições financeiras praticavam como forma de satisfazer suas necessidades sexuais, impulsionados por uma cultura que os incentivava, ainda que os criminalizasse. 

Só que não é assim. Ou não é apenas assim que essas práticas ocorrem. O estuprador ou o assediador pode estar nos hospitais, nos consultórios médicos, nos escritórios de advocacia, nos tribunais, nas empresas, enfim, em todos os locais da nossa sociedade. O médico anestesista carioca é filho de um respeitado médico obstetra, que também atua no Rio de Janeiro, e era apontado como uma ótima pessoa pelos seus conhecidos. O mesmo provavelmente pode ser dito do juiz paulista, que aparentemente era um ótimo professor no curso em que atuava. Mais preocupante ainda é que esses atos acontecem nos lares brasileiros, os autores, na grande maioria dos casos, são conhecidos ou familiares das vítimas.

Como esses, há muitos outros casos. O assediador e o estuprador estão mais perto de nós do que às vezes imaginamos ou ousamos reconhecer. Não é fácil, mas nós homens precisamos quebrar o silêncio sobre o assédio e a violência sexual contra as mulheres. Confrontar amigos, chamar atenção em um grupo de homens sobre comportamentos inadequados não são tarefas confortáveis, mas é muito mais difícil para quem posteriormente poderá ser vítima de uma violência. 

Cultura do respeito

É urgente que transformemos essa cultura do estupro em uma cultura de respeito. A origem da palavra “respeito” está associada com olhar e ponderar. Quando respeitamos alguém, nós pausamos diante dessa pessoa e refletimos sobre ela. Assim, respeito não é apenas uma virtude, mas também uma atitude, um processo, um movimento.

Recentemente, a Espanha aprovou uma lei pioneira, divulgada como “só sim é sim”, que exige que a vontade das pessoas tem que ser demonstrada de forma livre, voluntária e livre para que a interação seja considerada lícita, colocando o consentimento e o respeito no centro de todas as relações sexuais. Não precisamos esperar uma lei similar ser aprovada no Brasil para mudarmos nossas atitudes. 

Nós homens precisamos fomentar uma cultura de respeito às mulheres e às crianças, incentivar que outros homens parem e olhem-nas com dignidade e empatia, refletindo sobre a humanidade daquela outra pessoa.

Podemos interromper agressões que presenciarmos assim que as virmos, podemos pedir ajuda de pessoas que possam intervir e lidar com a situação, podemos auxiliar a vítima documentando e produzindo provas do ocorrido e podemos apoiar nossas conhecidas que foram submetidas a tais situações. E você? Sabe de casos de violências sexuais praticadas por conhecidos? Como se sentiu ao tomar conhecimento? Como agiu diante da situação?

Leia todos os textos da coluna Brotherhood em Vida Simples.


LUIZ EDUARDO ALCANTARA (@lendalcantara) atua na área da justiça, é um dos guardiões do Brotherhood Brasil (@brotherhoodbrasil) e um curioso sobre os papéis dos homens na sociedade.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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