A cura da criança interior: uma visita difícil à infância
A cura da nossa criança interior ferida pode ser um processo doloroso e difícil de lidar. É o que chamamos de dor do crescimento.
É um tabu muito grande falar de pequenas e grandes violências que sofremos enquanto crianças, dentro de nossas famílias de origem. Não só porque a sociedade endeusa pais, mas porque também quer preservar o ideal de família feliz a todo custo, já que a família é o sustentáculo do sistema patriarcal capitalista em que estamos inseridos.
Dentro desse contexto, as justificativas são que os pais “fizeram o melhor possível com as ferramentas que tinham”, “era outra época”, “eles só queriam nos educar como podiam”. Eu sempre digo que a violência contra mulheres e crianças (as duas que ocorrem dentro do lar) são as únicas nas quais ninguém quer meter a colher. E parte dessas justificativas sociais são apenas silenciamento de vítimas.
Sim, boa parte dos pais apenas reproduziu de maneira inconsciente o que a própria sociedade esperava deles sem conseguir ser contraponto, também reproduziram o que viveram em suas infâncias. Mas, não é de responsabilidade de cada um olhar para as suas ações e para o dano que elas causam e estancar o sangramento dessas feridas?
Numa comparação social, as mulheres são as pessoas que mais sofrem abuso sexual, mas são as que menos praticam. É muito possível não repassar nossas dores e fazer algo produtivo com elas.
Nosso passado não é sentença para nossas ações futuras, e nenhuma justificativa pode sugerir isso ou aliviar a responsabilidade de quem pratica violências.
Pelo olhar das vítimas, poder falar e assumir que o que viveu foi violência é CURATIVO. Pessoas que são obrigadas a se calar não podem ser ajudadas e, em geral, voltam a culpa pra si mesmas e deslocam sua raiva para quem não as machucou.
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Nesse contexto, somos empurradas a “entender” e a “perdoar” nos moldes tradicionais, muitas vezes sem que sequer os pais assumam as violências e negligências que praticaram e nem tentem repará-las. Ninguém precisa entrar em conflito ou romper com os pais se não quiser, mas precisa sim tomar seu próprio lado, se ouvir, acreditar em si e permitir que sentimentos contraditórios surjam, a fim de elaborá-los para que a violência não seja repassada.
Não somos ingratas quando falamos dos nossos sentimentos, das consequências que ficaram em nós, quando reconhecemos que a infância foi difícil.
O conceito de perdão pode ser bem subjetivo, mas, do ponto de vista clínico, ele não é necessário para começar um processo de cura. É mais importante que a pessoa possa sentir e ser apoiada em tudo que vier, isso sim impacta positivamente num processo pessoal.
E que qualquer tipo de perdão (SE a pessoa decidir que ele é importante) venha como uma consequência dessa varredura das emoções e desse apoio, e não como uma imposição social.
Não dá para fazer um futuro sem revisitar o passado, porque ele está atuando em nós até hoje. Essa visita pode ser dolorida, mas é o que chamamos de dor do crescimento.
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