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O poder do foco único: atenção ao que realmente importa
ILUSTRAÇÃO: TIAGO GOUVÊA
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Nossa atenção nunca foi tão disputada como nos dias de hoje. Aliás, os gurus da tecnolo­gia sabem fazer isso com maestria. De modo que, neste instante, bilhões de pessoas ao redor do planeta estão ligadas em mais de um foco. Podem ouvir um podcast enquanto escrevem um relatório, checam o WhatsApp, dão uma olhada no twitter…

E ainda deslizam o dedo pelo Instagram, depois respondem a um ou dois e-mails, e ainda assistem a um vídeo de três minutos no YouTube.

Isso é ser multitarefa. Malabarismo conside­rado um trunfo, motivo de orgulho e até de ostentação em muitos meios. Afinal, nos foi ensinado que precisamos usar nosso tempo para subir a escadaria do sucesso.

Como as horas galopam, temos que fazer várias coisas simultaneamente a fim de sermos produti­vos e, portanto, merecedores da vitória.

Será mesmo que essa é a opção mais inteligente? Vamos adentrar o cérebro humano e ver o que encontramos nesse labirinto cinzento.

O que é a atenção?

“A atenção é a capacidade de focalizar a ativida­de psíquica sobre os estímulos que estão evi­dentes num determinado local. Diversas áre­as cerebrais são ativadas, tais como o sistema límbico, áreas corticais e reticulares.”

“Embora nos pareça muito simples prestar atenção em algo, essa tarefa demanda bastante esforço e consumo energético”, explica o médico neu­rologista Fabio Aurélio de Moraes, membro da Academia Brasileira de Neurologia.

Logo, não é difícil concluir que dividir nossa aten­ção em várias frentes, inevitavelmente, reduz nosso desempenho final. Mesmo assim, insistimos. Porém, pulverizar nosso foco dessa forma está nos exaurindo e nos adoecendo.

“Para absorver todos os no­vos impulsos, o cérebro acaba tomando para si a energia que deveria ser utilizada para o funcionamento de outros órgãos e músculos, o que justifica o esgotamento mental e o des­gaste físico”, explica Danielle H. Admoni, mé­dica psiquiatra na Escola Paulista de Medici­na (Unifesp) e especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

O corpo grita pedindo sossego

Logo dão as caras a irritabilidade, a ansieda­de, os lapsos de memória, além da dificuldade de concentração, de raciocínio e de se entre­gar ao sono quando deveríamos apagar por completo.

Também podem surgir sin­tomas físicos, como taquicardia, sudorese, dores de barriga e na cabeça. De tão preocupante, essa somatória de desconfortos chamou a atenção do psiquiatra e escritor Augusto Cury, que deu ao quadro o nome de Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA).

Segundo o Instituto Augusto Cury, ela atinge cerca de 80% dos brasileiros. Esse dado faz pensar que o modus operandi que deveria nos tornar mais produ­tivos está, na verdade, minando nossa ca­pacidade de sermos saudáveis, princípio elementar para se realizar o que quer que seja.

Que ironia, não é mesmo? Que o diga a empresária Arianna Huffington, ex-mul­titarefeira e atual CEO da Thrive Global, empresa dedicada ao bem-estar e à saúde mental.

“A última vez que minha mãe bri­gou comigo antes de morrer foi quando me viu checando e-mails e conversando com meus filhos ao mesmo tempo”, ela conta no livro A Terceira Medida do Sucesso – Nem Dinheiro Nem Poder: O Que Você Precisa Buscar Para Se Sentir Realizado (Sextante).

O colapso que levou à mudança de vida

Experimente colocar sua atenção no que está fazendo agora

Em 2007, Arianna teve um colapso em seu escritório. Apagou sobre a mesa de trabalho e se feriu na queda. Desde en­tão, remodelou sua vida para que ela não terminasse assim, num pico de exaustão.

“Qualquer um com um smartphone e uma caixa de e-mails lotada sabe como é fácil estar ocupado demais para perceber que está deixando a vida passar”, ela escreve.

O curioso é que há uma boa dose de pra­zer nesse hábito com alto potencial para se tornar um vício. “Existe algo de gratifi­cante em passarmos o tempo todo vendo os e-mails e as redes sociais. A distração é prazerosa, pois nos dá o que os pes­quisadores chamam de ‘Reforço em Ra­zão Variável’.

Em outras palavras, somos atraídos pelo celular do mesmo modo que somos atraídos pela máquina caça­-níqueis”, compara a socióloga Christine Carter, autora de O Ponto de Equilíbrio – Como Obter o Máximo de Resultados com o Mínimo de Esforço (Sextante).

Atenção é trocar o ‘fazer’ pelo ‘ser’

Percebeu o efeito-gangorra? Pendemos para um lado dela, nos sobrecarregando com o check list que nunca termina. En­tão, para descontrair, migramos para a ou­tra ponta, nos distraindo com a infinidade de estímulos à nossa disposição.

A mente, coitada, não tem nenhuma perspectiva de descanso. “Esse excesso faz com que seja preciso ativar o modo ‘piloto automático’.

Assim entramos no modo ‘fazer’ em vez de estarmos no modo ‘ser’”, analisa Renata So­ares, professora de mindfulness e de ioga.

Novas prioridades e limites

Insistir nesse fazer atrás de fazer nos alie­na de nós mesmos ao passo que o treino da atenção plena nos habilita a escolher como queremos viver cada minuto do dia.

“Quando acessamos a atenção plena, podemos reconhecer nosso estado interno (sensa­ções corporais, emoções, pensamentos), o que pode ser muito importante frente aos fatores estressores do dia a dia, e com esse reconhecimento podemos fazer escolhas mais conscientes”, afirma Renata.

Em outras palavras, quando estamos pre­sentes de maneira intencional, o piloto au­tomático não assume o comando e nosso corpo poupa energia, o que trará mais saúde e bem-estar.

Agora, ninguém se despede do jeitão multitarefeiro num simples aceno. Nem pense em bater de frente com a aceleração da sua mente.

De saída, a professo­ra recomenda aceitarmos os pensamentos acelerados, sem julgá-los. Com a regularida­de da prática da atenção plena, seja em me­ditações, seja durante as atividades do dia, a consciência acerca dos nossos hábitos vai aumentando e vamos estabelecendo no­vas prioridades e limites.

Nos damos conta de que, se estivermos em estado de presen­ça, teremos mais discernimento, calma e disposição para realizar uma tarefa por vez e encontrar tempo para cuidar da gente.

Atenção aos sinais do corpo

Nesse processo, transferir a atenção para o corpo é fundamental, pois ele nos lem­bra de que não podemos passar uma vida confinados no mundo mental.

“Práticas corporais como hatha yoga e movimentos com atenção plena nos fornecem uma dose extra de energia, mesmo quando nos senti­mos cansados ou acelerados. Além de quie­tude e paz, ainda desfrutamos da sensação de voltar para casa”, complementa Renata.

Justiça seja feita, a tecnologia não é de todo ruim. Ela pode, sim, ser uma aliada da meditação, como é o caso da Muse He­adband.

Essa “tiara” traduz a atividade cerebral informando se estamos mais ou menos acelerados durante o processo meditativo e nos ajudando a voltar para o pru­mo.

Seus sensores monitoram e analisam as ondas cerebrais do usuário, emitindo sons de acordo com o estado interno que ele experimenta.

Por exemplo, se a pessoa estiver mais centrada, ouvirá o som de um riacho; se estiver um pouco agitada, escuta­rá o vento soprar; e, se estiver caótica, será confrontada com a sonoplastia de um tem­poral.

Assim, o dispositivo traz consciência para redirecionarmos o foco para a respira­ção, além de induzir ao relaxamento.

Como ter mais foco e atenção no dia-a-dia

E foque no que realmente importa

Para auxiliar o cérebro nesse resgate do foco único, você também pode reforçar os cuidados básicos em seu dia a dia.

“Boa ali­mentação, beber água, dormir bem e fazer exercícios físicos ativam os sistemas e áreas cerebrais relacionados à atenção. E, com o cérebro ativo e em boas condições, reduzi­mos os sintomas de ansiedade, cansaço, in­sônia e irritabilidade”, recomenda Fabio.

Adotar pequenas mudanças na rotina também estimula novas configurações ce­rebrais, tais como dar pausas para descanso entre as tarefas do dia e limitar o uso de redes sociais e de telas em geral.

Passar a praticar um hobby ou alguma atividade pelo simples prazer de se engajar nela, sem cobranças por resultado ou performance, também é uma sugestão.

Sabe aquele portal para o estado de flow, a imersão em algo que nos arrebata de tão bom? Pois o cérebro agradece.

Na hora em que sentir o impulso de correr atrás de tudo de uma só vez, procure  filtrar o que verdadeiramente agrega e faz sentido em sua jornada de vida

Questione as demandas por atenção

Vale ainda colocar em perspectiva as cren­ças e os valores que nos levam a embolar as atividades cotidianas numa ânsia de de­sempenho e superação que chega a ser de­sumana.

“Esse discurso acaba sendo mui­to sedutor porque as pessoas depositam a felicidade nas conquistas e nos ganhos, pois querem se sentir inseridas e aceitas.”

“Porém, não percebem como vão se envol­vendo sem conseguir dar conta de tantas demandas, necessidades e estímulos”, ob­serva a psicóloga Flávia Teixeira. Ela é mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e pós-graduada em Psicossomática Contemporânea.

Na hora em que sentir o impulso de cor­rer atrás de tudo de uma só vez, sugere a especialista, filtre o que realmente agrega e faz sentido em sua jornada de vida.

De quebra, lembre-se das palavras sábias da empresária Arianna Huffington: “Quando vivemos uma eterna fome de tempo, per­demos a capacidade de experimentar a ad­miração, a sensação de deleite diante dos mistérios do Universo e dos pequenos mi­lagres que preenchem a nossa vida”.

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RAPHAELA DE CAMPOS MELLO é jornalista e vibra quando consegue fazer uma só atividade e nada mais.


Conteúdo publicado originalmente na Edição 236 da Vida Simples

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