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Quando a vida dói e o coração pesa demais
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Você já sentiu seu coração doer? Nesse texto, Márcia Inês Coelho reflete sobre o sofrimento humano e a tão desejada cura emocional.

Lembro-me que um dos meus primeiros contatos com o tema da saúde mental aconteceu aos meus 12 anos. Peguei um livro aleatório da biblioteca pessoal dos meus pais. “O meu filho Nick”, de Danielle Steel (título original: “His Bright Light: The Story of Nick Traina”).

Era um livro de capa dura, cujo interior se revelaria mais duro ainda. Nele, encontrei a história do filho da autora, cedo diagnosticado com psicose maníaco-depressiva. Era descrita como uma doença mental que lhe conferia mudanças drásticas de comportamento e humor. Sem cura e apenas com a esperança de amenizar os sintomas e aguardar por um possível tratamento.

Hoje, acredito que esse livro talvez tenha sido pouco apropriado para a minha idade. Mas não conseguia soltá-lo. Os excertos escritos pelo jovem, nos quais se debatia com os próprios fantasmas, deixavam-me simultaneamente intrigada e depressiva. Mais ainda, quando, no final do livro, percebi que aos dezenove anos, Nick morreu, vítima de uma doença que o levaria ao suicídio.

Na época, fiquei obcecada em compreender o porquê. Ao mesmo tempo, me impressionava a escrita de uma mãe que relatou a morte do filho com tanta dor, quanto paixão. Não sei se essa leitura teve algum peso determinante no fato de vir a tornar-me terapeuta emocional. De qualquer modo, as minhas inquietações acerca do sofrimento humano pouco ou nada se alteraram desde então.

Será possível superar verdadeiramente o sofrimento?

A relação dos indivíduos com o sofrimento — ou com a possibilidade de sofrer — é constante e transversal a toda a Humanidade.

Em 1668, o dramaturgo grego Ésquilo afirmava que “os sofrimentos humanos têm facetas múltiplas: nunca se encontra outra dor do mesmo tom”. Já Freud, de forma mais fatídica, dizia em 1930, que “o mal-estar é inerente à condição humana”.

O sofrimento é qualquer experiência aversiva, não necessariamente indesejada, que provoca dor e/ou infelicidade. Gera habitualmente perdas de sentido, sentimentos de vazio emocional e confusão mental. Seja qual for a origem, o sofrimento fala sobre uma resistência (consciente ou não) ao desconforto.

UM CONSELHO: Como viver a sua dor (sem se destruir no caminho!)

Independentemente das diferentes teorias, é inegável que as pessoas sofrem. Mas elas não têm simplesmente dor. Na verdade, o sofrimento é muito mais que isso: os seres humanos lutam contra suas formas de dor psicológica. Evitam suas emoções e pensamentos difíceis, fogem de suas memórias desagradáveis e lutam com suas sensações não desejadas. Por isso, a Humanidade foi procurando suas fórmulas de evitamento da dor como mecanismo de defesa e superação do sofrimento. Usou a busca de sucesso, poder, riqueza, prazer ou ocupação permanentes, como modo de alívio e fuga emocional.

Mas, em meio a uma vida onde tentamos forçosamente ser felizes, o sofrimento teima em surgir. Extermina a paz, amortece a alegria e mata a esperança. Especialmente de quem acredita que sentir dor não é normal.

Ainda assim, diante de histórias de vida duras como as de Danielle Steel e de seu filho, fica difícil discernir os limites. Entre ter esperança ou estar em negação. Entre ser realista ou insistentemente negativo. Entre validar as emoções ou se entregar a elas.

De fato, alguns acontecimentos podem doer tanto, que levam os indivíduos a resignar-se a seus sentimentos e pensamentos mais derrotistas. Quando o desamparo se instala é como se a mala de ferramentas da pessoa ficasse vazia.

Há uma desesperança que invade a mente daqueles que se sentem incapazes de viver com suas experiências dolorosas. E assim, acreditam não possuir recursos ou caminhos alternativos.

Mas o mesmo ser humano que vive a dor com total desesperança, é também capaz do oposto. É capaz de demonstrar uma enorme coragem, compaixão e capacidade notável de seguir em frente. Mesmo a despeito de suas histórias pessoais difíceis. Veja bem: apenas de saberem que podem se machucar, os seres humanos amam outros seres humanos. Mesmo sabendo que vão morrer um dia, ocupam-se a construir o seu futuro desejado. Mesmo sabendo da falta de sentido em muitas situações do dia-a-dia, abraçam projetos e vivem de acordo com certos ideais.

O que faz com que uns não consigam superar o seu sofrimento e outros encontrem as suas próprias medicinas e descubram como seguir adiante?

Viver a dor cura o sofrimento (já o contrário, não)

Sempre me inquietou pensar se alguma vez uma ferida, mesmo que cicatrizada, deixa realmente de doer.

Até porque tantas pessoas me procuram com essa finalidade. Os clientes querem parar de sofrer e querem compreender por que sofrem ou sofreram.

Mas, será que a cura emocional se determina no momento em que uma ferida deixa, de fato, de doer?

Repassando a história do livro que li na minha pré-adolescência, diria que não. Na verdade, sentir a dor, é o início da cura.

De acordo com a Psicologia Humanista, a pessoa só supera realmente o sofrimento que lhe é inerente quando assume a responsabilidade de fazer escolhas condizentes com a intimidade do seu ser. Para isso, ela precisa conhecer-se profunda e respeitosamente. O indivíduo só pode encontrar sentido na vida quando busca critérios e valores próprios. Só eles poderão ajudar a nos ancorar novamente, depois de uma tempestade. Só eles nos devolvem a direção, depois de um violento naufrágio.

REFLEXÃO: Você se critica demais?

Renda-se de coração aberto

Para além disso, fui percebendo o que distingue aqueles que superam suas vivências mais difíceis, dos que se deixam abater por elas. É a rendição, no lugar da resignação.

Quando nos rendemos à vida, aceitamos com uma atitude aberta e humilde que a dor faz parte do processo de viver. E nos tornamos disponíveis para fazer o luto de nossas perdas, dores e quedas. O luto é o suporte necessário para sairmos do buraco. Quem não se permite vivê-lo, não só não se ergue, como continua a cavar mais fundo, o leito da sua própria dor.

Só pode fazer um luto quem aceita a sua realidade. Quem a nega não é capaz de olhá-la de frente. E quem se resigna, paralisa diante dela.

Render-se à vida é saber que de nada adianta lutar com que é. Porque o que é, é.

A sua saúde emocional está nos lutos que você não faz

O luto é o processo de elaboração do sentimento de pesar. É também o período em que a pessoa está passando por esse sofrer e, ao mesmo tempo, a seguir sua vida.

A pessoa que está a viver uma dor deve sentir, chorar, expressar-se como um “ritual de despedida” e reorganização interna. Sentir e passar por esse sofrimento faz parte do início do processo de ressignificação de nossas perdas e dores.

A gente não deve fazer apenas o luto quando perde um ente querido. O luto é válido para expetativas que se frustraram. Sonhos que não se concretizaram. Relações que terminaram. Ele faz parte dos processos de saúde emocional dos indivíduos.

Precisamos parar de acreditar que expressar as nossas dores emocionais é sinal de fracasso. Na verdade, fracassamos sempre que não as choramos ou as compartilhamos. Precisamos da formação de novos vínculos, de investimentos em novas atividades e de aceitação do apoio social. Só isso nos permitirá trabalhar nossas emoções e gerar novos significados para nossa vida.

O luto não elaborado traz o risco de ficarmos “travados” e presos nos processos de dor, podendo desencadear doenças físicas, comportamentos antissociais, criminalidade, depressão, suicídio.

Quanto mais pessoas atendo em consulta, mais acredito que deixar de doer não é o indicador que precisamos para reconhecer a cura. Na verdade, não é provável que a perda de algo ou alguém que lhe importa, deixe de doer. Além disso, reprimir suas emoções pode fazer com que não as sinta, mas isso não significa que elas se foram. Nem tampouco que aprendeu a geri-las.

A gente precisa viver a dor para poder viver todo o resto.

Se você quer viver inteiramente, permita-se viver tudo que a vida lhe traz, garantindo que seu foco não é evitar sofrer. Mas, sim, aceitar quando essa onda vier. E navegá-la, sem luta nem pressa.

Ecoando novamente palavras de Ésquilo: “a partir do sofrimento nasce o conhecimento”.

Acredito que entre um e outro está a chave que a vida nos entrega na mão: a aprendizagem.

Só quando a gente aprende a navegar a dor, a gente aprende a chegar ao verdadeiro conhecimento acerca da resiliência e da beleza humanas.

Continue com a Márcia: Quer aprender a lidar com as emoções? Conheça o primeiro passo


MÁRCIA INÊS COELHO é terapeuta e especialista em inteligência emocional. Ensina pessoas e grupos a gerir suas emoções, a reconstruir a sua autoestima e a conectar-se com uma vida mais livre, leve e autêntica. Compartilha diariamente os seus textos e conteúdos de educação emocional em seu perfil no Instagram (@marciainescoelho).

Leia todos os textos da coluna de Márcia Inês Coelho em Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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