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Como viver a sua dor (sem se destruir no caminho!)
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Um dos comportamentos que mais prejudica a saúde emocional é a fuga do desconforto. Mudar a relação com a dor contribui para processos emocionais mais maduros.

Pela minha experiência, a procura de acompanhamento mental e emocional mais do que triplicou no mundo pós-pandemia. Isso me traz um sentimento esperançoso perante uma repentina tomada de consciência da importância de se cuidar da saúde mental. Ao mesmo tempo, com um ligeiro amargo de boca, percebo o estado agravado com que tanta gente chega às consultas: no limite, com visível desgaste mental e exaustão emocional.

A verdade é que independentemente da história pessoal, da profissão ou da origem das suas queixas, a grande maioria das pessoas chega com a mesma urgência: “como deixo de sentir medo, ansiedade, culpa, tristeza ou até inveja?”.

Primeiro, é preciso dizer que desejar não sentir emoções desagradáveis é desejar desconectar-se do mundo.

Imagine como seria não termos capacidade de sentir medo ao ouvir um barulho estranho, enquanto caminhamos numa rua escura. Ou mesmo se não pudéssemos sentir tristeza para sinalizar a perda de alguém importante. E se não pudéssemos sentir raiva quando alguém ultrapassa um limite nosso?

Ressalto, em segundo lugar, que desejar não sentir essas emoções é negar uma das verdades mais incontornáveis da vida: a dor existe e faz parte dela.

Dor emocional não é fraqueza

Por mais que as pessoas que me procuram não querem ouvir isso, um processo de superação da dor não se faz saltando por cima dela. Muito pelo contrário, faz-se atravessando-a.

“Não existem atalhos”, é o que respondo frequentemente, diante do olhar claramente desiludido de alguns indivíduos que veem cair por terra as suas melhores expetativas de nunca mais virem a sentir desconforto.

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É comum termos medo que outras pessoas nos vejam de baixo astral, que nos perguntem por que estamos mal e até que nos digam ‘’não fique assim’’, como tentativa de aliviar ou acelerar o nosso processo pessoal.

Antes de se preocupar com o que os outros pensam, compreenda que a dor emocional não é um ‘’dramazinho’’. Há justamente muita semelhança entre a dor física e a emocional, sendo que as mesmas áreas cerebrais são ativadas quando caímos e raspamos o joelho ou quando algo se parte dentro de nós. É por isso que é realmente difícil entrar em contato com a dor emocional, até porque temos um impulso natural para evitá-la.

Dor necessária x dor desnecessária

Nesse sentido, assim como é fundamental distinguirmos tristeza de depressão (a tristeza é uma emoção saudável e necessária ao passo que a depressão é um transtorno que sinaliza uma falha ou dificuldade de flexibilização mental ou regulação emocional), precisamos também diferenciar dor de destrutividade.

Devemos, portanto, aprendermos a distinguir dores necessárias (como algumas frustrações e perdas) e dores desnecessárias (ou dores neuróticas).

Uma dor necessária pode ser vivenciada de forma coerente e proporcional à situação. Por exemplo, quando perdemos um ente querido, é natural que sintamos dor numa certa intensidade e quando termina um relacionamento, em outra. A dor necessária traz consigo um processo construtivo no seu sentir.

Já uma dor desnecessária, é aquela onde pegamos emoções desconfortáveis e alimentamos crenças disfuncionais. Por exemplo, você se frustra com o seu companheiro e usa essa frustração para definir que “ninguém gosta de você”, que “as pessoas não são confiáveis” ou que “nunca será suficiente”. Por norma, esta dor destrutiva é sentida de forma desproporcional, como se lhe atribuísse uma carga a mais, utilizando-a para se desqualificar, enfraquecer ou se autoperseguir.

O que gera sofrimento não é a dor, mas o que fazemos com ela

Para romper com esses padrões de destrutividade, é fundamental entender que crescer com a própria dor faz parte do processo terapêutico. Lidar com a dor não é só sair do sofrimento emocional. Por mais desconfortável que seja, a cada experiência de dor, alcançamos um lugar novo em nós.

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Assim, para viver a dor sem se destruir no caminho, deve, primeiramente, começar por reconhecê-la, percebendo onde lhe dói e qual a causa e consequência desse desequilíbrio. Não se precipite em combatê-la ou fugir dela. Em seguida, diferencie-se da sua ferida, colocando-a no seu devido contexto para que não se misture com ela nem se deixe contaminar por ela. A dor é situacional, é contextual, não precisa defini-lo como indivíduo.

Carl Jung dizia que tudo depende de como vemos as coisas e não de como as coisas são. Neste caso, não é diferente. Depois de reconhecer a sua dor e de a contextualizar, inicie um processo de ressignificação positiva para que seja capaz de seguir em frente.

O significado que atribuímos aos eventos é o que determina se eles são percebidos como ameaçadores ou não.

Saiba que viver a dor é um processo ativo, não é passivo, nem autopiedoso. Por isso, seja intencional na hora de construir novas leituras sobre os fatos e de desenhar um caminho para si. Cresça e aprenda com a sua própria experiência, levando o tempo que for preciso para isso.

Lembre-se que o preço de não termos consciência das nossas feridas é ficarmos reféns delas. Acima de tudo, saber que a dor existe e que faz parte da vida é o mesmo que reconhecer que ser feliz não é não sentir dor, mas antes aprender a reconstruir-nos a partir dela.


MÁRCIA INÊS COELHO é terapeuta e coach emocional e ensina pessoas e grupos a gerir suas emoções e a conectar-se com uma vida mais livre, leve e autêntica. Acredita que a cura emocional é o afeto.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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