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Entrevista com Lívia Azevedo, diretora de Felicidade da Heineken Brasil
(FOTO: DIVULGAÇÃO)
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Será que tem preço ser feliz? Na Heineken Brasil, o bem-estar e a fe­licidade dos colaboradores viraram um pilar essencial na estratégia da empresa – acima, inclusive, do fatu­ramento.

Para cuidar desse aspecto tão valioso da existência humana, foi criada, há um ano e meio, a Di­retoria de Felicidade, que mensura o nível de contentamento dos co­laboradores e implementa uma sé­rie de estratégias para que o tema seja visto com comprometimento e, sobretudo, como uma ciência, apli­cável de forma prática no dia a dia de cada um.

Quem é a guardiã des­sa jornada é a psicóloga e diretora Lívia Azevedo, há 12 anos na com­panhia. Ela fala com paixão e entu­siasmo sobre um tema que parece até subjetivo, mas que hoje é apoia­do por tantos estudos.

“Nós esco­lhemos uma metodologia derivada da psicologia positiva [criada pelo psicólogo Martin Seligman], que é a metodologia PERMA-V, cujos pilares se baseiam em alimentar emo­ções positivas, criar engajamento, manter relacionamentos saudáveis, ter um sentido de vida, sentir-se realizado e buscar a vitalidade (ali­mentação balanceada, atividade fí­sica, sono reparador etc.)”, explica.

Nesta conversa com Vida Simples, a Diretora de Felicidade defende que o foco das em­presas deve ser cuidar de suas pes­soas, criando um ambiente seguro para que elas possam ser quem são, tenham suas questões e necessi­dades acolhidas e trabalhem com um olhar de empatia com o outro – valores fundamentais para o ver­dadeiro sucesso de uma empresa.

Por que se decidiu criar uma Di­retoria de Felicidade?

Todas as decisões da companhia são baseadas no respeito e cuidado pelas pessoas, como um valor pri­mordial. Então nós já tínhamos – mesmo antes da pandemia – ações voltadas para esse valor, como o programa Heineken Cuida, com psicólogo, psiquiatra, apoio jurí­dico e financeiro à disposição. E o Mauricio Giamellaro, nosso CEO, defende que, se as pessoas estive­rem bem em um ambiente positivo, em que elas podem se expressar com liberdade, vão produzir muito mais. Isso tudo a ciência também já comprovou. Então a Diretoria de Felicidade foi mais um passo dian­te do nosso compromisso.

E desde quando a Diretoria existe como pilar estratégico?

Há um ano e meio. Mauricio já nos pedia que nos aprofundássemos no tema da felicidade ainda em 2020. Iniciamos nossas pesquisas e, em janeiro de 2023, foi anunciado para a companhia a nossa estratégia de negócio em que as pessoas esta­riam no centro, antes mesmo do fa­turamento, da lucratividade. Então felicidade e bem-estar, diversidade, qualidade de vida e inclusão estão como pilares da nossa estratégia de negócio, um compromisso firmado com 14 mil colaboradores.

“Digo que, para construir um prédio, é preciso conhecimento. E, para construir a felicidade, também. Queremos dar aos colaboradores esse conhecimento”

A cada 15 dias, os funcionários respondem a uma pesquisa so­bre o tema. Como essas infor­mações são trabalhadas?

Os resultados são apresentados de acordo com aqueles pilares da psi­cologia positiva, então é possível verificar qual deles precisa de mais atenção. Eu digo que o mais impor­tante é ouvir as pessoas. Felicidade não é estar feliz o tempo todo. Mas é poder falar quando não está bem, quando passa por um problema em casa, quando precisa de ajuda. Trabalhamos a liderança para que cada líder saiba conversar, escutar e apoiar seu time. É preciso criar um ambiente de segurança psicológica, onde as pessoas possam falar como se sentem sem medo de julgamento ou punição. Possam se conectar e, sobretudo, ser elas mesmas.

As lideranças também recebem algum tipo de formação com o tema da felicidade?

Sim. Em 2023, escolhemos a ciência da felicidade como foco para o nosso programa de liderança. Além disso, adotamos a segurança psicológica como a base de todas as nossas ações, por acreditarmos que ela sustenta essa jornada. Portanto, sim, os líderes passaram por treinamentos sobre felicidade e segurança psicológica, e mantemos um contato contínuo com eles. Recentemente, por exemplo, estive em Fortaleza para um laboratório de felicidade com o time. Na quinta-feira, trabalhei com a liderança e, na sexta, com o grupo completo. Nesses laboratórios, discutimos conceitos sobre felicidade, emoções e relações positivas. Além disso, incentivamos que todos pesquisem e pratiquem por conta própria, porque ser feliz não é algo automático — é uma ciência que exige conhecimento e prática.

Então a felicidade é um estudo mesmo?

Com certeza. Muitos líderes comentam que, depois de lerem sobre o tema, isso fez sentido para suas vidas e começaram a colocar em prática com as equipes. Quando a felicidade passa a ser vivida e não apenas um conceito, o impacto é maior. É uma jornada. Estamos trabalhando nisso há um ano e meio, com uma estratégia de cinco anos pela frente.

E qual o papel dos embaixado­res da felicidade?

Os embaixadores são colaborado­res voluntários. São pessoas do negócio, de todas as áreas, todos os cargos. Eles se inscrevem em uma formação para conhecer os conceitos sobre a ciência da feli­cidade e aí recebem esses funda­mentos e traduzem isso nas suas áreas, no seu dia a dia, nas reuni­ões de que participam. Levam o tema da felicidade para suas áre­as de atuação, influenciando des­sa maneira as suas localidades, o seu gestor, os seus pares. Hoje, são 1.300 voluntários, que podem se candidatar a qualquer momento.

Como lidar com a subjetividade da felicidade? E, na prática, como isso se manifesta?

Quando falamos de felicidade corporativa, não é apenas uma questão individual — há também a responsabilidade da empresa em criar um ambiente positivo. A partir desse ambiente, cada um pode se apropriar das ferramentas que oferecemos. O que temos observado é que, conforme as pessoas aplicam esse conhecimento, elas começam a perceber os benefícios em suas vidas. E, ao perceberem esse impacto, tornam-se mais engajadas. Sim, a felicidade é subjetiva no sentido de que ninguém pode fazer outra pessoa feliz — cada um é responsável pela própria felicidade. Mas conseguimos reduzir essa subjetividade com metodologias, como o PERMA-V. Além disso, realizamos iniciativas como o Tamo Junto e Em Movimento. Recentemente, promovemos um desafio em que 400 colaboradores participaram por quatro meses. Organizados em grupos de 20 pessoas, todos começaram o processo com exames e um plano de atividade física. Cada participante precisava se exercitar seis vezes por semana, e o grupo mais comprometido ganhava o desafio. Esse tipo de ação transforma vidas.

Como garantir que essas atividades não sejam vistas como mais uma demanda?

Desde o início, nos preocupamos para que felicidade não se tornasse mais uma obrigação. Em vez de criar novas reuniões, integramos o tema às agendas já existentes — encontros quinzenais e mensais. Assim, levamos o assunto para o cotidiano sem sobrecarregar ninguém. Os embaixadores, por exemplo, têm encontros semanais de uma hora e meia, mas podem participar conforme sua disponibilidade. Isso garante flexibilidade e evita a sensação de mais uma tarefa a cumprir. Quando as pessoas percebem que a empresa realmente valoriza essas iniciativas, o engajamento muda. Elas querem participar, não por obrigação, mas porque entendem que faz sentido para suas vidas.

É possível ou desejável separar vida pessoal e profissional?

Nós acreditamos na integração dos papéis, e não na separação. Não dá para ser uma pessoa no trabalho e outra em casa. Quando a pessoa pode ser quem realmente é em todas as esferas, ela encontra mais felicidade e pertencimento. Eu, por exemplo, sou do interior de Goiás e, no começo, me sentia diferente das pessoas da empresa, que tinham experiências internacionais. Pensava: “O que eu estou fazendo aqui?” Até que, em reuniões, percebi que a diretoria queria ouvir o que eu tinha a dizer. Isso me fez entender que eu tinha algo valioso para acrescentar, mesmo com uma trajetória diferente. A diversidade faz parte da nossa estratégia porque acreditamos que, quanto mais as pessoas se sentem à vontade para serem quem são, mais conseguem usar todo o seu potencial. Quando reconhecemos essa integração, conseguimos cuidar melhor de todas as nossas facetas e nos enxergar como pessoas completas. Infelizmente, muitas organizações ainda não permitem essa liberdade de ser. Parece básico, mas não é.

Quais têm sido os maiores desa­fios na implementação da Dire­toria de Felicidade?

O desafio é transferir o conheci­mento e engajar as pessoas a pra­ticá-lo. Isso porque a felicidade é única e individual. Então a gente constrói um ambiente mais posi­tivo para as pessoas, mas também vai depender do empenho de cada uma. Tem que querer, e ela só quer depois que vê algum benefício. E ge­ralmente o benefício é rápido. Bár­bara Fredrickson é uma estudiosa das emoções positivas que defende que, para cada emoção negativa, precisamos encontrar três positi­vas para neutralizá-la. Dei essa dica em um encontro com lideranças e, no dia seguinte, um líder falou para mim “Lívia, realmente, funciona!”, depois de ter praticado. E, sim, fun­ciona, porque não é achismo. É um estudo levado a sério por muitos es­pecialistas. Eu falo que, para cons­truir um prédio, tem todo um co­nhecimento. Para construir a nossa felicidade é a mesma coisa. Todo mundo quer ser feliz. Mas muitos podem fazer essa busca de forma equivocada. E o que queremos aqui é apoiar, com conhecimento, essa procura tão singular de cada um.

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Conteúdo publicado originalmente na edição 273 da Vida Simples

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