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Qual a importância dos nossos sonhos?
O cacique José Guimarães Tserenhomo, da nação indígena Xavante, fala sobre o sonho que o levou a construir a aldeia onde mora, no Território Indígena Pimentel Barbosa, em Mato Grosso (Foto: Bianca Moreno/ARSX/ISA)
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O cacique José Guimarães Tserenhomo, do território indígena Pimentel Barbosa, em Mato Grosso, teve um sonho que modificou o curso de sua vida e de toda a sua comunidade. Em 2012, ele já era cacique de uma aldeia da nação indígena na qual faz parte, Xavante, e estava passando por conflitos internos. Ele havia acabado de abdicar do seu papel de líder daquela aldeia quando, em uma noite de sono, um gavião apareceu em seu sonho com um recado importante.

“Vem para cá no morro, morar perto daqui. Se ficar todo dia na aldeia vai ter problemas, e não vou te apoiar. Mas, se você mudar urgente para cá, a vida continua”, chamou o animal. O cacique conta que no sonho, o pássaro indicou o sopé de uma formação que faz parte da Serra do Roncador, no leste de Mato Grosso, como o local ideal para construir a nova aldeia.

José logo convocou sua família para uma reunião, contando o seu sonho e a orientação que recebeu. Com ajuda de amigos e familiares, abriu uma aldeia nova na base de Ripá, a montanha sagrada para a nação indígena Xavante que havia vislumbrado no sonho. “Aí fizemos isso, abrimos uma aldeia nova. Conseguimos eletricidade, energia, poço artesiano. Não estamos sofrendo, não, estamos curados”, relata o cacique.

Graças ao sonho premonitório em uma noite de incertezas, o líder pôde encontrar um local dentro de seu território indígena para continuar a vida. Atualmente, as mulheres que vivem na aldeia Ripá trabalham na Rede de Sementes do Xingu como coletoras de sementes nativas para o reflorestamento da Amazônia e do Cerrado. Além disso, toda a comunidade mantém plantios de reflorestamento chamados carinhosamente por eles de “nossa amazoninha”.

O significado dos sonhos em diferentes culturas

A fé do cacique José em seus sonhos não é única. Para diferentes culturas, o mundo onírico tem um papel fundamental em dar orientações de vida. Assim explica o biólogo e neurocientista Sidarta Ribeiro, autor do livro O oráculo da noite: A história e a ciência do sonho*.

“Se a gente fizer uma comparação entre diferentes culturas da antiguidade, da idade média e de culturas que existem hoje em dia, de povos originários na América, na África e na Ásia, a gente vai encontrar uma multiplicidade de crenças. Mas existem certos princípios comuns que são muito claros”, aponta o neurologista.

O que há em comum entre essas culturas é que elas enxergam os sonhos como portais para outros mundos, outras dimensões, e para um encontro com entidades, seres divinos e ancestrais. Uma relação íntima com a espiritualidade, portanto. Já em algumas culturas na Ásia, os sonhos são vistos como uma ilusão e um ambiente para treinamento de habilidades mentais, tal qual o controle do próprio sonho.

Sonhos perdem seu valor na sociedade capitalista

Apesar da sua importância ao redor do mundo e na história da humanidade, o sonho tem perdido espaço no mundo contemporâneo e urbanizado. “Com essa ciência acadêmica universitária de matriz europeia, os sonhos ficaram quase sem lugar. Existe um perigo de extinção do sonho, porque as pessoas dormem mal, dormem pouco, não prestam atenção no sonho. Então, ele fica meio que fora da vida das pessoas”, aponta Sidarta.

Para o especialista, isso é preocupante porque “até muito recentemente o sonho era um aspecto central da vida das pessoas”. Com isso, de acordo com ele, a sociedade está perdendo o contato com uma prática que foi essencial para a nossa adaptação e socialização.

E isso se deve a dois fatores. O primeiro é a perda do valor dos sonhos é uma consequência de noites mal dormidas. De modo geral, as pessoas não têm dormido bem por conta de estímulos que recebem antes de dormir, como o uso excessivo de telas, ou porque precisam acordar cedo, com a interrupção do sono por um despertador.

“Quando você tem um prejuízo do sono, você acarreta também um prejuízo do sonho. Isso ocorre porque o sonho é predominante na segunda metade da noite, depois de umas quatro horas, quando a gente tem mais sono do tipo REM (movimento rápido dos olhos), momento em que sonhamos muito”, explica Sidarta.

O segundo fator é que, ao se levantar, raramente fazemos registro do que sonhamos. “Se o sonho fosse uma coisa valorizada, você despertaria de manhã e a primeira coisa que faria seria resgatar aquele sonho, trazê-lo para a consciência, ao escrever ou gravar um áudio. Mas aquela memória é perdida logo cedo e passa batido”.

Sonhar é entrar em contato com o mundo interior

Sonhos A aldeia Ripá, no sopé da formação rochosa sagrada para a nação indígena Xavante, construída após o sonho premonitório do cacique José (Foto: Guaíra Maia/ISA)

Para entender a importância dos sonhos é preciso compreender que eles são, antes de tudo, uma porta para o nosso interior. Sidarta explica que o mundo exterior, e tudo que vivemos, só é percebido porque a gente tem um sistema nervoso que representa esse mundo dentro da gente. Isso cria um mundo interior, que é, basicamente, uma representação de tudo que captamos.

“O perigo dessa sociedade de epidemia de telas, de audiovisual e estímulo incessante é a morte da possibilidade de imaginar, de construir nesse mundo interior repleto de novas possibilidades”, diz o neurologista.

Para a psicanálise, a construção desse interior também é parte essencial da nossa vida, pois molda o nosso inconsciente. “Adentrando no campo da psicanálise, percebemos que nos sonhos estamos imersos no campo do nosso inconsciente, onde tudo aquilo que captamos, seja em forma de experiências ou mesmo de imaginação, se solta”, explica Janaína de Paula Campos, psicanalista freudiana e terapeuta junguiana, especialista em neurociência.

E o inconsciente, que fomenta nossa intuição e espiritualidade, nada mais é do que aquilo que captamos através dos cinco sentidos, porém que ainda não foi racionalizado. “Essas informações do subconsciente permanecem latentes, necessitam ser conectadas, trazidas à luz. É como um iceberg: somente uma ponta daquilo que interpretamos do mundo está no consciente. O resto fica submerso num mundo mental oculto, ou seja, não revelado e carregado de informações a serem desvendadas”, aponta Janaina. E uma das formas de adentrar nesse mundo interior é pela interpretação dos nossos sonhos.

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Mas, afinal, como interpretar os sonhos?

Existem muitos sites, livros e revistas de interpretação dos sonhos. Segundo Sidarta, esses manuais são tão antigos quanto a literatura. “Muitas vezes esses guias trabalham com símbolos que são universais ou pelo menos muito disseminados culturalmente, considerados verdadeiros para diversas culturas diferentes”, explica o especialista.

Por conta disso, essas interpretações podem ser válidas para muita gente, e grande parte das pessoas pode se identificar. “Mas todos esses manuais de sonhos sempre tiveram e continuam tendo um problema. Apenas o sonhador pode decifrar o significado principal dos sonhos que ele teve. É a única pessoa que de fato entende ou pode entender o significado profundo e os múltiplos significados do seu onírico”, diz Sidarta.

Então, para o especialista, tudo que pode ser usado como produção de livre associação, que ajude mapear o mundo interior, é ótimo. Mas a última interpretação deve ser individual. “Tudo isso ajuda, mas desde que se compreenda que o sentido não pode vir de fora para dentro, e sim de dentro para fora”, complementa.

Janaina concorda com isso. Segundo ela, “esta interpretação não acontece somente através do psicanalista, mas com o auxílio do sonhador que vai dizer com sua mente racional, acordada e consciente, quais são os símbolos que o inconsciente dele trouxe, para gerar a interpretação através desta análise”.

O sonho é interno, e as lições que aprendemos deles, também. Mas para isso é preciso, como fez o cacique José, prestar atenção no seu significado. “O sonho é muito forte, muito especial”, aponta o cacique, que quando recebe visitas em sua aldeia, sempre faz questão de perguntar como estão os sonhos de seus visitantes.

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