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Saúde mental de adolescentes e jovens: como estabelecer diálogos empáticos?
Volodymyr Hryshchenko
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Birras, conflitos, familiares, decepções amorosas, estilos incompreendidos. A adolescência é, sem dúvidas, um dos períodos mais intensos e conturbados da vida que exige, por si só, muito manejo para lidar com as questões de saúde mental. Nessa fase de desenvolvimento, sabe-se que os sintomas e casos de transtornos psicológicos como ansiedade e depressão costumam afetar ainda mais os jovens pelas tensões emocionais típicas da época.

Segundo um estudo publicado na revista Jama Pediatrics, os sintomas de depressão cresceram 26% em adolescentes em relação ao período pré-pandemia. Nas crianças, sinais de ansiedade aumentaram em 10% no primeiro ano da crise sanitária. O isolamento físico, o impacto no uso de telas e o distanciamento de amigos e das atividades do cotidiano são fatores que ajudam a corroborar com os dados.

Existe uma mudança comportamental da sociedade que tem impactado diretamente a saúde mental dos jovens“, explica a educadora Carolina Delboni. Para a especialista, essas mudanças ocorrem nos espaços domésticos, nas escolas, nas ruas e afeta diretamente as experiências dos jovens.

Relações de afeto

Antes de acolher, compreender ou julgar o comportamento de um adolescente, é preciso aceitar que ele está em fase de transição e amadurecimento natural. Por isso, não o cobre ou tente acelerar esses anos que são biologicamente pré-determinados. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência vai dos 12 aos 18 anos e é composta por um carrossel de emoções.

Isso ocorre especialmente porque o córtex pré-frontal, responsável pela tomada assertiva de decisões, autocontrole, planejamento e equilíbrio das emoções ainda está em desenvolvimento. “O adolescente tem menos experiência, menos referências e menos conhecimento para tomada de decisão. E eu ainda nem estou falando de maturidade cerebral e emocional. Todo mundo precisa”, explica Érica Maia, psiquiatra e gerente de Saúde Mental da Conexa.

É importante lembrar também que, nessa fase da vida, o adolescente vai experienciar diversas atividades pela primeira vez. Haverá, entre essas idades, o primeiro relacionamento, decepções amorosas, descobertas em relação à orientação sexual e estilo de vida. É comum que ele ainda não saiba tão bem onde pisar e como lidar com isso de forma madura.

A escritora Carolina Delboni costuma chamar esses momentos de “Caixa de Experiências“, um espaço de cérebro reservado para as primeiras vivências pessoais e coletivas que o ajudarão a ganhar maturidade. Por exemplo, passar pela primeira decepção amorosa vai fazê-lo sentir o que aquilo provoca e como mediar essa situação.

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 O contexto social e a saúde mental de adolescentes

O comediante e escritor britânico Daniel Howell foi um adolescente que precisou lidar com inúmeras questões relacionadas à depressão e ansiedade. Sempre assustado e em estalo de alerta, Howell carregava consigo os questionamentos e conflitos internos sem questioná-los. Havia, segundo ele, uma sensação constante de que era um fardo na vida das pessoas. Até que passou a naturalizar esse sentimento no dia a dia.

Nunca havia aprendido o conceito de ‘pedir ajuda’ ou ‘compartilhar sentimentos’, então, sem saber, sofria em silêncio”, explica em seu mais recente livro Você vai sobreviver a esta noite (Sextante). Além de Daniel, esses sintomas e comportamentos estão cada vez mais presentes e intensos nos adolescentes de todo o mundo. 

Para Carolina Delboni, há uma soma de fatores que ajudam a explica. Primeiro, uma incerteza sobre o futuro e a pressão por desempenho tem afetado a saúde mental de sociedades inteiras. Como consequência, já que os adultos são as referências diretas para os jovens, há uma reprodução desse comportamento acelerado na adolescência.

“Em nome da segurança, da proteção ao perigo e do ingresso nas melhores faculdades – visando o tal sucesso profissional e o mercado acirrado que ele vai encontrar pela frente – os adolescentes também são privados de viver as experiências necessárias para um desenvolvimento pleno e saudável desta fase da vida“, defende a escritora.

Relações familiares e saúde mental

É importante destacar que nem sempre os adolescentes crescem e se desenvolvem em ambientes familiares saudáveis e empáticos. Claro, haverá sempre tensões entre pais e filhos, especialmente pela diferença geracional. No entanto, “estudos mostram que ambientes violentos e/ ou situações vividas de violência podem gerar gatilhos de transtornos mentais. Isso porque o adolescente não tem ferramentas internas (psicoemocionais) para dar conta de resolver isso”, destaca Carolina Delboni. 

Para Daniel Howell, as mudanças internas só ocorreram mesmo quando ele passou a compreender que precisava de ajuda profissional e de sua rede de apoio. “Isso me deu uma faísca de esperança – fez com que eu sentisse pela primeira vez que tinha permissão para refletir sobre minha vida e tentar melhorá-la“, escreve. No livro, revisado pela Dra. Heather Bolton, o escritor explica que é comum e natural nos sentirmos ansiosos ou deprimidos, mas é preciso diferenciar quando os sintomas indicam a existência de transtornos psicológicos.

Construindo diálogos empáticos

As reclamações são comuns entre os jovens: de que não são ouvidos, não existe escuta ativa e os adultos têm pouca abertura em compreender os problemas. “Esse gesto repercute em toda a saúde mental“, explica Carolina Delboni.

“Limites são importantes, mas é preciso se comunicar com eles, sem imposições, fazer acordos e respeitar esses acordos”, conta Érica Maia. Ela orienta ainda que os adultos precisam buscar autoconhecimento e controle das próprias emoções para poderem influenciar positivamente os jovens. “A segurança resulta de um ambiente de aceitação sem julgamentos, de atenção empática e da ausência da sensação de que vai ser injustamente punido”, acrescenta.

Por isso, as pesquisadoras ouvidas para essa reportagem destacam que estabelecer um diálogo ativo com adolescentes é o caminho mais saudável. Mas isso não vai acontecer se você pegá-lo, sentar em frente a ele no sofá e fazer perguntas como se estivesse em um inquérito.

“Muitas vezes, esse diálogo vai ocorrer por meio de uma música que ele está ouvindo, de um vídeo que assistiu ou viralizou nas redes sociais… as situações vividas na adolescência e as referências dos jovens são canais de comunicação para o diálogo”, finaliza Carolina Delboni.

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