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#AbraceNossosFilhos: mães lutam por amor
Sharon McCutcheon | Unsplash
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Durante os dois últimos anos, que coincidiram com a pandemia, comecei a sentir saudades da espontaneidade de uma criança correndo pela casa, falando com amigos imaginários, espalhando peças de lego, fazendo teatro para bichos de pelúcia. A gente também costumava fazer cineminha – juntava os dois sofás da sala para que virasse um tipo de cama para ver o mesmo filme milhares de vezes.

E, de repente, aquele pequeno ser que eu abraçava e pegava no colo com facilidade, estava ali na mesma sala conversando e expressando veemente sua opinião sobre questões sociais, políticas, ambientais, culturais, educativas e pronta para votar no ano seguinte. Percebi, então, a realidade de clichês como “o tempo voa”, “criança cresce rápido” com aquela pessoa crescida diante de mim.

Faltando apenas três meses para o final do ano de 2021, estávamos nos mesmos sofás, mas que agora não se juntam mais para o cineminha, conversando sobre a escola, o cotidiano e surgiu um pedido para mudar de nome. Um pedido muito sério na minha visão de mãe, que me fez perguntar mais de uma vez:

“Você quer mesmo mudar seu nome?”. A resposta sempre imediata: “Sim”. E que me levou a outra pergunta: “Como você se sente?” E a resposta: Mãe, eu sou uma menina”.

Mãe de uma menina trans

Fiquei alguns segundos em silêncio, respirei fundo, desviei o olhar, senti algo estranho como se a minha cabeça tivesse se desencaixado do meu corpo. Mas, retornei rápido e olhei nos olhos da pessoa que mais amo no mundo à minha frente.

Continuamos a conversar sobre o nome, o pronome – agora no feminino (ela/dela), sentimentos sobre o corpo na puberdade, hormônios, informações adquiridas na internet e com as amizades virtuais e reais.

Naquele momento, descobri que sentiria saudades não apenas de uma criança, mas também de um menino. Dali em diante, me tornei mãe de uma menina trans.

Simples assim? Claro que não. Eu conheço pessoas LGBTQIA+, mas não tinha nenhum conhecimento profundo, principalmente sobre a peculiaridade de cada letra da sigla e as diferenças sobre orientação sexual e identidade de gênero.

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Comecei a conversar com algumas pessoas próximas e a buscar informações na internet, ler livros e ver filmes e seriados que me esclareceram muitas coisas, mas não foram suficientes.

Um amigo e uma psiquiatra me indicaram o AMTIGOS (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual) do Hospital das Clínicas para os cuidados com a minha filha. Nas redes sociais encontrei uma ONG, a Mães pela Diversidade, para os cuidados comigo mesma.

Entrei em contato com as Mães pela Diversidade (organização não-governamental que reúne mães e pais de crianças, adolescentes e adultos LGBTQIA+, criada em 2014 por mães preocupadas com a violência e com o preconceito contra seus filhos gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e mais) e fui acolhida pela coordenadora de São Paulo, como quem encontra um abraço e um ombro para encostar e ficar ali, uns minutinhos, como se uma voz me dissesse: minha casa é sua casa.

Comecei a assistir lives e a frequentar encontros online com a psicóloga voluntária da ONG e outras mães. Logo depois, participei de uma reunião online e um evento presencial com as fundadoras das Mães Pela Diversidade e muitas mães que fazem parte do grupo de São Paulo, e me convidaram para ajudar na comunicação com a campanha para o dia e o mês das mães com o tema Abrace Nossos Filhos.

Saúde mental, crianças e adolescentes LGBTQIA+

E, não sei se vocês sabem, mas crianças e adolescentes LGBTQIA+ costumam sofrer bem mais de ansiedade e depressão do que a média da população.

Um dos motivos é o medo das agressões nos espaços públicos. Pensando nisso, surgiu a ideia da campanha: somos milhares de mães e queremos sensibilizar outras mães pedindo esse abraço de mães de LGBTQIA+ para mães de não LGBTQIA+:

Ajude a gente a proteger nossos filhos do preconceito e das agressões que eles sofrem nas ruas, divulgando nossa campanha #AbraceNossosFilhos.

Campanha #AbraceNossosFilhos

A campanha está nas redes sociais desde o dia 2 de maio e vai até o final deste mês com vídeos sobre os presentes desejados pelas mães para seus filhos, uma série de fotos de mães amigas que abraçam a causa, um guia sobre leis que combatem a LGBTfobia, lives sobre saúde mental, diversidade e outros temas, posts e vídeo da Oração das Mães pela Diversidade – essa bem especial escrita por muitas mãos de mães.

Fiquei tão envolvida com esse abraço, que resolvi me expor escrevendo aqui para vocês. Sei que o sofá confortável da minha sala ainda abrigará muitas conversas, amor e abraços. Mas sei também que sou uma mãe em transição e estou aqui abrindo meu coração e compartilhando com vocês o meu abraço de mãe para mãe por meio dessas palavras para ajudar no que for preciso e para que possamos, juntas, levantar do sofá e ir para as ruas lutar pelos direitos dos nossos filhos, filhas e filhes.

O sofá pode até ficar largado e sozinho, mas aquela pessoa que eu gerei foi, é e sempre será minha filha e terá sempre a minha companhia, o meu apoio, o meu amor.


*CRIS VENTURA é Consultora de Feng Shui, escritora e mãe pela diversidade. Saiba mais sobre a ONG em: www.maespeladiversidade.org.br. Instagram e Facebook: @maespeladiversidade. E-mail: [email protected].

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