Irritação, ansiedade, pânico e outros perigos da reclusão
Cuide do corpo e da mente. Se você estiver sozinho e sente dificuldade, busque ajuda virtual. Procure o belo e o conforto desses dias de clausura
Cuide do corpo e da mente. Se você estiver sozinho e sente dificuldade, busque ajuda virtual. Procure o belo e o conforto desses dias de clausura
Nos últimos tempos, quantas vezes você não desejou isolar-se em casa? Ansiou por um dia de pijama? Quantas vezes você não planejou experimentar o ócio criativo? Ou reinventar a sua casa com os ensinamentos de Marie Kondo? Arrumar gavetas, mudar mobílias de lugar e destralhar a casa? Quantas vezes você não desejou trabalhar a partir do conforto da sua casa? É. Esse tempo chegou. Ok. É diferente. O estar em casa agora é obrigatório e, principalmente, há um clima de tensão e incerteza lá fora. Existe uma pandemia mundial, um vírus que ninguém sabe bem quem mata e porque mata, há dúvidas e medo. E como se não bastassem as estatísticas com número de infectados e mortos, em toda parte ouve-se as palavras quarentena, confinamento, clausura, ou seja, isolamento social.
Nesse incontornável cenário, bastou apenas alguns dias e você já se deu conta de que o “lar, doce lar” não é assim tão doce. O desejado teletrabalho não é fácil quando combinado com a gestão da presença de crianças e outras rotinas da vida prática como o preparo de refeições. Mas não há outra alternativa, o melhor é dar o nosso melhor e encarar a quarentena. Porém, devemos estar alertas porque à parte o perigo do vírus, o isolamento pode ter um grande impacto sobre a nossa saúde física e mental.
Controle a sua mente!
Todos os dias somos bombardeados por informações vindas de todas as direções e esse excesso pode gerar medo, angústia, ansiedade, taquicardias e síndromes do pânico. Proteja-se! Escolha uma fonte — um canal, um jornal, um site — e atenha-se a ele. Evite os posts com depoimentos e achismos das redes sociais. Evite o “contágio” do medo dos outros e o comportamento de manada. Busque o autocontrole. Lembre-se que muitas das últimas reações sobre o vírus foram irracionais. Isto é, não foram baseadas numa razão verdadeira.
Por exemplo: a corrida para as compras. Não houve e não há indício nenhum de que faltará mantimentos — pelo contrário. Mas, lá estavam muitas pessoas com filas de quatro carrinhos no caixa. O noticiário foi inundado de fotos de prateleiras vazias e o pânico espalhou-se. O resultado foi que muitos ficaram com um estoque de comida para seis meses e outros sem nada. Uma atitude irresponsável e prejudicial aos outros.
A corrida ao papel higiênico foi tão irracional que virou piada. Afinal o coronavírus causava tosse ou diarreia? Porém, estranhamente, o fenômeno não aconteceu só no Brasil, foi no mundo inteiro. E por quê? No livro The psychology of Pandemics (A psicologia de pandemias, tradução livre), o autor Steven Taylor afirma que em todas as pandemias há as compras motivadas pelo pânico. Isso tem alguma lógica, mas e o papel higiênico? De acordo com ele, o medo de infecções aumenta a sensibilidade para o que é nojento, daí o papel que limpa e por isso vira símbolo de segurança (já mencionei aqui: somos serem simbólicos).
Não faça filmes
E para completar o estrago vem o comportamento de manada. Quem vê as cenas de carrinhos de compras e estoque de papel higiênico tem tendência a imitá-los. Os psicólogos do consumo explicam o fenômeno pela teoria dos jogos: se cada um compra apenas o que precisa, não haverá escassez. Mas se alguns, motivados pelo pânico, começam a comprar, os outros convence-se de que a melhor solução é fazer o mesmo porque faltará produtos. Não sei se você percebeu, mas as razões são inconscientes e simbólicas, não são reais.
O outro mal das noticias alarmantes é o agravamento dos sentimentos de ameaça e urgência. A suspeita de que o governo não está no controle ou de que os médicos não sabem o que fazer ou de que os hospitais não tem capacidade para responder ao surto, faz com que se imagine o pior. Começam a antever como seria se contraíssem o vírus, o que fariam, quem cuidaria dos filhos. E se a comida realmente acabar? A partir daqui, para fazer companhia ao isolamento, chega o estresse — uma dupla muito ruim. O estressado-pessimista tende a irritação e explosões, prejudicando o convívio e inviabilizando as dinâmicas positivas na casa.
Cuide do seu corpo
Mesmo quem habitualmente não vai a uma academia ou pratica algum esporte, irá sentir o corpo. Na vida ativa, subimos escadas, trocamos de roupa, gesticulamos, caminhamos até a estação ou ponto de ônibus, dirigimos o carro… Sem essas atividades, o gasto energético é reduzido e o corpo pode ressentir-se e traduzir essa falta também com irritação — e insônia. O que podemos fazer? Tentar manter os níveis de atividade física mais próximo possível do que se estava habituado. Como? Seja criativo. Reserve uma parte do dia só para tarefas físicas como arrumações e limpezas. Mexa-se: faça alongamentos, agachamentos, flexões e para os intrépidos, há milhões de vídeos na Internet, de yoga até boxe.
E não há outra forma. Não caia na tentação de sair, de caminhadas ao ar livre. Para além de que alguns lugares já exista o controle policial, o perigo de contágio está em toda parte — da maçaneta da porta até uma queda em uma superfície contaminada. O lugar mais seguro é mesmo a sua casa. E mesmo essa precisa de limpeza redobrada. A contaminação pode vir de um pacote de arroz trazido do supermercado e até da carta que veio pelo correio.
Faça a sua parte
Numa conferência anos atrás, um estudante perguntou a antropóloga Margaret Mead o que ela considerava o primeiro sinal de civilização em uma cultura. Um vaso decorado? Um objeto funcional? Não. Para ela, o primeiro sinal de civilização em uma cultura antiga foi um fêmur fraturado e curado. Mead explicou que no reino animal, aquele que quebra uma perna, morre. Não é possível caminhar até o rio para beber água, caçar o alimento ou fugir dos predadores. Nenhum animal sobrevive tempo suficiente para o osso se regenerar. Um osso quebrado e curado é uma evidência de que o ferido foi cuidado. Alguém o levou para um lugar seguro, imobilizou a sua perna, cuidou da ferida e o alimentou até ele se recuperar. Ajudar outra pessoa em dificuldade é um indício civilizacional, é a base da nossa humanidade.
Pense no outro
Agora não é apenas sobre a nossa saúde, mas também sobre a saúde do outro. A vida dos outros. Se você não tem medo e acredita que não será contagiado, lembre-se que não se trata apenas de idosos e pessoas com saúde frágil; há crianças, há hipertensos, diabéticos e outros que portam fragilidades desconhecidas. Fique em casa!
Mas, ressalto: cuide do corpo e da mente. Se você estiver sozinho e sente dificuldade, busque ajuda virtual. Procure o belo e o conforto desses dias de clausura. Se você está com a sua família, você tem muita sorte. Comemore! Aproveite esse tempo é aja como se fosse um tempo sabático, de resgate, onde se pode reforçar — e confirmar — laços. Cultive e confirme que você está cercado de cúmplices e aliados; companheiros para a saúde e para a paciência. É nesse momento que a sua família pode rir com você, mas também segurar a sua mão. Estamos todos juntos.
Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.
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