Ano novo, vida nova: desapegue do que não faz sentido
Com a chegada do ano novo, criamos mil e uma metas do que queremos mudar. Mas antes, precisamos pensar no que devemos deixar para trás
Dezembro sempre foi o meu mês favorito do ano. A cidade toda se ilumina, encontramos parentes e amigos que não víamos há muito tempo, e nesse período que antecede o ano novo, a vida ganha uma sensação de nostalgia, reflexão e felicidade.
Além disso, dezembro é o mês do meu aniversário. Esse ano, comemorei a chegada dos meus 23 anos ao lado da minha família. E, na hora dos parabéns, me vi confusa, sem saber o que pedir ao assoprar as velinhas.
Há diversas metas que eu poderia desejar para o futuro, mas é difícil projetar o que eu quero. A verdade é que, para mim, 2025 ainda é um grande mistério, porque esse ano estou deixando muita coisa para trás.
Além de tudo que celebro nessa virada, 2024 foi o ano em que finalizei minha graduação em jornalismo e, depois de cinco anos morando em outra cidade por conta dos estudos, voltei para casa. Me despedi do meu apartamento, dos meus amigos, da minha faculdade e de toda uma rotina que, agora, não é mais minha.
Fim de ano é, sim, sobre o que esperamos de novidade, mas também é momento de saber o que devemos nos desprender. Algumas coisas são passageiras e, depois de um tempo, passam a fazer parte do passado.
A frase “ano novo, vida nova” nunca me fez tanto sentido. Saber viver ao máximo nossas fases é essencial. Melhor ainda é saber deixar ir embora, quando chega a hora de algo partir. Se você também busca se desapegar de alguma coisa – seja uma roupa, uma casa, um casamento -, reuni, com especialistas, algumas dicas de como passar por esse processo.
Quando não faz sentido, é hora de desapegar
Normalmente, uma pessoa, um ambiente ou um hábito não faz mais sentido em sua vida quando não tem mais espaço na sua agenda. Quem pontua isso é Paula Coaglio, psicóloga especialista em terapia cognitiva comportamental e pós-graduanda em educação:
“Se não te traz vontade de estar perto, de fazer sacrifícios para estar presente, de buscar minimamente uma proximidade daquilo, então é algo que já não cabe em sua rotina, que não te desperta desejo algum.”
É claro que, na prática, o ano virar não traz nenhum milagre ou mudança instantânea. Mas, segundo Paula, traz, psicologicamente, uma sensação de que um ciclo se encerrou e outro está prestes a começar.
“Novas possibilidades vêm aí. Dentro disso, desapegar é se afastar, se libertar, perder a dependência. Podemos começar pensando que o ano que passou não volta mais. As coisas que aconteceram não necessariamente têm que acontecer de novo”, aponta a especialista.
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Como saber que chegou a hora de ir embora
Apesar de parecer fácil, sentimos dificuldade de reconhecer quando é o momento de acabar finalmente com um hábito, relacionamento ou desapegar de algo da nossa vida.
Adriana Drulla, psicóloga e pioneira no Brasil em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra) e colunista na Vida Simples, aponta alguns sinais claros para entender de vez que é hora de deixar ir:
- Você começa a evitar: quando o compromisso está chegando, o desejo de cancelar toma conta. Não só você não quer fazer aquilo, como já perdeu horas preciosas antecipando o incômodo, o que transforma o “só mais essa vez” em um fardo desproporcional.
- Não traz mais alegria ou propósito: nem tudo na vida precisa ser emocionante ou cheio de significado – pagar contas, por exemplo, nunca será inspirador. Mas quando a dor, o esforço ou o desgaste emocional superam qualquer benefício, talvez seja hora de se perguntar por que você continua insistindo.
- Você imagina sua vida sem isso – e gosta do que vê: quando você pensa no futuro, essa pessoa, hábito ou ambiente estão nele? Se sua visão ideal do futuro não inclui isso, o recado é claro. Você já sabe que aquilo não está alinhado com quem você quer ser.
- Faz você se sentir menor: se um trabalho ou relacionamento continuamente mina sua autoestima, faz você duvidar de si mesmo ou exige muito mais do que devolve, não é apenas um sinal de desgaste – é um alerta de que aquilo não está contribuindo para o que realmente importa.
- Você continua por obrigação: talvez seja uma relação, um hábito ou um compromisso que já deveria ter ficado no passado. Mas você persiste, não porque quer, mas porque sente que deve. O peso da obrigação ou o medo de magoar alguém te prende, mesmo que, no fundo, você saiba que é hora de soltar.
- Você simplesmente sabe: chame de intuição ou de um incômodo visceral, mas a verdade é que a sensação de que algo não está certo é difícil de ignorar. Pode ser aquele nó no estômago ou uma espécie de cansaço existencial que aparece toda vez que você pensa no assunto.
O que nos prende ao passado
“Os sinais de que algo não faz sentido são mais evidentes do que gostamos de admitir. O problema não está em percebê-los, mas em aceitar que essas escolhas não fazem mais sentido”, completa Adriana.
Segundo Paula Coaglio, o apego, a teimosia, a busca por amor, por companhia e por felicidade, às vezes, nos faz forçar demais alguma situação que não é boa, mas que temos a esperança de que mude ou melhore.
“Costumo dizer que sofremos por teimosia, por querer que tal pessoa se encaixe na nossa vida, por exemplo. Mas ela não faz parte ou não quer fazer. Então, praticar o desapego em todas as áreas faz bem. Desde doar uma roupa que não se usa a deixar alguém que não quer ou não consegue estar ali ir embora”, explica a psicóloga.
Deixe a culpa fora da conta
Além disso, a culpa que carregamos pode nos paralisar. A gratidão por algo que um dia nos fez bem é importante, mas é preciso reconhecer quando chegou a hora de partir.
“Muitas vezes temos uma dívida de gratidão”, aponta Paula. Mas algo de bom que aconteceu no passado não necessariamente vai continuar sendo bom. A psicóloga completa: “As pessoas mudam, as situações também mudam. Mas o cérebro é viciado em prazer. Se aconteceu algo bom, ele quer que esse acontecimento se repita. E aí ficamos eternamente colocando expectativas em algo que não volta mais.”
Muitas vezes, precisamos lidar com a sensação ruim do desapego para que algo finalmente passe. “É preciso entender que aquilo não volta. Frequentemente, precisamos de ajuda profissional para lidar com a dor e a culpa”, complementa a especialista.
Como mudar sem perder a motivação
O começo do ano é sempre repleto de vontade. Vontade de ser mais saudável, de encontrar um amor, e de deixar para trás o que não faz sentido. Mas no decorrer dos meses, sabemos que muita coisa fica apenas no papel.
Para que as mudanças sejam efetivas e duradouras, e que você não recaia naquilo que não te cabe mais, Adriana pontua algumas dicas importantes.
Em primeiro lugar, prepare-se para o desconforto. “Mudanças, especialmente as que envolvem desapego, trazem desconforto. Pode surgir a vontade de desistir ou a sensação de que ‘não devia ter feito isso’. Isso é normal”, explica a psicóloga.
Para evitar cair na tentação de retroceder, antecipe esses momentos criando estratégias claras. Combinados consigo mesmo o que você fará quando surgir a vontade de voltar atrás.
“Uma segunda etapa é escrever uma carta para você mesmo. Hoje, enquanto se sente motivado, escreva uma carta para o seu ‘eu futuro’, lembrando-o de por que começou essa mudança”, diz Adriana.
Esse momento de escrita, além de terapêutico, pode servir como um guia durante os próximos meses, quando a culpa, o medo e a insegurança baterem na porta.
“Seja compassivo com você mesmo. Reconheça que o desapego é desafiador e não se critique por sentir dificuldade”, sugere a especialista. Em vez disso, ela lembra de se tratar com gentileza, lembrando que estar no caminho, mesmo com tropeços, é uma demonstração de coragem.
Tropeçar no caminho faz parte
Nesse processo, também é necessário aceitar os momentos de pausa e sensação de retrocesso. Então, se perceber que está estagnado, lembre-se: isso também faz parte. Adriana explica que “às vezes, esses períodos de inação são momentos de maturação emocional e reflexão. Processar o que está acontecendo internamente é tão importante quanto as ações externas”.
E, por fim, busque apoio. A especialista reforça que terapia e práticas como a escrita ajudam a organizar os pensamentos, lidar com as emoções e ganhar clareza. São ferramentas valiosas para manter o compromisso com o processo.
Afinal, desapegar nunca é fácil. Seja de uma roupa, de um emprego ou de um relacionamento. Porém, mais difícil ainda é enfrentar os próximos 365 dias carregando o peso de algo que não faz mais sentido em sua vida.
Sempre que um ano acaba, é comum ouvirmos por aí sobre como o tempo voa, e como o ano passou correndo. De fato, o viver acontece muito rápido. Por isso, não deixe para depois o que se pode mudar hoje. Que o ano novo te traga forças para desapegar e viver com mais leveza.
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