Luto perinatal: apoio psicológico valida sofrimento e evita dor silenciosa
Governo sanciona lei que cria a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental. Psicólogos tratam iniciativa como avanço clínico, ético e social

O luto é uma das dores mais difíceis de enfrentar enquanto ser humano. Quando ele vem da perda de um filho que sequer nasceu mesmo com a gravidez em estado avançado, no chamado luto perinatal, a situação fica ainda mais delicada e complicada. Neste momento, o apoio familiar e psicológico é fundamental para para acolher e elaborar todos os sentimentos que o momentos traz.
Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei que cria a Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental, que começa a valer em 90 dias — no final de agosto. O projeto inclui no SUS (Sistema Único de Saúde) o tratamento e o acolhimento a famílias que enfrentam a perda de um filho durante ou depois da gestação.
De acordo com o Ministério da Saúde, apenas três hospitais no Brasil oferecem este tipo de atendimento atualmente: o HMIB (Hospital Materno Infantil de Brasília), o Hospital Materno de Ribeirão Preto, em São Paulo, e a Maternidade de Alta Complexidade do Maranhão.
Ausência do que ainda seria
Há diversas formas de luto gestacional e neonatal, mas uma ganhou repercussão recentemente após a jornalista e apresentadora Tati Machado perder o bebê com oito meses de gravidez. O luto perinatal é caracterizado quando a perda ocorre entre a 22ª semana de gestação e o sétimo dia de vida.
Segundo o psicólogo Luti Christóforo, o vínculo entre mãe, bebê e familiares começa muito antes do nascimento. Para ele, o luto perinatal é uma dor que carrega também “a perda de um projeto de vida, de um futuro idealizado e de vínculos emocionais já estabelecidos ainda durante a gestação”.
“Quando a morte interrompe esse processo, instala-se uma dor complexa marcada pela ausência do que ainda seria. É um luto pelo não vivido.”
Christóforo acrescenta que essa dor, muitas vezes, é minimizada pela sociedade. Isso pode levar a um sofrimento silencioso por parte da mãe e dos familiares.
“É um luto frequentemente silenciado porque a sociedade, por não ver o bebê vivo por muito tempo ou nem chegar a conhecê-lo, tende a minimizar a dor dos pais, com frases como ‘vocês terão outro filho’ ou ‘só tentar outra vez’. Essa invalidação emocional contribui para o sofrimento silencioso e solitário, intensificando o sentimento de vazio, culpa e solidão”, diz.
Quando até as instituições silenciam
“O silêncio institucional costuma ser mais doloroso que a perda em si”, ressalta Christóforo. Além de todos os aspectos que envolvem o luto perinatal, o sentimento de abandono das instituições intensifica ainda mais a dor.
O psicólogo afirma que o projeto é “urgente”. “Garantir por lei o apoio psicológico é um avanço social. Trata-se de uma reparação simbólica e prática a um sofrimento historicamente desprezado. Esse tipo de lei reconhece o impacto emocional da perda gestacional e neonatal, e traz à tona uma pauta de saúde mental que ainda é negligenciada.”
Coordenadora de psicologia da Rede Hospital Casa, Dalila Stalla avalia que o projeto representa um avanço importante não apenas do ponto de vista clínico, mas também ético e social.
“Tratar o luto perinatal como uma questão de saúde pública e oferecer suporte psicológico especializado pode transformar a maneira como o sistema de saúde e a sociedade cuidam de um dos sofrimentos mais profundos da experiência humana.”
De acordo com Dalila, a falta de políticas públicas que reconheçam e legitimem esse tipo de perda faz com que os pais não se sintam autorizados a vivenciar o luto de forma aberta.
“Isso pode levar à depressão, transtornos de ansiedade (incluindo crises de pânico e fobias), transtorno de estresse pós-traumático e complicações no luto, tornando o processo prolongado ou patológico.”
O que muda com o projeto?
Confira abaixo detalhes da iniciativa com foco nas ações que devem ser incluídas no SUS:
- Apoio psicológico especializado;
- Exames para investigar a causa do óbito;
- Acompanhamento de gestações futuras;
- Espaços reservados às pessoas enlutadas;
- Criação de protocolos clínicos;
- Treinamento das equipes para um acolhimento adequado.
Além disso, o governo também alterou a lei nº 6.015/1973, de Registros Públicos, para permitir que os natimortos sejam registrados de forma oficial. Até então, as certidões eram emitidas apenas com informações técnicas, como sexo, data de nascimento, local e filiação. Com a mudança, os filhos serão registrados com os nomes que as mães e os pais planejaram durante a gestação.
A lei também institui o mês de outubro como o Mês do Luto Gestacional, Neonatal e Infantil no Brasil.
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