Mindfulness para crianças: atenção plena na infância
O mindfulness é traduzido comumente como a atenção plena, ou seja, aquele momento em que nossas preocupações com o passado e o futuro vão cedendo lugar ao agora e às práticas contemplativas. Mas ele serve para todo mundo? Nesta matéria, a Vida Simples apresenta como o mindfulness é utilizado em crianças e como sua inserção tem crescido em escolas e projetos educacionais.
Estar focado no presente é um exercício cada vez mais difícil e desafiador para a humanidade, especialmente para as crianças. Viver em um mundo hiperconectado, com preocupações latentes sobre o futuro, reflexões sobre o passado e uma quantidade infinita de informações disponíveis faz nossa mente entrar em um ritmo frenético de compromissos, prazos e pensamentos que parecem nunca acabar.
Segundo o último levantamento feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS), só no Brasil cerca de 18,6 milhões de pessoas são afetadas pela ansiedade. Esse é um sentimento natural e essencial para a espécie humana, mas, ao invés de controlá-la, estamos sendo conduzidos por ela. Já no ano passado, um estudo da Universidade de Calgary (Canadá) mostrou que entre os jovens esse número no mundo é de 25,2%, um crescimento afetado especialmente pela pandemia.
E como buscar ferramentas, práticas e possibilidades de tratamento para lidar não só com as nossas questões particulares, mas também com o ritmo que a vida vem tomando nas sociedades contemporâneas? É aí que surge o mindfulness, uma prática milenar considerada essencial para buscar a atenção plena e equilibrar as emoções. Essa habilidade é muito importante não só para os adultos, mas também para as crianças, que crescem hoje na geração de nativos digitais com cada vez mais estímulos aos sentidos.
Mindfulness como prática de autocuidado
Apesar de popularizada há poucas décadas, o mindfulness é uma prática de autocuidado presente nas civilizações humanas há séculos, tendo surgido há mais de dois milênios dentro de uma tradição budista. Ainda assim, só em 1979 é que o mindfulness foi criando suas ramificações para além do sentido religioso, quando passou a ser utilizado como uma prática terapêutica, a partir dos estudos do biólogo estadunidense Jon Kabat-Zinn.
“A ideia de mindfulness, até o século passado, era muito localizada nas religiões e práticas contemplativas, mas nos últimos quarenta anos isso começou a surgir nas universidades e na medicina”, explica Marcelo Demarzo, professor da Escola Paulista de Medicina (Unifesp) e pesquisador há mais de 10 anos no Centro Mente Aberta.
Traduzido para o português como “atenção plena”, o mindfulness está presente hoje em escolas, projetos educativos, currículos de universidades e programas de pós-graduação. Isso dá a dimensão das possibilidades que a prática foi tomando ao longo do seu desenvolvimento.
Seja pela religião ou não, Marcelo explica ainda que “os dois caminhos são possíveis, mas não são excludentes”, isso porque o mindfulness praticado em templos religiosos pode até ser diferente daquele que é feito nos centros de pesquisa e estudo sobre o tema, mas não se anulam. Depende muito mais do interesse de cada pessoa em buscar uma prática adequada às suas necessidades, seja científica, terapêutica ou religiosa.
Mindfulness para crianças
Atualmente, diversos estudos vêm buscando identificar como o mindfulness pode ser praticado em crianças e como as escolas podem incrementar a prática nos currículos desde a infância até à juventude. Marcelo Demarzo explica que o mindfulness pode ser praticado por qualquer pessoa, independente da faixa etária, embora para as crianças o recomendado seja a partir dos três anos de idade.
“A aplicação em crianças, diferente do que acontece nos adultos, é a adaptação da linguagem, a gente torna ela mais acessível, mais lúdica, dependendo da faixa etária“, explica o pesquisador. Atualmente, os exercícios de mindfulness são divididos para aplicação entre crianças de 3 a 6 anos, 7 a 11 e 12 a 18, no caso dos jovens.
A essência para todas as faixas etárias é a mesma. Os objetivos e resultados não são alterados, há, neste caso, apenas uma adaptação da linguagem que será utilizada durantes as técnicas de respiração. Demarzo explica que nos adultos algumas práticas podem ir de 15 a 40 minutos, um tempo que vai se reduzindo de acordo com a idade, chegando até a 3 minutos em crianças mais pequenas.
A adoção de exercícios mas lúdicos e alternativos também são estratégias comuns para que se tornem mais interessantes às crianças. Por exemplo, na contagem da respiração podem ser usados brinquedos, como bichinhos de pelúcia, colocando-os na barriga da criança e estimulando a percepção dela de como o diafragma se movimenta e a respiração age dentro do seu corpo.
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Benefícios do mindfulness para crianças
Entre os principais benefícios do mindfulness, que consiste na prática de diversos exercícios de meditação para atingir a atenção plena, Marcelo Demarzo destaca que são fundamentais identificar efeitos como:
1. Maior controle da tensão
O mindfulness nos leva a um maior controle do estresse, ansiedade e da própria tensão, levando nossa mente e corpo a um estado presente, de regulação, compreensão das emoções e atenuação de comportamentos mais impulsivos que podem desequilibrar nosso emocional.
2. Mais foco
Os exercícios que levam à atenção plena consequentemente geram mais foco e maior percepção de realização das atividades do cotidiano, sem muitas distrações e maior objetividade.
3. Mais consciência
O mindfulness também nos leva a um estado de maior consciência, percepção do nosso emocional e um entendimento maior de como nossa mente individualmente funciona diante das mais diferentes situações.
4. Regulação emocional
A regulação emocional é uma das mais importantes consequências da prática do mindfulness, o que evita o desequilíbrio emocional e gera uma maior capacidade para lidar com situações de estresse ou ansiedade.
5. Maior capacidade de lidar com o estresse
Como citado acima, a regulação emocional é um passo essencial para uma maior capacidade de lidar com o estresse, isso porque as pessoas desenvolvem o hábito de parar, refletir, analisar a situação e buscar formas que não recorram a explosões de raiva, por exemplo, para resolver situações que necessitam de maior atenção.
6. Melhora na aprendizagem
A melhora na aprendizagem é um estímulo importante quando se fala na prática de mindfulness, especialmente entre as crianças, que passam a se tornar mais concentradas durante os momentos de apreensão de conteúdos.
7. Estímulo à memória
Estudos na área médica mostram que a prática de técnicas meditativas levam a um desenvolvimento da massa cinzenta do hipocampo, e como essa área está relacionada aos processos de formação da memória, acredita-se que o mindfulness age beneficamente a esses estímulos.
8. Melhora na relação entre as crianças
Em crianças, as práticas de mindfulness podem proporcionar uma melhor relação entre os amigos e no ambiente escolar, proporcionando um espaço mais acolhedor, empático e saudável.
9. Melhora na relação entre as crianças e os pais
Na família, as práticas meditativas auxiliam no aprimoramento das relações entre as crianças e os pais, especialmente quando ambos praticam o mindfulness.
Mindfulness como você nunca viu
Mariah Theodoro e Heloisa Kinder formam juntas uma dupla que se propôs a levar o mindfulness de forma acessível, gratuita e responsável para o público infantil.
Mariah, que é psicóloga clínica e mestra em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisou durante seu mestrado a percepção da atenção plena em profissionais de saúde, embora também direcione seus estudos na área de mindfulness para crianças.
“A gente não controla as emoções que surgem, mas podemos escolher como lidar com elas“, explica a psicóloga, que vê na prática contemplativa uma das ferramentas importantes para o controle das emoções no nosso corpo. Ao longo dos anos, ela e Heloisa Kinder, uma desenvolvedora Web, designer gráfica e ilustradora na Universidade da Califórnia em Davis, criaram juntas histórias interativas que direcionam as crianças para o mindfulness.
“Por que não trazer o mindfulness de forma lúdica com histórias que possam agregar o autoconhecimento, ajudar as crianças a se autorregular emocionalmente, a promover o interesse delas não só para com elas, mas para com o outro, em termos de gentileza, generosidade, autocompaixão, olhar para o mundo e para a natureza de forma diferente?”, questiona Mariah Theodoro, que havia escrito uma história que logo foi transformada em animação por Heloisa Kinder.
Coma o trabalho conjunto, o projeto alçou novos voos e chegou ao mundo digital com o Mar Mindful, um site – disponível também para aplicativo – com narrativas audiovisuais, podcasts, além de jogos interativos para as crianças se divertirem. Assim o espaço foi sendo pensado especialmente para as crianças praticarem mindfulness em casa.
“Esse projeto nasceu de uma pergunta que sempre faço a mim quando eu vou atender: o que eu quero deixar no mundo? O que eu quero promover no outro que só eu posso fazer de maneira especial?”, comenta Mariah.
O site pode ser usado tanto em computadores como em smartphones, como mostra a apresentação. Vídeo: Arquivo pessoal / Heloisa Kinder
Agora, o sonho das duas é poder levar o site também para os Estados Unidos, traduzindo as histórias, vídeos e podcasts para o inglês, além de publicar um livro sobre o projeto no Brasil, que estimule as crianças a buscarem o mindfulness a partir da leitura de forma responsável e orientada cientificamente.
Confira um dos vídeos do projeto:
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