Por que estamos tão ansiosos e como lidar com isso
Sem pedir licença para entrar, esse sentimento tem nos visitado com mais frequência em tempos turbulentos e de tantas incertezas
Sem pedir licença para entrar, esse sentimento tem nos visitado com mais frequência em tempos turbulentos e de tantas incertezas. Não ignorá-lo é o primeiro passo para dias mais leves e esperançosos
“Tudo o que nós sentimos tem uma função”, me explicou a médica e instrutora de meditação Regina Chamon. O medo, por exemplo, nos protege, porque impede que tomemos alguma ação que nos prejudique. Não colocamos a mão no fogo por medo de queimá-la, não nos debruçamos sobre janelas em grandes alturas por medo de cair, e por aí vai. Assim, é importante que, de início, saibamos que não existe sentimento bom ou ruim. Eles só existem, são comuns e importantes a todos nós.
Em cenários como o que estamos vivendo agora, de uma pandemia, o nosso primeiro impulso é o de proteção. Não queremos ser contaminados com o vírus, tampouco desejamos que pessoas queridas o sejam. Uma vez que nosso corpo percebe que é preciso se proteger, o medo se manifesta. Isso é normal. Acontece que, muitas vezes, não damos lugar a ele. Não permitimos que ele cumpra sua função. Uma reação esperada seria pensar: certo, o que eu posso e tenho que fazer para me manter seguro? É provável que a resposta seja ficar em casa o máximo que for possível, ter bons hábitos de higiene, evitar contatos sociais. Ao receber tais sinais de segurança, o sentimento teria dito a que veio e dado espaço para que mudássemos o foco da nossa atenção.
Os prejuízos da negação
O problema é quando não o acolhemos. “Se ficamos diante de uma situação de ameaça ou de desafio, uma estrutura do nosso cérebro, a amígdala, dispara uma resposta para o nosso corpo. Dois hormônios são liberados na corrente sanguínea, o cortisol e a adrenalina”, elucida Regina. É a chamada resposta de estresse. Se por algum motivo nós não a desligarmos, como quando negamos sua existência ou tentamos escondê-la, ela começa a desgastar o corpo e aparece em forma de tensão muscular, dor, irritabilidade, dificuldade de dormir e de manter o foco, perda de memória, respiração ofegante, aumento da frequência cardíaca.
Essas manifestações visíveis também são conhecidas como ansiedade. Cristiane Marino, médica e psicoterapeuta, explica que a ansiedade é uma pré-ocupação, ou seja, é basicamente nossa mente se debruçando sobre cenários futuros sobre os quais não temos certeza alguma, mas que acreditamos que será catastrófico.
A ansiedade tem muitas fontes
Não é, no entanto, só o medo que nos deixa ansiosos, seja ele de contrair a doença, de perder alguém especial ou dos prejuízos financeiros. Um outro fator importante é a mudança repentina de rotina. De um dia para o outro, muitos dos nossos rituais diários tiveram que ser abandonados. É como se tivéssemos perdido o referencial. “A criação de uma nova rotina demanda muita energia”, afirma Cristiane. “São necessários diversos ajustes internos para entendermos como nos organizaremos nesta nova configuração”, complementa.
É por isso que estamos nos sentindo mais cansados também, mesmo sem ter que enfrentar o trânsito e todas as outras correrias que habitam o externo da nossa casa. Esse cansaço psicológico é resultado da nossa constante tentativa de tentar administrar a organização da casa, as atividades das crianças, o horário de trabalho, o cuidado com quem amamos e não mora conosco. A tensão que envolve todos esses fatores tende a nos paralisar, mas, em contrapartida, sabemos que precisamos agir. Porque, por mais que seja em um ritmo diferente, a vida continua.
Nós também perdemos a liberdade de ir e vir. E um bom começo para lidar com essa sensação de aprisionamento é olhar para a nossa casa como um refúgio. Ter um lugar para morar com toda a infraestrutura necessária não deixa de ser um privilégio.
E quem somos nós?
Além do medo, da rotina e da liberdade, a ansiedade também tem suas raízes fincadas na falta de convívio social, que, por sua vez, escancara a perda das referências externas. Cristiane esclarece: “muitos de nós não tínhamos a nós mesmos como referência. Era sempre o outro. O que ele estava fazendo, eu queria fazer. Agora que esse outro não está no nosso campo de visão, seja para guiar nossas atitudes ou para validá-las, temos que olhar para dentro”.
O momento pede que reconheçamos quem somos, do que gostamos ou não, quais são os nossos anseios, sonhos, frustrações. É um convite para dar conta da gente mesmo. A ansiedade aqui surge como um impeditivo desse exercício: se estamos ocupados demais tentando lidar com ela, deixamos de lado essa escuta daquilo que grita do lado de dentro. Pode ser por isso também que temos buscado tantas e diferentes atividades. Cursos gratuitos, aulas online, lives no Instagram… Colocamos a obrigação da produtividade para sentar ao nosso lado no sofá. Ao fazer, fazer e fazer, não temos tempo para encarar os vazios, as angústias reprimidas, os desejos ignorados.
Momentos de pausas
O mesmo vale para quando nos debruçamos demais sobre os problemas alheios. Às vezes, o interesse genuíno não é em ajudar o outro, mas em tirar o foco dos nossos percalços. O que não quer dizer que a gente não deva pensar em como auxiliar as pessoas que estão enfrentando dificuldades. Precisamos, sim, estender a mão para aqueles que perderam seus empregos, ou os que estão vendo a existência de seus pequenos empreendimentos ameaçada, ou ainda os que, infelizmente, não têm acesso aos itens básicos de sobrevivência, como água, comida e materiais de higiene. O coletivo importa e, se pudermos fazer algo por ele, façamos. A questão é não usar isso como uma fuga das nossas escassezes.
E então, como em um ciclo que se retroalimenta, nosso corpo começa a ficar fadigado. Mesmo que as atividades com as quais nos ocupemos sejam prazerosas e relaxantes, é importante ter um tempo para não fazer nada. Nada mesmo. Regina diz que o que estamos fazendo é dando ao cérebro microdoses de estresse, responsável por ativar aquela resposta de estresse que falamos há pouco. “O ideal é que a gente tenha um momento formal de pausa, mas também pequenas pausas ao longo do dia. Tire 10 minutos para respirar com atenção e consciência”, aconselha.
Para lidar com a ansiedade
O que faz com que nosso corpo volte ao estado de equilíbrio é a resposta de relaxamento, contrária à de estresse. Algumas práticas podem nos ajudar muito a baixar os níveis de cortisona e adrenalina no organismo. É assim que a respiração recupera um ritmo mais natural, os batimentos cardíacos desaceleram, os músculos relaxam e sentimos, finalmente, que tudo voltou a ficar bem.
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Experimente meditar
Meditação não é sinônimo de mente vazia, até porque isso não é possível. Meditar é um treino de atenção, uma vez que ela é intermitente, ou seja, fica pulando de um lugar para o outro. O que a prática sugere é a definição de um ponto de foco para onde vamos trazer de volta nossa atenção toda vez que ela fugir. Assim que você perceber que se distraiu e se envolveu em uma sequência de pensamentos, retome o foco para esse ponto.
Para começar, você pode se propor a fazer respirações profundas. Primeiro sete, no dia seguinte, 14, no terceiro dia, 21, e por aí vai.
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Cuide do seu sono
A qualidade do sono é fundamental para o nosso bem-estar psicológico. Mantenha horários regulares para dormir e acordar. Além disso, desligue os aparelhos eletrônicos de uma a duas horas antes de se deitar.
À noite também não é o melhor momento para ver notícias, prefira se informar durante o dia. Se você gosta de ler ou de assistir a um filme antes de dormir, escolha títulos mais leves. Nós já estamos cercados de informações sobre mortes e tragédias na vida real; deixe com a ficção a missão de trazer diversão e alívio.
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Tome sol
Da janela de casa mesmo, caso você não tenha varanda ou quintal, exponha-se pelo menos 20 minutos por dia ao Sol. Aproveite esse tempo para olhar o céu, as nuvens, perceber a vida que segue pulsando. A vitamina D é um modulador do sistema imunológico e da saúde psíquica.
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Estabeleça uma rotina
Nosso cérebro precisa perceber que temos controle de alguma situação. Atividades sequenciais feitas repetidas vezes são importantes para isso. Defina um horário para levantar, trabalhar, fazer as principais refeições do dia. Cuidado para não atribuir a si mesmo muitas obrigações. Você não precisa lotar a agenda para provar que consegue dar conta de muita coisa. Estamos sendo convidados a desacelerar. E, claro, não se esqueça dos momentos de lazer.
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Se alimente bem – e isso não vale só para comida
Dê preferência a ingredientes naturais e frescos, preparos feitos em casa. Precisamos fornecer vitaminas ao corpo. Não é saudável para sua saúde física e mental ter uma alimentação baseada em todos os industrializados que estão disponíveis no supermercado.
Cuide também daquilo que você consome pelos olhos e ouvidos. Cristiane alerta: “Marion Woodman, psicanalista, diz que tudo aquilo que a gente ingere por todos os órgãos do sentido não sai mais. Podemos até não se lembrar disso depois, mas vai ficará como um ruído de fundo na psique. E isso causa ansiedade”.
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Procure ajuda profissional
Você não precisa lidar com esses excessos (de informação, de sentimentos) sozinho. Se o medo e a ansiedade são constantes e te impedem de fazer as atividades do dia a dia, busque um psicólogo. Se tem histórico de doenças como depressão e transtorno de ansiedade generalizada, retome o contato com o profissional que te acompanhava. Estamos todos tentando entender como se adaptar a esse novo cenário e rede de apoio é fundamental.
Por fim, que a gente tente manter a calma e a paciência. Que sejamos gentis em nossos processos de reconhecer, acolher e organizar nossas emoções. É certo que não sabemos quando tudo isso vai passar, mas dias melhores virão. Como diria Ariano Suassuna, bom mesmo é ser um realista esperançoso. Tenhamos esperança.
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